16 janeiro 2021

Por que vou votar no André Ventura (III)

 (Continuação daqui)


III. A palavra empenhada

Comecei por dizer há cerca de duas semanas que, nas próximas eleições presidenciais, iria votar no André Ventura pelo facto de ele pôr em primeiro lugar a Justiça (cf. aqui). Na realidade, em declarações à comunicação social, ele afirmou que pretende deixar como legado "uma profundíssima reforma na Justiça" (cf. aqui).

Ora, não há ideia que eu possa subscrever com mais entusiasmo num candidato à Presidência de República e, mais ainda, num candidato a Primeiro-Ministro, se vier a ser o caso, do que a ideia de uma reforma profundíssima da Justiça.

Eu aprecio no André Ventura a força e a clareza das ideias. Pode não se concordar com algumas das suas ideias, mas ninguém pode dizer que não sabe ao que ele vem. Pela primeira vez em democracia, um político destacado, e líder de um dos principais partidos, elege a Justiça como prioridade da vida pública portuguesa. 

É a justiça que sustenta a democracia. Ao contrário de uma ditadura que se joga no poder executivo, uma democracia joga-se no poder judicial. As democracias morrem quando os cidadãos perdem a confiança na justiça. E se o nosso sistema de justiça não fôr reformado é a democracia que tem os dias contados.

Na clareza e na força das ideias existe um contraste nítido entre o candidato André Ventura e o candidato Marcelo Rebelo de Sousa.

Os portugueses conhecem há muito Marcelo Rebelo de Sousa, primeiro, e durante anos, como comentador televisivo e nos últimos cinco anos como Presidente da República, lugar em que continuou a comentar sobre praticamente todos os assuntos da vida pública nacional.

Mas, se se pedir a um português para referir uma ideia de Marcelo Rebelo de Sousa  - uma só que seja - que lhe tenha ficado gravada no espírito, ele terá dificuldade em responder. Eu próprio não sou capaz de recordar uma ideia - uma só - com a qual  ele se tenha comprometido. Ele fala de tudo tudo e não se compromete com nada.

Ora, é esta capacidade para  apresentar uma ideia e se comprometer com ela que eu aprecio no André Ventura. E, no caso da Justiça, não é só apreço, é entusiasmo genuíno.

A Justiça é a área profissional de Marcelo Rebelo de Sousa. Porém, nos cinco anos da sua presidência, ele não fez nada - rigorosamente nada, nem sequer uma promessa, quanto mais algo de concreto -, para melhorar o sistema de justiça, do qual depende a democracia, e que agora vive semanalmente de escândalo em escândalo que a todos envergonha.

Nunca fez nada, nem nunca fará porque o nosso sistema de justiça medieval e corrupto, quer nas suas regras quer nos seus protagonistas é, em parte, o legado intelectual do professor Marcelo Rebelo de Sousa e dos seus pares, professores da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Há um acontecimento, aliás, que é paradigmático na vida pública de Marcelo Rebelo de Sousa em relação à Justiça. Refiro-me à prisão de José Sócrates. 


Nunca tive simpatia política por José Sócrates. Porém, aquela prisão era tão injusta, tão cruel, tão anti-democrática, tão medievalmente inquisitorial que, no Porto Canal, eu insurgi-me com quanta força tinha ao ponto de dizer que, se o juiz Carlos Alexandre fosse meu empregado, teria sido despedido na hora (cf. aqui).

Fiquei curioso em saber a reacção ao mesmo assunto de Marcelo Rebelo de Sousa que, na altura, comentava noutra estação de muito maior audiência. Hoje, passados mais de seis anos, se ele comentou alguma coisa sobre o assunto já me esqueci o que foi porque para mim, como deve suceder com muitos portugueses, Marcelo Rebelo de Sousa fala muito, mas nada do que ele diz fica na memória. 

Umas semanas depois, já da prisão, José Sócrates mandou uma carta pungente para a comunicação social onde transparecia o seu profundo sentimento de injustiça e onde se referia ao cinismo dos "Professores de Direito", numa óbvia alusão a Marcelo Rebelo de Sousa (cf. aqui). É que na sua qualidade de comentador influente e de "Professor de Direito", Marcelo Rebelo de Sousa nunca protestou uma palavra acerca daquela monstruosa injustiça.

No fim de contas, este sistema de justiça iníquo e inquisitorial dava-lhe jeito para eliminar o seu principal adversário político às eleições presidenciais de 2015 as quais, assim, ele ganhou com relativa facilidade. De resto, este sistema de justiça está feito exactamente para isso - para eliminar adversários políticos. Não é, talvez, por acaso, que Marcelo Rebelo de Sousa é professor de Direito.

Oxalá Marcelo Rebelo de Sousa um dia não seja o alvo do sistema de justiça que ele próprio, em parte, contribuiu para legar aos portugueses. Como dizia Chesterton, não existe nada mais precário do que o poder - como José Sócrates já sabe e Marcelo Rebelo de Sousa pode vir um dia vir a saber.

Por isso, conto com André Ventura para reformar o sistema de Justiça. Pode ser que ele me desiluda mas, nessa altura, logo se verá. Para já, aprecio a sua palavra empenhada e que não contém ambiguidade. 

Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, esse,  é que não me vai desiludir com certeza porque nunca se empenhará em mudar a justiça ou o que quer que seja.

Na vida pública, que eu conheça, ele nunca se empenhou em nada - excepto nele próprio.

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