17 setembro 2019

com o meu case study

Devido ao aumento da conflitualidade na sociedade portuguesa, ao aumento do número de casos judiciais e ao aumento do número de recursos que chegavam ao Supremo Tribunal de Justiça - muitos deles sobre casos de pequena importância -, em 2013 a Assembleia da República legislou no sentido de restringir a possibilidade de recurso para STJ.

Na Lei 20/2013 o Parlamento determinou que, doravante, o Supremo Tribunal de Justiça só apreciaria recursos de sentenças que envolvessem condenações a pelo menos cinco anos de prisão (cf. aqui).

Até que, recentemente, o deputado madeirense José Manuel Coelho veio pôr em causa esta Lei.

Num meio pequeno e fechado como é a Madeira, qualquer pequena crítica a uma autoridade, ou a quem se julgue autoridade, é uma grande ofensa, e o deputado Coelho deve ser o campeão no país dos arguidos por processos de ofensas, tendo já sido várias vezes condenado pelos tribunais nacionais.

No meio de uma pugna política com o militante do MRPP, o advogado Garcia Pereira, o deputado Coelho ter-lhe-á chamado agente da CIA e outras coisas assim, e o Garcia Pereira queixou-se à Justiça por difamação. Em primeira instância, o deputado Coelho foi absolvido, mas o Garcia Pereira recorreu, e no Tribunal da Relação de Lisboa, o José Manuel Coelho foi condenado a um ano de prisão (por reincidência), pena a cumprir aos fins de semana. Um coelho na gaiola.

É aqui que este caso passa a ter semelhanças com o meu case-study. O José Manuel Coelho tinha direito a recorrer (para o Supremo) do acórdão da Relação, segundo o artigo 32º da Constituição e o artigo 2º do Protocolo nº 7 anexo à CEDH. Porém, a lei 20/2013 só permitia recursos para o Supremo para penas de 5 anos de prisão ou mais, e esse não era o caso do deputado Coelho.

O Supremo rejeitou o requerimento do deputado Coelho para apreciar o recurso, e o deputado madeirense recorreu para o Tribunal Constitucional, que lhe deu razão. Num acórdão redigido pela juiz Fátima Mata Mouros, o Tribunal Constitucional declara inconstitucional a lei 20/2013 e ordena ao Supremo que passe a julgar recursos que envolvam penas de prisão, irrespectivamente do número de anos da pena (cf. aqui).

Foi então, e só então, que o Supremo apreciou o recurso do deputado Coelho, e absolveu-o (cf. aqui). O acórdão do Supremo é uma excelente peça de jurisprudência sobre a prevalência do direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra numa sociedade democrática, na esteira da jurisprudência do TEDH.

Já o acórdão do Tribunal Constitucional é excessivamente longo para se pronunciar sobre uma questão muito simples. Está em jogo o confronto entre uma lei ordinária (a lei 20/2013 que diz que o Supremo só aprecia recursos de sentenças envolvendo penas de 5 ou mais anos de prisão) e a lei constitucional, que lhe é superior, na realidade, é a lei mais elevada do país (que diz no artº 32º que qualquer cidadão tem direito a recurso). Do lado da lei constitucional está ainda a norma correspondente da CEDH, a que me tenho vindo a referir.

Portanto, a decisão só poderia ser uma e dispensava tanta argumentação. Prevalece a lei constitucional sobre a lei ordinária e o José Manuel Coelho tem direito a recurso.

Não apenas o acórdão do Tribunal Constitucional é inutilmente extenso, como é inutilmente restritivo, menos do que a lei 20/2013, é certo,  mas ainda assim inutilmente restritivo, porque só considera recorríveis para o Supremo penas de prisão, e não também outras penas como as de multa, trabalho comunitário, etc.

O artigo 32º da Constituição diz que qualquer cidadão tem direito ao recurso, independemente da natureza da pena. E, na verdade, na sua declaração de voto, o Professor Costa Andrade, presidente do Tribunal Constitucional, defende que o acórdão deveria ser extensivo a outras penas, como a de multa.

Por isso, já se está a ver o seguimento do meu case-study no futuro mais próximo. Como o José Manuel Coelho levou o Tribunal Constitucional a alargar a qualquer pena de prisão as sentenças recorríveis para o Supremo, vou ter de ser eu, com o meu case study, a requerer-lhe que alargue a jurisprudência também às penas de multa. Algo que já poderia ter feito.

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