03 agosto 2020

Os milagres de S. Branquinho (III)

(Continuação daqui)


III. A indústria dos milagres



Nos países de tradição protestante ou frugais só Cristo faz milagres. Pelo contrário, nos países de tradição católica ou do vinho e das mulheres, para além de Cristo, também a Virgem e os santos fazem milagres. Exceptuam-se apenas os santos à porta.

Os países protestantes até nos milagres são frugais. Pelo contrário, nos países católicos existe uma próspera indústria de milagres onde cada santo procura oferecer no mercado o melhor milagre do mundo ao mais baixo preço possível.

Em Portugal, com o fim do regime de Salazar, que era um regime de inspiração católica, e a sua substituição pelo regime da democracia liberal, que é um regime de inspiração protestante, os santos foram proibidos e os milagres também. Os santos passaram à clandestinidade e os milagres passaram a transacionar-se na candonga. Se até então, no país, só os santos à porta não faziam milagres, a partir de então nenhum santo pode fazer milagres.

Para perseguir os santos no novo regime político foi instituído o Ministério Público em novas bases, como nos alvores da modernidade a Inquisição tinha sido instituída em novas bases para perseguir os cristãos-novos. Escusado será dizer que aos procuradores do Ministério Público, como antes aos inquisidores, interessava muito menos a pureza da fé cristã - protestante num caso, católica no outro - do que a conta bancária dos pecadores.

Olhando em retrospectiva, a limpidez com que os inquisidores do Ministério Público deitaram a mão à conta bancária de S. Branquinho é impressionante mas, para a descrever, talvez seja conveniente dar de novo a palavra à jornalista Mariana Oliveira do Público:

"Os pagamentos terão sido feitos pelo empresário Joaquim Teixeira , administrador da sociedade anónima que é dona do hospital, a PMV Policlínica, há mais de 13 anos, no final de Maio de 2007. Segundo o MP, em três dias os 225 mil euros saíram de uma conta da empresa, foram transferidos para uma conta que estava em nome de Joaquim Teixeira e desta para outra que o empresário mantinha com um outro acionista da PMV. Por fim, o dinheiro chegou a uma conta no Banco Espírito Santo que tinha Agostinho Branquinho como titular" (cf. aqui, ênfase meu).

Mas que milagre é esse, que começou a ser feito em 2003 e cujo pagamento foi efectuado em 2007, e como é que os inquisidores do Ministério Público - às vezes chamados os melhores magistrados do mundo - só começaram a tomar conhecimento de tudo isto em 2014, ainda por cima pelos jornais?

E como é que agora, em pleno verão post-pandemia, se vai explicar aos portugueses que o Ministério Público os manteve durante quase vinte anos na ignorância de que existia um santo entre eles, e que fazia milagres a 225 mil euros a peça? E o Ricardo Salgado não terá sido cúmplice daquele elaborado sistema de transferências bancárias?

De novo a palavra à jornalista Mariana Oliveira do Público, agora para desvendar o milagre:

"(..) três dos sete pisos foram construídos sem que houvesse licença para tal (…).
Só em Setembro de 2007 é que a PMV deu entrada no município de Valongo com um pedido de ampliação do edifício, fazendo referência pela primeira vez aos sete pisos e à criação de um hospital. O município terá ficcionado que a obra ainda não estava construída. Tal permitiu o insólito de terem passado apenas 11 dias entre a emissão do alvará das obras de ampliação, a 10 de Dezembro de 2007, e a emissão do alvará de utilização, com data de 21 desse mês. O livro de obra, aliás, registou que os trabalhos de ampliação foram iniciados a 10 de Dezembro e concluídos a 19 do mesmo mês, ou seja, realça a acusação «ali se declarou que os três pisos suplementares foram concluídos em nove dias»" (cf. aqui, ênfase meu).

Que milagre tão fantástico que os inquisidores do Ministério Público atribuem a S. Branquinho - o de ter construído três pisos do edifício de um hospital em apenas nove dias, ainda por cima sob o frio intenso do mês de Dezembro.

Por 225 mil euros, este milagre é uma verdadeira pechincha sobretudo se o preço incluía os materiais de construção.

(Continua)

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