10 junho 2022

entrega todas as armas



Num post em baixo, referindo-me a um processo que eu próprio coloquei contra o Estado português no TEDH (cf. aqui), deixei implícito um razoável optimismo de que vou vencer.

O propósito deste post é o de dizer  que o meu optimismo não é apenas razoável. É absoluto. Eu tenho a certeza absoluta de que o Estado será condenado, tanto mais que é imensamente menos provável que a sociedade de advogados Cuatrecasas e o PSD do Paulo Rangel possam comprar juízes e magistrados do MP em Estrasburgo como o fizeram em Portugal.

Esta certeza absoluta não é de agora e foi exprimida neste blogue ao longo dos últimos anos: cf. aqui, aqui e aqui.

É a diferença entre um sistema de justiça íntegro, como é o do TEDH, em que qualquer pessoa pode antecipar os resultados de um processo judicial, porque existe uma jurisprudência sólida em que invariavelmente se baseiam os julgamentos, e uma sistema de justiça corrupto - como em muitos aspectos é o nosso - em que as decisões são aleatórias e, portanto, arbitrárias porque estão sujeitas a influências pessoais e políticas de toda a espécie, reflectindo a tradição inquisitorial portuguesa de a justiça ser um braço do poder político.

Em finais do ano passado, quando a sentença do Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui) transitou em julgado, o TEDH notificou o Estado português para que se defendesse da minha queixa de violação do artº 10º da CEDH (direito à liberdade de expressão). A defesa do Estado em processos no TEDH está a cargo do Ministério Público. 

A contestação à minha queixa, assinada pela procuradora Maria de Fátima Carvalho, em nome do Governo português, deu entrada no TEDH em Abril passado, que nesse mesmo mês a fez chegar ao meu advogado e este a mim.

E nesse dia, ao ler a contestação, eu, que já tinha a certeza absoluta de que  ia ganhar o processo, fiquei com outra certeza absoluta - a de que o Ministério Público (ou o Governo português, como se queira) sabe que o vai perder.

É que na sua defesa, o Ministério Público, pela mão da procuradora Maria de Fátima Carvalho, entrega todas as armas, e eu vou referir em seguida a principal.

Ao notificar o Estado, o TEDH chama a atenção para a jurisprudência que utiliza para julgar os casos como este, envolvendo o conflito entre o direito à honra e o direito à liberdade de expressão. Trata-se sobretudo dos parágrafos 48-52 do acórdão histórico Bédat vs. Switzerland de 2016, onde essa jurisprudência foi magistralmente resumida (cf. aqui). (Foi esta mesma jurisprudência que o TEDH invocou para condenar o Estado português esta semana no caso dos cartoons de Elvas).

Esta jurisprudência começa por afirmar o direito à liberdade de expressão previsto no nº 1 do Artº 10º da CEDH. Reconhece em seguida as limitações a esse direito que são expressas no nº 2 desse mesmo artigo, incluindo a protecção da honra (cf. aqui). Mas afirma em seguida, no parágrafo 49  do referido acórdão:

"49. Par ailleurs, s´agissant du niveau de protection, l´article 10 § 2 de la Convention ne laisse guère de place pour des restrictions à la liberté d´expression dans deux domaines: celui du discours politique et celui des questions d´intérêt genéral". (cf. aqui)

Por outras palavras, as limitações à liberdade de expressão previstas no nº 2 do artº 10º, não se aplicam quando está em causa o discurso político ou questões de interesse geral.

Na defesa que faz perante o TEDH das decisões judiciais do Estado português neste processo, a procuradora Maria de Fátima Carvalho admite explicitamente,  a certa altura do seu texto, que o meu comentário televisivo versava sobre uma questão de interesse geral - a construção da ala pediátrica de um grande hospital público do país.

Ora, sendo assim, não há limitações à liberdade de expressão, não há direito à honra que se lhe possa atravessar no caminho. Eu podia ter dito tudo aquilo que disse, e muito mais. O Estado português vai ser condenado pela certa.

Depois de ler o texto da procuradora Maria de Fátima Carvalho, não apenas fiquei com a certeza que ela sabe que o Estado português vai ser condenado, mas, em certos momentos, tive a sensação que ela tinha uma certa simpatia por mim, por virtude da perseguição política a que fui sujeito através dos tribunais portugueses.

Uma vergonha para encobrir práticas de financiamento ilegal de partidos através de sociedades de advogados e empresas de construção, enquanto crianças gravemente doentes, no segundo maior hospital do país, ficavam dez anos internadas em barracões metálicos, expostas à chuva, ao frio e a pragas de moscas.

A ala pediátrica do Hospital de São João do Porto já está, entretanto construída. Falta agora construir um sistema de justiça em Portugal que seja democrático e decente. Pode ser que este processo no TEDH - que está a ser tratado como um "caso de impacto" (cf. aqui) - contribua para isso. Estou muito esperançado que sim.

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