09 julho 2017

na alma

Passou-se num restaurante do Porto no dia do funeral do Dr. Mário Soares. Enquanto as cerimónias fúnebres passavam na televisão, um homem ainda jovem, trinta e tal anos, médico de profissão, aproximou-se de mim e disse-me:

"Só conheço dois homens na vida capazes de dizerem em público aquilo que lhes vai na alma. Um vai hoje a enterrar. Resta o Pedro Arroja".

Mais tarde, meditando sobre o episódio, eu fiquei tão feliz que é difícil descrever. Não porque reconhecesse em mim qualquer mérito. Nunca me propus na vida ser capaz de dizer em público aquilo que me vai na alma, muito menos alguma vez frequentei um curso para isso. O mais provável é que já tenha nascido com uma certa propensão para o efeito. Mas, mais importante ainda, parece-me o facto de ter nascido num país e numa cultura onde ainda é possível a um homem dizer em público aquilo que lhe vai na alma.

Faz amanhã duas semanas que passei a manhã  no banco dos réus de um tribunal. A minha advogada, conhecendo-me,  preveniu-me várias vezes: "Veja lá o que vai dizer ... ". No início da audiência, a juíza avisou-me que o que dissesse iria ser gravado e podia ser utilizado contra mim, e que podia escolher ficar calado.

Falei durante duas horas. Saí de lá feliz e é assim que ainda hoje me sinto cada vez que relembro a experiência.

Porquê?

Porque nunca tinha exprimido num tribunal tudo aquilo que me vai na alma. Em público sim, mas num tribunal nunca.


3 comentários:

lusitânea disse...

Esperemos pela "sentença" recortada e ancora da no CPP que tal como o antigo RDM dava para tudo...
E tope que a malta não gosta de ser considerada "incompetente".Preveja o pior...

Euro2cent disse...

> Falei durante duas horas

Bom, é uma táctica que pode ser que funcione.

O Cardeal Richelieu só precisava de seis linhas para arranjar com que enforcar um homem, mas pode ser que assim fiquem paralisados com o embaraço da escolha ...

Boa sorte, de qualquer modo.

Anónimo disse...

Bem, caro Pedro Arroja, espero que a juíza seja uma pessoa com maturidade e independente. O que neste país, demasiadas vezes, é difícil.