03 agosto 2017

A pé

As probabilidades de sobrevivência são medidas aos cinco anos e eram, à partida, bastante curtas - 38% - significando na prática que, em cada três mulheres com aquele diagnóstico, apenas uma está viva passados cinco anos.

Comecei a contar os dias, os meses e os anos.

E o que seria de mim?

Não sabia fazer nada. Não sabia cozinhar. Trabalhos domésticos também não. Das raras vezes na minha vida em que fui chamado a fazer trabalhos domésticos, oferecia-me para limpar a loiça. Fazer a cama era o pior. Puxava o lençol de um lado e faltava-me lençol do outro.

É certo que tinha uma empregada doméstica. Mas isso não resolvia o problema. Quem me iria escolher o fato de manhã, a camisa e a gravata - sobretudo a gravata? Iria ficar ali pasmado, perante  dezenas de gravatas, sem saber o que fazer?

E quanto a comprar sapatos, camisas, fatos, calções de banho ou uma simples t-shirt? Eu não sabia como escolher porque ao longo da minha vida - e salvo raríssimas excepções - eu nunca fiz nada disso. Tinha tido na vida duas fadas que, uma sucedendo à outra, sempre fizeram isso por mim - e a primeira já tinha falecido há algum tempo.

A conclusão foi catastrófica e angustiante. Eu não sabia viver sozinho. Confortou-me pensar que ninguém devia saber viver sozinho, e que eu era apenas um caso extremo.

Não sou médico mas decidi ir estudar a eficácia dos tratamentos, com especialização em quimioterapia. Não sou médico mas sou estaticista e a eficácia dos medicamentos é avaliada com base em testes estatísticos.

À angústia, juntou-se o desalento. Não fiquei nada convencido. Era o melhor que a medicina tinha para oferecer, é certo, mas eu fiquei desapontado.

Ainda assim, uma em cada três mulheres sobreviviam aos cinco anos. Uma em três é um acontecimento razoavelmente raro, que começa a apontar para o acontecimento raríssimo - o milagre.

Ora, milagres tratam-se em Fátima.

Decidi ir a Fátima. A pé.

Sem comentários: