11 julho 2022

a desumanização em nome de Deus

Coincidente com a publicação neste blogue de vários posts sobre os abusos sexuais cometidos sobre crianças no seio do Movimento dos Focolares em França, o grupo de trabalho que investiga os abusos sexuais de menores na Igreja em Portugal veio esta semana dar sinais de vida (cf. aqui).

Pode ter sido só coincidência.

Pela voz do seu presidente, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, a comissão informa que já ouviu 352 depoimentos, estima em mais de 1500 os menores abusados na Igreja nas últimas décadas, promete o relatório final dos seus trabalhos para Dezembro e diz ainda que está em consulta com a Conferência Episcopal Portuguesa para encomendar ao arquitecto Siza Vieira um memorial às vítimas de abusos sexuais na Igreja.

O relatório que tenho vindo a citar da consultora britânica GCPS (cf. aqui) sobre os abusos sexuais de JMM, um membro consagrado dos Focolares em França, surgiu precisamente como resultado das queixas apresentadas a uma comissão independente que investigava os abusos sexuais da Igreja em França, muito semelhante à comissão portuguesa presidida por Pedro Strecht. A comissão francesa - conhecida por CIASE - era, no entanto, mais abrangente porque incluía também os casos de abusos sexuais sobre adultos. Depois de dois anos e meio de trabalho, a comissão reportou em Outubro de 2021 (cf. aqui).

Perante as queixas apresentadas por ex-focolarinos na CIASE, o Movimento dos Focolares, como estratégia de defesa, tomou a iniciativa e decidiu contratar a consultora GCPS em 2020 para investigar exclusivamente os abusos de JMM, que, entretanto, já tinha sido expulso do Movimento em 2016. Ao fazer assim, concentrava toda a atenção nos abusos cometidos por JMM e desviava a atenção de outros abusadores no seio do Movimento.

Respeitando embora o seu mandato, a consultora GCPS não pôde deixar de ouvir todas as vítimas que se lhe dirigiram com queixas sobre outros perpetradores e, no seu relatório final, são recorrentes as menções ao facto de que o caso de JMM não é caso único no seio do Movimento, e que os abusos sexuais de crianças eram bastante mais generalizados, quer em termos de vítimas quer em termos de perpetradores.

O meu propósito neste post é o de dar uma sugestão ao grupo de trabalho de Pedro Strecht, enquanto se encontra ainda a desenvolver os seus trabalhos. A sugestão é que a comissão investigue com particular atenção o Movimento dos Focolares em Portugal.

Para além das notícias que vêm de França, existem dois factores que se conjugam no Movimento dos Focolares e que favorecem o abuso de crianças de uma maneira que não se encontra facilmente em qualquer outra organização ou departamento da Igreja Católica.  

O primeiro é o facto de o Movimento dos Focolares se dirigir prioritariamente a crianças e adolescentes. É este o seu público-alvo e é neste campo que o Movimento concentra os seus esforços de recrutamento. Um sinal claro é dado pela revista Cidade Nova, o órgão oficial de propaganda do Movimento. Quem olhar para as capas da revista praticamente só vê crianças e jovens adolescentes (cf. aqui).

O segundo factor é ainda mais importante e está relacionado com o primeiro. Na sua ânsia de unidade, respondendo à prece de Cristo "Pai, que todos sejam um só", o Movimento dos Focolares procede à despersonalização das pessoas. É célebre a frase de Chiara Lubich, a fundadora do Movimento: "Não existe unidade enquanto existir personalidade".

Ora, é mais fácil anular a personalidade de uma criança, que ainda está em formação, do que a personalidade de um adulto, que já está formada. Daí a preferência dos Focolares pelas crianças. Posto em linguagem popular, é mais fácil fazer a lavagem ao cérebro de uma criança do que de um adulto, é mais fácil abusar de uma criança do que de uma pessoa maior de idade.

A personalidade é o último reduto de defesa de um ser humano. A própria palavra pessoa está associada a personalidade. Sem personalidade um ser humano deixa de ser uma pessoa, passa a ser como um animal ou, pior ainda, como um vegetal. É a sua personalidade que lhe permite dizer não às propostas que lhe vêm do exterior: gosto disto, não gosto daquilo, aceito isto, não aceito aquilo. Um ser humano sem personalidade é um ser humano indefeso, não tem critério, não tem vontade própria, aceita praticamente tudo aquilo que lhe queiram fazer. No caso de uma criança, é mesmo um ser humano totalmente indefeso.

O Movimento dos Focolares, na sua doutrina e na sua prática, junta tudo aquilo que é necessário para abusar crianças. Primeiro, chama-as a si e depois, em nome da unidade, retira-lhes a personalidade, tornando-as indefesas.

O Movimento dos Focolares é a desumanização praticada em nome de Deus.

Não surpreende que por lá se abusem crianças.

Sem comentários: