16 junho 2020

A corromper a justiça (1)

1. Conflitos de interesses


Das seis medidas que o Conselho da Europa, através do Greco (Grupo de Estados Contra a Corrupção), recomendou a Portugal em 2015 para prevenir a corrupção entre os juízes, não existe uma - uma só - que esteja plenamente implementada (cf. aqui).

O que é que o Conselho da Europa pretenderá atingir com as referidas medidas, que podem ser consultadas aqui?

Pretende, por exemplo, prevenir situações de conflito de interesses como o envolvimento dos juizes em causas político-partidárias porque esse envolvimento corrompe a justiça.

Acontece com este juiz que aparece à porta do Parlamento a discursar num comício contra a eutanásia: cf. aqui.

A eutanásia é defendida por partidos como o BE, o PCP e a maioria do PS. Contra a eutanásia está o CDS e certos sectores do PSD.

Se amanhã este juiz tem de julgar um caso sobre uma matéria qualquer envolvendo um defensor da eutanásia e decide condená-lo, fica-se na dúvida se o réu foi condenado porque, de facto, cometeu algum crime ou simplesmente porque o juiz não gosta dele por ser um defensor da eutanásia.

Na realidade, pode acontecer muito pior. O juiz considera que a Assembleia da República não tem competência para decidir sobre a eutanásia e reclama um  referendo (cf. aqui). Ora, há políticos do PSD e do CDS que também reclamam um referendo à eutanásia, como o eurodeputado do PSD, Paulo Rangel (cf. aqui).

Ora, se amanhã este juiz tem de julgar um caso envolvendo o Paulo Rangel - como já aconteceu, cf. aqui -, e decide favoravelmente a ele, fica-se na dúvida se o Paulo Rangel tinha, de facto, razão, ou se o juiz lhe fez um favor por serem ambos compagnons de route  na mesma causa ou até no mesmo partido.

Este juiz está a corromper a justiça. Este juiz está a pôr em causa o atributo mais importante da justiça democrática e que é referido no artº 6º da CEDH - a imparcialidade do juiz. A maior parte das recomendações do Conselho da Europa a respeito dos juízes visam precisamente preservar a imparcialidade e a independência dos juízes.

Quando as recomendações do Conselho da Europa forem adoptadas em Portugal, se é que alguma vez serão, este juiz vai ter de optar - ou é juiz ou é político. As duas coisas ao mesmo tempo é que não pode ser porque a política corrompe a justiça.

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