02 abril 2018

O Papá Encarnação (IV)

(Continuação daqui)

IV. Aos papeis



A terceira sessão do julgamento começou com o Papá Encarnação a interrogar o Dr. João Oliveira, ex-administrador e número dois do HSJ.

Os interrogatórios em que um advogado interroga a sua própria testemunha são geralmente brandos. Mas este, desde o início, que estava a ser brando de mais.

O que é que havia ali?

Em breve notei que as perguntas que o Papá Encarnação colocava ao Dr. João Oliveira, embora por palavras diferentes, eram as mesmas que o magistrado do MP lhe havia colocado na última sessão do julgamento.

E por que é que seria assim - perguntava-me eu, sentado no banco dos réus -, aquelas perguntas tão doces, e as respostas ainda mais angélicas, eles pareciam dois namorados, um a pedir o outro em casamento?

Não demorou muito até que descobrisse que as perguntas eram, de facto, as mesmas. As respostas é que eram diferentes.

O Papá Encarnação estava a refazer o interrogatório que o magistrado do MP fizera ao Dr. João Oliveira na sessão anterior. Ele agora já se lembrava de tudo e de todos, embora nem sempre com precisão. Até eu que, na sessão anterior, era para ele um louco distante a quem ele nunca deu importância, já existia. (É que, entretanto, a advogada de defesa já tinha juntado ao processo o documento transcrito aqui).

O Papá Encarnação estava à defesa, a proteger a sua própria testemunha das declarações que havia prestado ao Ministério Público, incorrendo no risco de ir parar à prisão por mentiras ou falsas declarações em Tribunal.

Mas havia mais a seguir. Tendo falhado a "estratégia do salamaleque", o Papá Encarnação precisava de uma nova estratégia de acusação. E o que é que ele foi buscar?

O seguinte. Que o impasse na assinatura do Protocolo, e que levou ao meu comentário na TV,  se tinha devido ao facto de eu não querer aceitar a Cláusula nº 7.

Esta era fácil de mais. Na realidade, eu sempre aceitei esta Cláusula, que é absolutamente legítima do ponto de vista do HSJ. Aquilo que eu contestei na altura foram os prazos previstos no seu nº 4. Tanto assim que, na versão final do Protocolo que viria a ser assinada, esta Cláusula mantém-se intacta, excepto nos prazos que passam de 90 dias e 6 meses para 9 e 12 meses, respectivamente.

O Papá Encarnação introduziu a nova estratégia com uma pergunta ao Dr. João Oliveira que era ao mesmo tempo uma afirmação (cito de memória):

-O Dr. Pedro Arroja nunca quis que no Protocolo figurasse a Cláusula nº 7,...pois não?...

enquanto a testemunha fazia gestos com a cabeça.

Foi nessa altura que, sentado no banco dos réus, eu pensei:

-O Papá Encarnação está aos papeis...

O "...pois não?..." dizia tudo. Dizia que aquilo estava tudo combinado e que agora era o Papá Encarnação que mentia em Tribunal, substituindo-se à sua testemunha. É que uma testemunha que mente em tribunal pode ir parar à prisão, enquanto um advogado está protegido pelo estatuto de imunidade.

Na sua foto corporativa, o Papá Encarnação tem o ar de um homem autoconfiante, nos seus cinquenta e tal anos de idade, um homem que confia na sua experiência e que já não se dá muito ao trabalho de estudar os processos que lhe vão parar às mãos.

Levou para o julgamento, a menos trabalhosa de todas as estratégias de acusação - a estratégia do salamaleque - e saiu-lhe mal. E, não sabendo nada, nem se tendo preparado sobre a obra do Joãozinho, anda agora aos papeis. Não sabe por onde acusar.

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