07 julho 2017

Retribui

Eu gostaria de voltar a este artigo do Joaquim onde ele parece ver e lamentar a prevalência crescente, na esfera pública,  de relações de inimizade entre as pessoas  por oposição, talvez, aos seus tempos de juventude onde isso não era de tal modo notório.

Trata-se da ascendência em Portugal da cultura moderna (de origem protestante) por oposição à cultura tradicional (de origem católica), que era prevalecente em Portugal na altura em que o Joaquim nasceu e se formou.

A cultura moderna (protestante) põe o ênfase no mal. O mundo é predominantemente mau e compete à sociedade, politicamente organizada, torná-lo melhor. A marca distintiva do homem moderno é a sua capacidade crítica - a capacidade para dizer mal e apontar o mal - competindo depois ao Estado, que representa a sociedade organizada, mudar as coisas para melhor e trazer o bem.

É diferente o enfoque católico. Deus é o Bem e o mundo é predominantemente bom, embora o mal também exista. Compete a cada homem imitar Deus e promover o bem. Mas não apenas isto. Os bens essenciais à vida de cada homem (como o ar que respira, o sol que o aquece ou os alimentos que come) não foi ele que os fez por si próprio. Foram-lhe dados. Nem sequer a sua própria vida foi ele que a fez. Foi-lhe dada. Ele deve estar grato por tudo aquilo que tem e para o qual escassamente contribuiu.

Por isso, Chesterton podia dizer com razão que a forma mais elevada de pensamento (de racionalidade, diria eu) é a gratidão. Um homem perfeitamente racional é, em primeiro lugar, um homem grato.

E o que faz um homem grato?

Retribui.

Mas retribui a quem e como?

A resposta está dada há milénios: "Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti".

E o que é que eu gostaria que me fizessem a mim?

Bem.

A cultura protestante ou moderna enuncia a regra de ouro sob a forma negativa: "Não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti"

E o que é que eu não gostaria que me fizessem a mim?

Mal.

Mais uma vez a diferença entre a cultura tradicional e verdadeiramente cristã (católica), que põe o ênfase no Bem, e a cultura moderna ou protestante, pondo o ênfase no mal.

Esta cultura, que põe o ênfase no mal, há-de considerar um crime alguém que apareça na esfera pública a querer fazer o bem, porque lhe retira o seu pressuposto de base - o de que o mundo é predominantemente  feito de mal - e toda as consequências que daí derivam, incluindo a de que o bem, se é para ser feito, é para ser feito em nome de todos, isto é, pelo Estado.

1 comentário:

Ricciardi disse...

"A cultura protestante ou moderna enuncia a regra de ouro sob a forma negativa: "Não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti""
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Na verdade não é assim. Protestantes e Católicos usam a mesma frase pela positiva. Pela acção:" faz aos outros...".
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A forma original pela negativa não é cristã. Proveio de Confucio. Cristo inspirou-se no Confucio e disse o mesmo pela positiva. O que sinaliza uma coisa bem distinta daquilo que o PA pensa. Cristo pretendeu apenas dar ênfase à acção dizendo 'faz'.
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De resto a mesma ideia, pela negativa (não faças) é repetida em todos os credos. E é isso que distingue o cristianismo do resto das religiões. O enfoque na acção.
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É claro que a tese do caro pa não passa no crivo da realidade. Por exemplo, no catolissimo Brasil as notícias são basicamente debruçadas sobre o mal.
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A justificação para esta avalanche de notícias sobre o mal, centradas nas coisas más, tem uma explicação que nada tem a ver com cultura católica, protestante ou hindu. Tem a ver com a exploração comercial das notícias. Chamar a atenção do público com monstruosidades parece contribuir para as audiências. Se juntarmos isto à facilidade de comunicaçoes que hoje existe e que ontem não existia, está justificado o motivo.
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Rb