30 novembro 2014

os católicos são mais inteligentes?


Todas (ou quase todas) as religiões oferecem um modelo de gratificação diferida, prometem a vida eterna a quem se portar Bem na Terra (pie in the sky). Sendo possível demonstrar, de forma empírica, que só os mais inteligentes conseguem resistir à tentação da recompensa imediata, é natural que o ensino religioso aproveite mais a quem já tem um QI elevado. E, já agora, meta nos carris os que tendo QI’s mais baixos também possam beneficiar de bons tutores.
O ensino católico tem ainda outra grande vantagem: é congruente com a nossa cultura. Dá uma vantagem natural aos alunos que o frequentam porque aprendem melhor a manejar as ferramentas culturais indígenas.
Não fico nada surpreendido, portanto, por muitas das nossas melhores escolas serem católicas. Como não ficaria nada surpreendido se um dia se demonstrasse que, em Portugal, as pessoas mais inteligentes são católicas. De facto, que raio de esperteza é que levaria um português a tornar-se budista ou mórmon?

Porto

Melhores Escolas de Portugal (Melhores resultados nos Exames - Provas com mais de 50 alunos)

4º Ano:
Externato das Escravas do Sagrado Coração de Jesus, Porto
6º Ano:
Colégio das Terras de Santa Maria, Santa Maria da Feira
9º Ano:
Colégio Nossa Senhora da Paz, Porto
12º Ano:
Colégio Nossa Senhora do Rosário, Porto
(Fonte: Público, Suplemento de 29 de Novembro de 2014)

Três notas. Primeira, a tradição católica do país é mais vincada a norte do que a sul, e  daí as melhores escolas católicas, e de Portugal, estarem a norte. A segunda nota é pessoal: O Colégio das Escravas do Sagrado Coração de Jesus foi o colégio frequentado por todos os meus filhos e ao qual eles devem, em parte, aquilo que são hoje. Terceira: todos os colégios mencionados aludem, no seu nome, a figuras de Mulher, que é o símbolo da Educação.

Deus e autoridade

No ranking das Escolas o facto saliente não é apenas que a primeira escola pública aparece em 34º lugar. É também que as escolas públicas têm vindo a decair no ranking. Habitualmente só colocavam uma nos primeiros dez lugares. No ano passado colocaram uma (19ª) nos primeiros vinte lugares. E este ano só colocam uma nos primeiros 35 lugares.

Há outro facto saliente. É que entre as escolas privadas que dominam o ranking, a esmagadora maioria são escolas católicas.

O que é que uma escola católica dá às crianças e adolescentes, e que uma escola pública não dá?
Muitas coisas, mas há duas fundamentais. Dá-lhes educação religiosa e o conhecimento de Deus, sem o qual não existe racionalidade. E dá-lhes autoridade (do latim auctoritas, fazer crescer), dá-lhes pessoas que as fazem crescer, algo que, hoje em dia, praticamente não existe nas escolas públicas.

é o QI, estúpido


Por que é que o filho de um licenciado tem maior probabilidade de tirar uma licenciatura do que o filho de um analfabeto? E pode, ou deve, o Estado corrigir esta diferença?
A resposta a estas duas questões é tão simples que brada aos céus tentar ocultá-la. De um modo geral, e aceitando o princípio de que não há regra sem exceção, o filho do licenciado tem melhor desempenho escolar do que o do analfabeto porque tem um QI mais elevado.
O QI é uma característica genética, como a cor da pele, a altura ou a aptidão para a música. Podemos aperfeiçoar algumas destas características, através da educação e do treino, mas não podemos transformar um burro num Einstein, como não podemos transformar um duro de ouvido num Mozart.
Agora, a segunda questão. O Estado deve tentar corrigir estas diferenças? Na minha opinião, não. A educação não pertence ao Estado, por muito que os socialistas se esforcem em contrário.
Nem é possível corrigir diferenças de QI, como não é possível fabricar Mozarts. Se a escola for igualitária (tratar todos os alunos de forma idêntica) os alunos com QI mais elevado aproveitam mais. Se a escola concentrar recursos nos alunos com QI mais baixo, os outros piram-se para outras escolas.
Talvez seja isto que está a acontecer em Portugal. Os melhores alunos piraram-se para as escolas privadas e é por isso que estas se destacam no ranking nacional.
O Estado pode tentar corrigir diferenças de aproveitamento escolar, o que não pode é escapar às consequências desastrosas que daí resultam. As escolas públicas cada vez piores e as privadas cada vez melhores.

29 novembro 2014

foi pró "galinheiro"

A juíza que presidiu ao coletivo que julgou Duarte Lima salientou ainda que o tribunal fez questão de "não aplicar uma pena que possa ser considerada laxista pela comunidade" (hoje no Público).

Comentário: Antigamente havia nos teatros uma zona mais barata, para a populaça, chamada "galinheiro". A pena de 10 anos aplicada a Duarte Lima não foi para agradar à elite dos camarotes, sempre em número reduzido. Só pode ter sido para agradar à populaça do tal galinheiro.
Quando li 10 ANOS, cheguei a pensar que o Duarte Lima tinha andado a cortar cabeças no Iraque, só podia...

Escolas

O Estado português a ruir, na Justiça,  nas Finanças, na Educação...
Foi assim que há cerca de 90 anos houve necessidade de um Estado-Novo.

em menos de um fósforo


Uma das piores características da cultura portuguesa é a subserviência aos que ocupam lugares de poder, seguida de desprezo e represálias quando essas pessoas abandonam esses lugares.
Na realidade este processo decorre no íntimo de cada um. A subserviência é acompanhada de sentimentos de humilhação e de inferioridade que alimentam depois a sede de vingança.
É assim que os poderosos passam de bestiais a bestas em menos de um fósforo, podendo acabar linchados na praça pública por nada.
É útil recordar esta perversidade portuguesíssima, no momento actual, para incutir pudor aos que comentam em público a queda de ex-poderosos.

liberal

Ontem, numa entrevista televisiva, o ex-líder do BE manifestou-se contra as detenções de Ricardo Salgado e de José Sócrates e ainda contra a prisão preventiva deste último, assim como de todos os que se encontram em prisão preventiva.
Tiro-lhe o chapéu e fico com vergonha de Francisco Louçã aparecer como mais liberal do que muitos dos que dizendo-se liberais se regozijam com a discricionariedade da justiça.

28 novembro 2014

Estado de Pessoas

Num post anterior, o Joaquim chega à conclusão de que Portugal não é um Estado de Direito. Claro que não é. Já tentou várias vezes desde 1820 - a experiência iniciada em 1974 é apenas a última, mas não a única - e falhou sempre.

E por que é que falhou?

Porque o Estado de Direito não é um Estado da nossa tradição. É da tradição protestante.

O Estado próprio da nossa tradição é o Estado de Pessoas, não o Estado de Direito.

E o que é o Estado de Pessoas?

É o Estado que põe as pessoas acima das leis - ao contrário do Estado de Direito que põe as leis acima das pessoas -, o Estado que  considera muito acertadamente que as pessoas são mais importantes do que as leis, que as leis são feitas para servir as pessoas, e não as pessoas feitas para servir a leis.

O Estado de Pessoas põe no cume da governação, não a Lei - como o Estado de Direito -, mas uma Pessoa, que ela própria está acima da Lei.

E, idealmente, que pessoa é esta?

É a pessoa que melhor interpreta a Tradição das pessoas que constituem o seu povo, a sua comunidade. Onde está a lei positiva, feita por homens juristas, que caracteriza o Estado de Direito, o Estado de Pessoas põe outra "lei" - a tradição.

E qual a diferença entre a lei positiva e a tradição?

A lei positiva é uma lei para o aqui e o agora, normalmente criada para responder a um mal que afecta a sociedade. Pelo contrário, a tradição é uma norma que já vem de trás, que é boa para nós porque foi boa para todos aqueles que nos antecederam. Uma é baseada em pura construção intelectual, a outra é consagrada pela experiência, às vezes de muitos séculos. Uma procura resolver um mal, a outra procura perpetuar um bem.

O Homem que preside a um Estado de Pessoas tem então por tarefa principal interpretar a Tradição da comunidade e ajustá-la ao tempo presente. É uma tarefa extraordinariamente difícil exigindo um Homem de qualidade superior. Pelo contrário, o homem que preside a um Estado de Direito tem apenas de fazer cumprir a Lei, uma tarefa comparativamente muito mais fácil, e que qualquer homem vulgar pode desempenhar.

A ideia de que um Homem que preside a um Estado de Pessoas possui um poder arbitrário é a mais errada de todas as ideias. Ele está vinculado à Tradição, e não pode sair dela. Não há nenhum Homem na comunidade tão pouco livre como ele. É como se estivesse encarcerado numa prisão com barras de ferro. Mas ele faz isto e aceita este sacrifício para que todos os outros na comunidade sejam livres.  Ele é o guardador da liberdade que é uma tradição da comunidade e não pode nunca afastar-se do seu posto e descuidar a sua vigia.

Pelo contrário, um homem que preside a um Estado de Direito tem tanta liberdade como os outros. Mas precisamente porque tem tanta liberdade como os outros, é que os outros não podem ser livres. A liberdade dos outros é igual e está limitada pela liberdade que é reconhecida a esse homem, que representa todas as leis - às vezes até se lhe chama o Supremo Magistrado da Nação. Ora, não se dá a mesma liberdade a um rapaz de 18 anos e ao seu pai de 50.

No Estado de Pessoas, o governante supremo representa Pessoas, não Leis, como no Estado de Direito. Aquilo que ele nunca poderá desrespeitar são as Pessoas da sua comunidade, o seu povo.Pelo contrário, no Estado de Direito o governante supremo pode perfeitamente desrespeitar as Pessoas, o povo - aquilo que ele não pode é desrespeitar as Leis.

O governante supremo de um Estado de Pessoas é a voz do seu povo e este é verdadeiramente o Estado democrático. Pelo contrário, o governante supremo do Estado de Direito é a voz daqueles que fazem as leis, e esses são normalmente uma casta que não representa o povo.

Portanto, não existe mal nenhum que Portugal não seja um Estado de Direito. Desde que volte rapidamente a ser um Estado de Pessoas.

Uma última observação, antecipando a questão: Como é que se tira da governação o governante supremo dum Estado de Pessoas que não cumpra as suas obrigações, nomeadamente que, por qualquer razão, deixe de ser o intérprete, o porta-voz e o representante fiel da sua comunidade ou povo.

Fala-se com ele para o chamar à razão. Se ele não se corrigir, o povo tira-o do lugar que ele ocupa. Se não for a bem, vai a mal. É assim também com o governante supremo do Estado de Direito. Se perder as eleições, tem de sair. Se não sai a bem, sai a mal.

não fosse a graça de Deus

Como também gostaria que os que jubilam com o infortúnio dum e doutro, porque infortúnio é, e a ninguém se deseja semelhante opróbio nem queda de tão alto, conhecessem e pensassem no que John Bradford (1510-1555) disse, ao ver passar um grupo de presos a caminho da forca: "There, but for the grace o God, go I" (Não fosse a graça de Deus, ia eu ali). 

Rentes de Carvalho

a prisão preventiva não é aceitável num Estado de Direito


O que é o chamado Estado de Direito?
Por definição é um Estado em que o poder político está constitucionalmente limitado e não pode ser exercido de forma arbitrária. Mas não só, é também, e necessariamente, um Estado que respeita os direitos fundamentais dos cidadãos. O direito à vida e todos os outros direitos que deste derivam: o direito à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade.
Nesta perspetiva, Portugal é um Estado de Direito?
Lamentavelmente, NÃO!
Haveria muitos argumentos para suportar esta afirmação, mas neste post vou apenas referir-me ao direito à liberdade. É um direito tão importante e tão querido que num Estado de Direito está protegido por disposições constitucionais particulares que garantem que ninguém é preso arbitrariamente, nem permanece preso, sem acusação, para além do estritamente necessário.
Nos EUA este período é de 48 horas. Agora, eu pergunto: será aceitável, num Estado de Direito, manter um cidadão na prisão até dois anos, sem acusação? Vamos ser muito claros, essa situação não cabe num Estado de Direito, pelo menos no entendimento que um liberal deve ter sobre o que é um Estado de Direito.
A prisão preventiva é uma ofensa à dignidade humana e uma paródia do direito.
Justificar a existência de 2500 pessoas em prisão preventiva com o “regular funcionamento das instituições de um Estado de Direito” é de uma ignorância ofensiva e atrevida.
O facto da prisão preventiva até dois anos, sem acusação, ser legal, não a torna moral, nem justa. As maiores atrocidades e abusos do Estado têm quase sempre enquadramento legal.
Na blogosfera, alguns liberais têm vindo a justificar o injustificável, manifestando compreensão para com a “prisão preventiva”. É um erro monumental que revela falta de caridade e de nobreza de espírito, aliadas a um desconhecimento profundo do que é o liberalismo.

+ livres

Marquês

Eu antecipo um futuro nada risonho para este juiz Carlos Alexandre (e para o seu compagnon de route, o procurador Rosário Teixeira).

A cultura portuguesa - os portugueses - não aprecia nada este tipo de "heróis", apesar da publicidade que temporariamente lhes concede, o  herói que só é valente e bravo quando tem o poder pelas costas.

Este homem não tem julgamento. Um homem de julgamento não aceitaria mais do que um dos processos com a dimensão e a complexidade dos vários que ele tem em mãos e sentir-se-ia pequeno para o julgar.

Mas este pseudo-juiz sente-se capaz de tudo. Não tem tempo sequer para folhear os processos, mas distribui penas de prisão a torto e a direito sem culpa formada (a culpa só está formada no final da fase de instrucção, altura em que o processo passa para o tribunal e para julgamento).

Em certo sentido, vai ter a mesma sorte do juiz Baltazar Garzón, aqui ao lado. Acabará a ser julgado, embora nessa altura os portugueses lhe reconheçam o direito que ele não reconhece aos outros - o direito a um processo justo (due process). E, quase de certeza,  passará uns tempos na prisão, fazendo valer a regra de ouro que, na cultura protestante, se exprime assim: "Não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti" (Na cultura católica, exprime-se de forma positiva: "Faz aos outros aquilo que gostas que te façam a ti")

É irónico, mas é talvez um sinal de Deus, que o processo mais mediático de todos - o de José Sócrates - tenha o nome de Marquês. Isto é justiça à Marquês (de Pombal).

Este patife, que atropelava todas as regras de justiça para perseguir os seus adversários reais e imaginários, quando perdeu o poder e foi julgado queixava-se, coitado, da duração dos interrogatórios, e que nenhum dos crimes que cometeu foi cometido por ele - ele estava simplesmente a executar ordens do Rei como se o Rei, com a vida que levava, alguma vez lhe desse ordens.

Na hora da Verdade, este mauzão tornou-se um cordeirinho e provou ser aquilo que são todos os mauzões quando o poder se lhes acaba  - um cobarde.

Discrição


Discrição
Por: Pedro Arroja

 Quando, na semana passada, e perante o estado em que se encontra a Justiça em Portugal, me propus enunciar os pilares em que assenta um verdadeiro sistema de Justiça – começando pela Verdade -, eu estava longe de imaginar que iria hoje prosseguir o argumento já com um ex-primeiro-ministro na cadeia.

A Justiça é tradicionalmente representada por uma figura de mulher - a escultura que encontramos geralmente à porta dos tribunais  representa uma mulher de olhos vendados e segurando uma balança nas mãos. É a Deusa Iustitia dos romanos, herdeira da Deusa Diké dos gregos. E a razão é que os atributos principais da Justiça, sendo atributos humanos que se encontram quer nos homens quer nas mulheres, são mais intensos ou predominantes nas mulheres do que nos homens.

A Verdade é um deles. Quem queira saber a Verdade acerca de certas questões essenciais da sua existência, o melhor que tem a fazer é perguntar a uma mulher. Assim, por exemplo, a questão: “Quem é o meu pai?”. Existe apenas uma pessoa no mundo que me pode responder a esta questão com verdade absoluta – e essa pessoa é uma mulher. Visto de outro ângulo, os grandes mentirosos, trapaceiros, vigaristas, aldrabões são normalmente homens, não mulheres.

O segundo pilar da Justiça que hoje pretendo tratar é o da Discrição. A verdadeira Justiça é discreta, desenrola-se e processa-se longe dos olhos do público, e só na fase final se torna pública.

A Discrição é outro valor predominantemente feminino. São os homens que são mais propensos a exprimirem-se de forma pública – na realidade, a esmagadora maioria das figuras públicas são homens. Pelo contrário, as mulheres  tendem a exprimir-se predominantemente de forma privada ou discreta, através de conversas e gestos privados, e não de discursos e manifestações públicas.

O oposto da Discrição, na realidade o extremo oposto, é o escândalo, precisamente aquilo que o nosso sistema de Justiça vem produzindo agora à taxa de um por semana – a semana passada com o caso dos vistos Gold, agora com o caso José Sócrates.

São várias as razões que convergem para tornar a discrição um pilar essencial da Justiça. A primeira é evitar o julgamento popular. O povo não é bom a julgar, e existem vários julgamentos populares (ou democráticos) famosos com resultados catastróficos. Um deles é o julgamento de Sócrates – não o português, mas o grego. O outro é o da condenação de Cristo.

Num sistema de Justiça verdadeiro, o caso só se torna público na fase final do julgamento, nunca nas fases de instrução e menos ainda de investigação. Num tal sistema de Justiça, o réu que vai a tribunal pode ter a certeza que vai ser condenado, porque as provas acumuladas contra ele são irrefutáveis. A única incerteza consiste em saber se a pena é mais ou menos pesada, consoante existam circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Antes disso, não há provas. Existem indícios e  os indícios podem ser indicadores da verdade  ou não. Trazer a público um caso judicial baseado em indícios, é lançar o opróbrio sobre a pessoa visada do qual ela nunca mais recuperará, mesmo quando mais tarde ela venha a ser considerada inocente.

Acresce que a publicidade do caso vem normalmente só de um lado – o da acusação – sem que o arguido se possa defender porque entretanto foi sujeito a medidas de coacção, como a prisão preventiva. Se o julgamento público, só por si, já seria mau, o julgamento público em que o público só ouve de um lado, mas não do outro, é horrível e uma verdadeiro crime.

Daí a instituição do segredo de justiça – uma instituição que visa proteger o valor da Discrição que é inerente à verdadeira Justiça. Daí também que a violação do segredo de justiça seja um crime grave, dando lugar a prisão.

Ora, o único crime provado no caso dos vistos Gold e, mais ainda, no caso José Sócrates, é o crime de violação do segredo de Justiça, cometido muito provavelmente pelos magistrados do Ministério Público. Este crime, obviamente, nunca será julgado, porque os magistrados do Ministério Público vivem acima da lei.

Quanto ao resto não existe para já Justiça. Existe o oposto da Justiça. Existe escândalo e existe perseguição pessoal e política.

(in Vida Económica, Sexta-feira, 28 de Novembro de 2014)

excepto para mim

Como passei muitos anos no estrangeiro, reconheço com facilidade os xenoenxertos culturais e a descaracterização a que foram sujeitos. É como se o Portugal moderno fosse uma espécie de “maison” de emigrantes

Esta frase do Joaquim escrita num post em baixo é muito significativa porque põe em evidência a diferença entre aquilo que nós gostaríamos de ser e aquilo que nós, na realidade, somos - a nossa cultura.

Como povo católico, nós gostaríamos de ser tudo, democratas e adeptos do Estado Direito, igualdade para todos e o respeito absoluto pela lei. Depois, ainda como povo católico, na realidade queremos é diferença e desprezamos a lei quando está em causa uma pessoa.

Claro que somos todos iguais perante a lei. Assim, por exemplo, um profissional que faça mal o seu trabalho com danos para terceiros, deve ser penalizado. É igual para todos. Um médico que faz mal uma operação vai preso, um motorista de autocarro que cause um acidente e provoque ferimentos ou a morte dos passageiros vai preso, um contabilista que vicie a contabilidade da sua empresa vai preso. Mas eu, como magistrado do Ministério Público ou Juiz, se acusar ou condenar indevidamente alguém, não me acontece nada. A lei é igual para todos - excepto para mim.

É assim a democracia e o Estado de Direito quando importados pelos portugueses - igual para todos excepto para mim. É a  cultura católica subjacente a estragar os desejos, uma cultura que preza a pessoa e a diferença, que não a lei e a igualdade.

Nós não somos sobretudo aquilo que gostaríamos de ser. Nós somos sobretudo aquilo que Deus, exprimindo-se através da comunidade e da tradição, quis que nós fossemos.

sem saberem porquê

O Joaquim tem vindo a  comparar o regime político-partidário actual com o Estado Novo do ponto de vista do número de presos sem culpa formada, e o Estado-Novo sai muito airosamente da comparação.

Na realidade, existe um texto de Salazar (mas que, neste momento, não consigo localizar) em que ele, referindo-se à situação pré-28 de Maio, dizia que um dos aspectos que a caracterizava era a existência (cito de cor) "de milhares de portugueses presos sem saberem porquê".

A situação actual não é, portanto, nova, e, tal, como então, antecede muito seguramente a emergência de um regime político mais autoritário.

É o colapso do Estado de Direito, uma instituição protestante com a qual os portugueses nunca conseguiram viver, uma instituição que põe a lei acima do homem quando a cultura católica põe o homem acima da lei (na figura paradigmática do Papa). A pessoa humana não se fez, como pretende a ideia do Estado de Direito, para servir a lei. É ao contrário, como diz o catolicismo - a lei é que se fez para servir a pessoa humana.

A ideia do Estado de Direito tem a sua origem mais remota em Kant, que afirmava que o homem nunca pode chegar à verdade (na realidade pode, pelo menos a esta - a de que não se pode chegar à verdade), e que da verdade não conhecemos senão manifestações ou indícios. Hans Kelsen, um dos expoentes do moderno positivismo jurídico foi mesmo mais longe dizendo que Cristo não veio ao mundo para dizer a Verdade, mas para fazer Justiça. (A realidade é que Cristo disse "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" e não "Eu sou o caminho, a justiça e a vida").

Daqui resulta que, nesta cultura por nós importada após o 25 ed Abril e mais acentuadamente após a nossa adesão à UE,, a Verdade não interessa para nada. A Justiça faz-se independentemente da Verdade, e com base apenas naquilo que parecem ser manifestações da Verdade - os indícios.

Nos anos 20 em Portugal a democracia partidária caiu pelo colapso da Justiça, embora a situação económica e financeira do país também tivesse contribuído.

Está a acontecer outra vez. A cultura católica dos portugueses continua a não conseguir viver com as instituições da cultura protestante.

presos políticos II

Quem se sentir contente com a prisão preventiva do José Sócrates, não é um liberal nem sequer um cristão, é um canalha e um estupor.

presos políticos

Todos os indivíduos que se encontram em prisão preventiva, sem acusação, e que não cometeram crimes violentos, são presos políticos. Porque não estariam detidos num Estado de direito.

PS: No dia 25 de Abril de 1974 havia cerca de 100 presos políticos, hoje há mais de 2000.

salazarismo sem Salazar


Os portugueses acolhem com facilidade e até entusiasmo todos os estrangeirismos possíveis, mas nunca resistem a adaptá-los à nossa cultura. Normalmente com resultados estapafúrdios porque descaracterizam a ideia original.
Vemos isto na literatura, no cinema, na arquitetura, na gastronomia e, mais recentemente, até na política.
Depois do 25 de Abril, quase todas as correntes ideológicas apareceram, cresceram e floriram, aqui no jardim, mas nenhuma conseguiu emancipar-se da herança salazarista de autoritarismo, centralismo e colectivismo (Hofstede). Tradição esta que, convenhamos, já vinha da monarquia.
Ora o salazarismo sem Salazar é um anacronismo hediondo. Porque é um sistema que depende de um líder iluminado, nas mãos da turba ignóbil. É assim, por exemplo, que passamos de um período máximo de prisão preventiva de quatro meses, no Estado Novo, para cerca de dois anos no Novo Estado pós-25.
Chegamos assim a um ponto em que quase parece que temos menos liberdade neste início do século XXI do que tínhamos nos meados do século XX, com Salazar no poder.
Em particular, os partidos do centrão, PS e PSD/CDS, não se revelaram amantes da liberdade nem respeitadores dos direitos cívicos.
Como passei muitos anos no estrangeiro, reconheço com facilidade os xenoenxertos culturais e a descaracterização a que foram sujeitos. É como se o Portugal moderno fosse uma espécie de “maison” de emigrantes.
Curiosamente, e para minha grande tristeza, nem o liberalismo escapou a esta tendência. Os nossos liberais de pacotilha não acreditam nas potencialidades do indivíduo, na livre iniciativa e nos mercados, ou acreditam menos do que o próprio Salazar.
Basta passar os olhos pelos blogues liberais para perceber que defendem o SNS, porque coitados dos pobrezinhos, defendem o ensino público, porque coitados dos pobrezinhos, e até a segurança social, porque... coitados dos pobrezinhos.
A maior pecha destes liberais desnaturados, quanto a mim, é o tribalismo ou sectarismo – conceito absolutamente nos antípodas do liberalismo. Consideram-se uma seita, em luta com as outras seitas políticas.
O caso José Sócrates, por exemplo, trouxe ao de cima o pior deste tribalismo. Vê-se contentamento e ódio a par de tentativas patéticas de justificar a “prisão preventiva” de alguém que tem todo o direito a ser considerado inocente até condenado em julgamento.
Como se costuma dizer: ‹‹Podemos tirar a rapariga da aldeia, mas não podemos tirar a aldeia da rapariga››.

27 novembro 2014

super-juiz

Ainda a semana passada estava eu concentrado no processo dos vistos Gold - aquilo são milhares e milhares de páginas com transcrições de escutas telefónicas, transcrições de e-mails e coisas do género -, mandei-os prender a todos para prestarem declarações. Interroguei-os durante horas, enquanto me concentrava na página 676 do processo e, depois, ao acaso, na 1154. Dei preventiva a um, mandei outro para casa com pulseira electrónica, apliquei uma caução de 250 mil  euros a um terceiro por ser chinês e proibi ainda um quarto de se ausentar do país porque também era chinês. Isto para eles não cometerem mais crimes até eu ter tempo de estudar o processo. Aquilo vai demorar meses a ler, mais meses a meditar, e outros tantos a instruir. Ainda por cima algumas das escutas são em chinês.

Eis senão quando me metem na mão o processo Sócrates. Maior que o anterior, e de mais responsabilidade, ainda mais milhares de páginas para ler e reflectir. Molhei o dedo na língua, folheei o processo ao acaso, lembro-me perfeitamente de ter passado pela página 948 e li, porque me chamou a atenção, o segundo  parágrafo da página 1845,  e mandei-os prender a todos para prestarem declarações - um deles foi preso Sexta-feira à noite para estar cá fresquinho Sábado de manhã, que eu não dou folgas a ninguém . Ao fim de muitas horas de interrogatório, decidi "Vai tudo de choça", até que eu tenha tempo para  estudar o processo.

E hoje cá estou a comandar as buscas ao caso BES - já fiz um dos arguidos inchar com três milhões de caução enquanto ando à procura das provas -, envolvendo duzentos agentes da Justiça, uns da Judiciária, outros da Autoridade Tributária, mais outros da PSP, 14 magistrados do Ministério Público (catorze) e ainda pessoal da CMVM e do Banco de Portugal - o maior de todos os processos que tenho em mãos. Só não envolvi o SEF porque pus o director de cana a semana passada e não quero conversas com essa malta até eu ter tempo de estudar o processo.

Agora digam lá que eu não sou um super-juiz.

(Saiu-me a licença na Farinha Amparo).

Verdade


A verdade
Por: Pedro Arroja

Os economistas afirmam frequentemente que o sistema de justiça em Portugal é um impedimento maior ao desenvolvimento e ao crescimento económico. Mas, tendo dito isto, retiram-se, como que tendo cumprido a sua função e alijado as suas responsabilidades,  deixando o sistema de justiça entregue aos mesmos.

Nos inquéritos de opinião aos portugueses, a justiça aparece consistentemente como a pior das instituições do país. Este veredicto do povo português é tanto mais irónico quanto é certo que o sistema de justiça saído da revolução de 1974 se pretendeu construir como democrático.

Mas democrático é que ele não é. É o único sector de actividade no país donde o povo português está completamente excluído, excepto uma classe - a dos juristas - da qual emerge uma verdadeira casta que controla o sistema de justiça.

Na economia do país existem economistas, gestores, engenheiros, trolhas, médicos, até juristas. Na saúde, existem médicos, enfermeiros, administradores hospitalares, técnicos de radiologia e também juristas. Mas no sistema de justiça só existem juristas. Os juízes são juristas, os magistrados do Ministério Público são juristas, os advogados são juristas. Para entrar na Assembleia da República não se exige o cartão de jurista, mas os juristas são a maioria.

Em vista da avaliação que os portugueses fazem do sistema de justiça, e na qual eu me incluo, é preciso dizer então a todos os juristas que ao longo das últimas décadas participaram na feitura deste sistema de justiça, e que diariamente a praticam, uma verdade evidente – a de que  não sabem fazer justiça.

A Operação Labirinto que o Ministério Público mandou para os jornais (cometendo o crime de violação do segredo de justiça e pelo qual nunca nenhum dos seus magistrados ou colaboradores responderá), e que agora ecoa na imprensa, é o exemplo acabado de como não se faz justiça.

Mas mais do que elaborar sobre este caso, semelhante a tantos outros, em que o sistema de justiça - e o Ministério Público em particular, esse diabo à solta no sistema de justiça – lança o opróbrio e arruína a vida de pessoas que, mais tarde, em tribunal, se vem a provar serem inocentes,  eu gostaria de dizer como se faz justiça, já que os juristas manifestamente não a sabem fazer.

Um sistema verdadeiro de justiça assenta em alguns pilares essenciais, de que tratarei hoje aqui o primeiro (deixando os outros para ocasião posterior). E o primeiro e mais importante de todos os pilares da justiça é a Verdade. Não existe justiça sem verdade. Quando o filho mais novo se queixa ao pai de que o irmão mais velho lhe bateu, e o pai se prepara para fazer justiça, aquilo que primeiro procura apurar é a verdade – bateu ou não bateu? -, sem a qual corre o risco de cometer uma grave injustiça sobre o mais velho.

Ora, no nosso sistema de justiça campeia a mentira. (Refiro-me doravante à justiça criminal que é a mais importante de todas). É reconhecida ao arguido do processo criminal a prerrogativa de mentir em sua defesa. Consequentemente, o advogado que o representa no processo também pode mentir. Do lado da acusação, não é o ofendido que a faz mas, nos termos da lei, um procurador do Ministério Público que, estando protegido por imunidade judicial, também pode mentir à vontade.

O cenário está montado para aquilo que é um julgamento em tribunal – é mentira contra mentira, uma construção fantasiosa da realidade, um teatro de mentiras onde a acusação, para ripostar a uma mentira da defesa, arranja uma mentira ainda maior, e a defesa, para se esquivar a esta, fabrica uma nova mentira. No meio deste mar de mentiras está o juiz a procurar discernir a verdade, sem a qual não pode fazer justiça.

Se você for juiz, acha que consegue?

(in Vida Económica, Sexta-feira, 21 de Novembro de 2014)  

dono disto tudo

O novo DDT

Ashamed

Where is PA?

When social turbulence demands his guidance:

O PA tem toda a razão nesta matéria
Rb

O PA é que tem razão quanto a isto...
Pedro Sá

infâmia e bandalheira

A prisão preventiva (sem acusação) é uma forma de tortura, se considerarmos que a tortura engloba o grande sofrimento psicológico, o suplício e a angústia. É uma forma de tortura aplicada a alguém que se presume inocente e sobre quem não pende qualquer acusação.

A esquerda, nos EUA, sempre se manifestou contra a prisão preventiva. Obama, por exemplo, prometeu encerrar a prisão de Guantánamo pela falta de garantias dos detidos. A situação não é comparável à dos presos preventivos em Portugal porque em Guantánamo só estão combatentes inimigos e a guerra abre excepções.

A situação dos presos preventivos, em Portugal, é pior do que a dos presos de Guantánamo. Numa democracia e em paz, centenas de pessoas estão detidas, naturalmente em grande sofrimento, sem estarem acusadas de nada.

Como libertário, esta situação repugna-me. Claro que é uma infâmia, como acusa o preso preventivo Sócrates. E claro que é uma bandalheira, como acusa o ex-presidente Mário Soares. Só é lamentável que tão ilustres figuras só agora tenham descoberto que esta infâmia é a Lei em Portugal. Pimenta no rabo dos outros é refresco, apetece dizer a estes senhores.

Que José Sócrates tenha escrito um livro sobre a tortura em democracia é da mais fina ironia. Que tenha sido um governo socialista presidido por José Sócrates que tenha aprovado, em 2010, o atual Código do Processo Penal, idem.

O ideal de justiça a que se refere o João Miranda, neste post, realiza-se plenamente neste caso. Para um liberal, contudo, o direito à liberdade - ostensivamente violado com a prisão preventiva - é inalienável. Mesmo para os que, como o ex-primeiro-ministro, não o reconhecem para os outros.

É isto que distingue os liberais dos socialistas. Nós acreditamos que todos fomos criados iguais, eles acreditam que uns são mais iguais do que outros: prisão preventiva para a "racaille"; punhos de renda, mordomias e subvenções vitalícias, para os "apparatchiks".

espírito liberal II

76% quer limitar a detenção sem acusação a 48 horas

26% concorda com a prisão preventiva sem acusação até 1 ano

O ideal da liberdade tem muita força :-)

26 novembro 2014

o espírito liberal

uma oportunidade de ouro para os liberais


A prisão preventiva de José Sócrates é uma oportunidade de ouro para os liberais se pronunciarem contra a prisão preventiva, nos moldes em que esta existe em Portugal.
É normal que o Estado detenha cidadãos que são suspeitos de atividades criminosas, mas o direito à liberdade e a um julgamento justo e rápido obriga a que a lei imponha um prazo máximo de detenção que nunca deve ultrapassar as 48 horas.
Se após esse período não for deduzida acusação, o detido deve sair em liberdade. Apenas em casos de violência é que, depois de deduzida a acusação, um juiz deve poder determinar a prisão preventiva, até ao respetivo julgamento.
Em nenhum caso, na minha opinião, deve ter lugar a prisão preventiva para investigação, sem acusação formulada. Ora é nesta situação que se encontra José Sócrates. Sócrates e mais umas centenas de pessoas.
É uma ótima altura, portanto, para os amantes da liberdade expressarem as suas opiniões sobre este assunto e persuadirem os socialistas do PS de que se deve pôr fim à “prisão preventiva”.
Claro que Sócrates está preso injustamente e nenhum liberal pode defender a sua situação.
Tenhamos a nobreza de espírito necessária para defender os nossos ideais, mesmo quando a vítima não nos merece nenhum respeito. Uma petição para acabar com a prisão preventiva, neste momento, pode recolher apoios que de outro modo nunca conseguiria.

25 novembro 2014

oximoro

Prisão preventiva - um oximoro. A prisão preventiva é prisão que é imposta sem propósito punitivo. Mas se aceitarmos o princípio de que qualquer restrição da liberdade é uma punição, a prisão preventiva é o que não pretende ser.

No meu entender, a prisão preventiva, numa república democrática, deve estar reservada para indivíduos violentos que constituam uma ameaça para a sociedade. E a detenção sem acusação não deve ultrapassar 48 horas.

Manter em prisão preventiva um cidadão que está a ser investigado há meses, sem acusação, é uma violação grosseira do direito individual à liberdade. Violação que em Portugal é perfeitamente legal.


Cavaco Silva


irrelevância

Um dia, numa hecatombe anunciada, cai o grupo financeiro mais estruturante do sistema, num novelo de fraudes. De seguida, a gloriosa empresa nacional de telecomunicações, metida em cavalarias baixas com emergentes em crise, cai em maus lençóis. Surge uma rede criminosa de corrupção, em que parece estarem envolvidas altas figuras da administração. Na sequência, um ministro cai. Nem uma semana era passada e é detido um antigo primeiro-ministro, acusado de várias malfeitorias.

Se, apesar do efeito reputacional destes eventos, o país não se afundar perante o mundo, só uma conclusão é legítimo tirar: já não somos nós que nos sustentamos perante o mundo, é apenas a nossa irrelevância no jogo global que nem sequer nos permite sermos sujeitos da nossa própria crise. Porventura, é melhor assim.

Seixas da Costa, no DE

Sócrates conjuga a imprevisibilidade com o mal

Em Março de 2011, deixei aqui um post apelidando o então primeiro-ministro de Cisne Negro (título do livro de Nassim Taleb) pela sua imprevisibilidade. Destaquei ainda o carácter corrosivo desta imprevisibilidade por estar conjugada com o Mal.

O Cisne Negro - 2011

O Cisne Negro parece-me a alcunha ideal para José Sócrates. O Mentiroso desprestigia-nos a todos, como se nos tivéssemos deixado ludibriar por um trapaceiro.
Os Cisnes Negros popularizaram-se com o livro do Nassim Taleb e, mais recentemente, com um filme que ainda deve estar em exibição. No livro, o cisne negro é invocado como símbolo do imprevisível. No filme, o cisne negro é uma encarnação do mal e da destruição. Para nossa grande infelicidade, José Sócrates conjuga a imprevisibilidade com o mal. A simples perda da independência financeira e económica do País, só para dar um exemplo, representa um mal terrível para todos os portugueses. A destruição do Estado (e da democracia?), outro.
Por estas razões, quando me surge a imagem do primeiro-ministro penso logo no Cisne Negro. Quem podia adivinhar que o PS indigitava uma pessoa com as características de José Sócrates para primeiro-ministro?

Recordo ainda dois outros posts sobre José Sócrates:

Não é um gentleman - 2009

Sócrates não é um gentleman, pelo menos no sentido que Burke e Popper lhe atribuíam. Leva-se demasiado a sério e não tem qualquer sentido do dever. O primeiro-ministro José Sócrates é um representante da populaça que chegou ao poder e que se comporta com todos os defeitos e vícios desta classe.
Penso que Maria Filomena Mónica afirmou isto mesmo, quando lhe chamou: “Um rapaz da província”. A populaça é inimiga da liberdade e da chamada “sociedade aberta”. A populaça tem demasiada fé no historicismo e no racionalismo para compreender que não é possível “construir o futuro”. O futuro é o resultado da livre interacção de todos.
Esta fé, que Sócrates partilha, faz com que Portugal se esteja a tornar numa sociedade menos aberta. Por fim, Sócrates acredita no positivismo ético que conduz “à desmoralização da sociedade e, por essa via, à abolição do conceito de liberdade e de responsabilidade moral do indivíduo” (1). Para Sócrates, na República a ética é a Lei (como também afirmou Guterres). Por isso Sócrates passa o tempo a afirmar que não cometeu quaisquer ilegalidades, quando o que interessa é se cometeu imoralidades.

(1) Este post foi inspirado pela leitura do livro – A Tradição Anglo-Americana de Liberdade, de João Carlos Espada, 2008.

Dar uma de Sócrates - 2011

Estou convencido que "dar uma de Sócrates" vai entrar rapidamente para o léxico português. Quando alguém ignorar completamente a realidade e se obstinar numa narrativa construida para se desculpar e responsabilizar terceiros pelos seus actos, estará a "dar uma de Sócrates".

24 novembro 2014

Rui Tavares tem razão

Há uma carga injusta de humilhação e vergonha que só será ultrapassada se o país, as suas instituições, os seus magistrados, os seus políticos, os seus jornalistas e os seus cidadãos souberem ser exemplares.

Comentário: É raro mas acontece, concordo em absoluto com o Rui Tavares. O caso Sócrates humilha-nos e envergonha-nos, não há volta a dar. Nem interessa se esse estigma é injusto, apenas que está lá.

O socialismo nos nossos genes

How Farming Almost Destroyed Ancient Human Civilization

Roughly 9,000 years ago, humans had mastered farming to the point where food was plentiful. Populations boomed, and people began moving into large settlements full of thousands of people. And then, abruptly, these proto-cities were abandoned for millennia. It's one of the greatest mysteries of early human civilization(...)
Here's where things get weird. In the mid-5000s BCE, Çatalhöyük was suddenly abandoned. The same thing happened to several other outsized village-cities in the Levant. Their populations drained away, and people returned to small village life for thousands of years.(...)
The problem is that people in Neolithic mega-villages had inherited a system of social organization and spirituality from their nomadic forebears. Because nomadic life requires everyone in the group to share resources to survive, these groups would develop rituals and customs that reinforced a very flat social structure. Certainly there would be families that had more prominent positions in a hunter-gatherer group or small village, but if they ever started hoarding resources too much that would be bad for the entire group. So people would strongly discourage each other from ostentatious displays of social differences.   

Vale a pena ler o resto aqui (por indicação do Filipe Faria). 

estados de alma


Os estados de alma são o que nos ajuda a tomar as decisões certas. Quem tiver dúvidas que leia “O Erro de Descartes”, do Damásio.
Seja na gestão, seja na política, os estados de alma são fundamentais. Iluminam o caminho e ajudam-nos a intuir as consequências dos nossos actos.
Quando ouvi, há uns meses, o ex-presidente da PT afirmar que não tinha estados de alma (relativamente ao cambalacho com o BES) pensei: que palhaço. Como é que esta gente chegou onde chegou, custa a crer.
Relativamente ao caso Sócrates, todos devemos ter estados de alma. Zangados, claro. Fulos, com certeza. O meu estado de alma relativamente a este assunto, contudo, é apenas de tristeza.
Fico triste com o que se está a passar porque nos prejudica a todos, prejudica a imagem de Portugal. E este estado de alma ajuda-me a perspetivar a melhor "receita".
Neste caso, o melhor teria sido isolar a socrática figura de qualquer influência política e varrer o assunto para debaixo do tapete. Poderia não ser a solução mais justa, mas seria certamente a que nos prejudica menos a todos.

de bestial a besta

Na página 4 do Público de hoje, na secção Destaque, o nome de Sócrates aparece ao lado do de Al Capone.
Um péssimo servicinho deste diário.

23 novembro 2014

a culpa não é nossa

Os portugueses nunca elegeram José Sócrates para primeiro-ministro porque as eleições em Portugal não são nominais. Os portugueses, em 2005, deram a maioria ao PS liderado por José Sócrates contra o PSD, liderado por Santana Lopes. E em 2009 o PS repetiu a vitória, desta vez contra o PSD, liderado por MFL.
O que podemos afirmar é que os portugueses escolheram, quer em 2005 quer em 2009, "do mal o menos". Não devemos esquecer que Santana Lopes tinha acabado de ser "demitido" por alegada incompetência e que em 2009 José Sócrates era o "incumbent" (o primeiro-ministro em exercício).
A culpa portanto não é nossa, ao contrário do que afirma a Helena Matos.
Os culpados, se é que os há, estarão certamente entre as altas patentes do PS que permitiram e até facilitaram a ascensão de tão sinistra figura, como Sócrates, à liderança do partido. Recomendando-o aos portugueses para primeiro-ministro.
A culpa não é nossa, repito, porque nunca tivemos uma verdadeira escolha.

PS: Mas há culpados, Jorge Sampaio e António Guterres, por exemplo, são nomes que me ocorrem imediatamente.

22 novembro 2014

não tem condições

Um ex-colaborador íntimo e ex-braço direito de um ex-primeiro-ministro detido por fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, não tem condições para vir ele próprio a ser primeiro-ministro.
António Costa é a primeira baixa do caso Sócrates. Se o próprio não entender isto estará a pretender colocar-se acima do País. O PS necessita com urgência de sangue novo.

fracasso II

O regime político nacional está em colapso. O "caso Sócrates" afecta a credibilidade de todos os políticos, de todos os partidos.
Eu diria até mais: este caso afecta a credibilidade de todos os portugueses, eis a verdadeira dimensão do problema.

Ler aqui a notícia no El País, dá para perceber a leitura dos acontecimentos

21 novembro 2014

fracasso

No post anterior justifiquei o fenómeno Podemos como o culminar de uma escalada de assalto aos direitos cívicos, usando a metáfora da "droga - loucura - morte". No essencial, apenas repesquei o velho argumento libertário de que tolerar o pequeno assalto à propriedade privada abre a porta à abolição do direito à propriedade, com as respectivas consequências.

Neste artigo do Observador, o João Marques de Almeida opta por uma perspectiva diferente: ‹‹o Podemos é o resultado de um fracasso›› - diz. O fracasso dos partidos democráticos do arco da governação (em Espanha, claro).

O que importa aqui sublinhar é o seguinte: o Podemos é o resultado PREVISÍVEL de uma governação escabrosa. O JMA espera que tal fenómeno nunca ocorra em Portugal.

Veremos.

20 novembro 2014

o socialismo é o ópio do povo


Nos anos setenta havia uns cartazes espalhados por Lisboa que ameaçavam:
DROGA – LOUCURA – MORTE
Era uma progressão que aterrorizava a classe média quando os respectivos descendentes entravam no ciclo infernal que se iniciava com uns charros, passava para o haxixe, chegava às anfetaminas e à coca e acabava na heroína; com a crescente alienação mental da realidade, loucura e finalmente a morte.
Esta expectativa catastrófica sobre as drogas concretiza-se no plano social com outra droga que, para mim, é o socialismo. Com o desrespeito pelos direitos cívicos, pela propriedade privada e, em última análise, pela vida.
A democracia-cristã são os charros, a social-democracia é o haxixe, o socialismo é a cocaína e, por fim, o comunismo é a heroína e o ópio. À medida que uma sociedade desce por esta quelha surge a loucura e a morte, isto é: a ingovernabilidade e, eventualmente, a guerra civil.
O Podemos, esse partido asqueroso que cativa os “nuestros hermanos” é um “pusher” da pesada. Não é a religião que é o ópio do povo, é o socialismo estúpidos.
Quando leio críticas destas, penso: então não viram no que isto ia dar? Não perceberam que o assalto à propriedade privada e a violação da liberdade individual nunca conheceria limites. Não sabem que cesteiro que faz um cesto faz um cento?
Os Podemos deste mundo são os cesteiros do socialismo. Que isto vai acabar mal é evidente, como também é evidente que não foram eles que atiraram a primeira pedra ao edifício civilizacional.

PNL

A Programação Neuro-linguística não é uma filosofia nem uma psicologia alternativa. Eu vejo-a como uma "praxis".
Os seus criadores e mentores partem de um princípio muito simples: para ter sucesso em qualquer área, o caminho mais fácil é imitar (modelar) as pessoas de génio nessa mesma área.
Nesse sentido desenvolveram uma série de pressupostos que são os alicerces, por assim dizer, da PNL:

  1. O mapa não é o território
  2. Ter escolhas é melhor do que não as ter
  3. As pessoas fazem as melhores escolhas que podem na altura
  4. As pessoas agem de modo perfeito
  5. Todos os comportamentos têm um propósito
  6. Todos os comportamentos têm uma intenção positiva
  7. A comunicação é o “feed-back”
  8. Temos todos os recursos de que precisamos e a capacidade de criar novos
  9. A mente e o corpo são um todo
  10. Não há fracassos, apenas “feed-back”
  11. A pessoa com mais flexibilidade num grupo é a mais influente
  12. Modelar o sucesso leva à excelência
  13. Todos os processos devem procurar a congruência
  14. Se queres compreender - age
:-)

quando + é -

Mais governo significa mais potencial de corrupção

Comentário: O artigo do Daily Beast refere-se à Ucrânia mas o princípio que destaquei aplica-se a qualquer país.

19 novembro 2014

o obscurantismo é o pechisbeque dos pobres de espírito


No Domingo passado li um texto muito feio - Medicinas em confronto - de um senhor chamado Belo. Deixo aqui uma amostra:
...
Se é certo que não sou leitor de livros de medicina, acontece todavia que utilizei uma bibliografia de alguns volumes de biologia e neurologia moleculares com outros textos doutras ciências (antropologia, linguística, psicanálise, física e química), na tentativa de cumular as lacunas científicas e filosóficas da tradição fenomenológica, as carências do sujeito e da consciência em termos de corpo biológico, sociedade, linguagem, sexualidade e sua restrição pela lei tribal. Ora, para meu grande espanto, os vários livros de biologia e neurologia que li e em que tanto aprendi ignoravam, todos, qualquer referência à anatomia, incorrendo no que diagnostiquei como um preconceito filosófico – também encontrado nas outras ciências, excepto na linguística estrutural (que foi a minha ciência base de abordagem, aliás) – que consiste no privilégio da ‘substancialidade’ interna sobre a cena exterior donde todavia procede a ‘substância’. Ou seja, o raciocínio predominante nesses textos de biologia passava da determinação dos genes para o conjunto do organismo sem a mediação da anatomia, feita em todos os animais para comerem, caçarem sem serem caçados.

Na altura pensei escrever um post sobre o assunto, mas acabei por não o fazer. Hoje, também no Público, um senhor chamado Marçal escreve um belo texto - Amestrar dragões - que, na prática, é uma resposta ao texto feio do senhor Belo. Sem me perder no "privilégio da substancialidade interna sobre a cena exterior", aqui fica também uma amostra deste último.

De facto, os remédios homeopáticos não têm nada a não ser água e açúcar, porque são preparados através de uma série de diluições sucessivas. Começa-se com uma gota de qualquer coisa (não interessa quão asquerosa ou venenosa seja) e dilui-se em 99 gotas de água. Dá-se três pancadinhas, retira-se um gota dessa diluição e dilui-se novamente em 99 gostas de água. Estas duas diluições consecutivas são equivalentes a uma diluição global de 1 para 10.000. Repete-se o procedimento 28 vezes e obtém-se um preparado homeopático com a “potência 30C”, uma solução tão diluída que a probabilidade de lá encontrar uma única molécula da substância original é equivalente à de ganhar o Euromilhões várias vezes seguidas. Qualquer pessoa com conhecimentos rudimentares de química sabe disto. O secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, que assina a portaria, é químico e sabe de certeza. Os homeopatas também sabem e é por isso que dizem que a água retém uma memória das moléculas que teve dissolvidas. Mas essa memória não existe, tendo a suposta prova da sua existência, publicada em Junho de 1988 na Nature, sido uma das maiores fraudes científicas de sempre (se existisse, imagine os traumas de uma molécula de água depois de saltar de um autoclismo). Os remédios homeopáticos não funcionam melhor do que comprimidos de açúcar, porque são comprimidos de açúcar. E é isso que demonstra um extenso corpo de ensaios clínicos (não, não são precisos mais estudos, assim como não são precisos mais estudos para avaliar se a Terra é plana). O secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Leal da Costa, que também assina a portaria, médico especialista em hematologia, também o saberá.
Em conclusão pergunto: a quem é que o leitor típico do Público dará crédito? Ao senhor Belo, mais às suas manigâncias retóricas pejadas de irracionalidade e de obscurantismo. Ou ao senhor Marçal e ao seu discurso científico, de uma lógica à prova de bala.
Com certeza que ao senhor Belo, o obscurantismo é o pechisbeque dos pobres de espírito. E pobres de espírito sempre os teremos entre nós.

complementaridade

A complementaridade da mulher e do homem provoca urticária na esquerda. A Lei Natural também.

mais livres

Os portugueses sentem-se mais livres do que os norte-americanos

18 novembro 2014

a minha sogra está aterrorizada

Depois do pânico do ébola cai-nos em cima a legionella e agora vem aí a gripe das aves...

- Doutor - disse-me - dizem que o vírus pode aparecer em qualquer lugar, a qualquer momento. No Egipto já morreram duas pessoas...
- Não se consuma D. L., o que tem de ser pode muito - comentei, explorando a sua crença no destino.

80 milhões

80 milhões de bactérias são trocadas num beijo de 10 segundos

PNL - Linguagem Corporal

17 novembro 2014

-1 semana de vida

Afonso, 8 anos. Nasceu com 23 semanas.


a diferença que 1 semana faz

Em Portugal o aborto é feito a pedido da mãe e financiado pelos contribuintes. Em certos casos (malformações fetais) até às 24 semanas e a "mãe" ainda tem direito a uma licença de 14 a 30 dias de baixa.
A maioria dos portugueses parece favorável a esta permissividade (Lei foi aprovada após referendo).
Mas se um prematuro resolver abandonar o útero materno às 25 semanas e fazer pela vida, os mesmos contribuintes também estão imediatamente dispostos a gastar dezenas de milhares de Euros para lhe dar uma ajudinha. Mesmo considerando que prematuros com este tempo de gestação têm poucas possibilidades de sobreviver e ainda menos de virem a desfrutar de uma existência saudável.
A finalidade deste post não é tomar partido na questão do aborto, nem criticar os meus colegas da neonatologia.
Apenas refletir sobre a diferença que 1 semana faz. Fará?

que se passa com a casta superior do regime?

Há quem, por oposição à sociedade civil ou aos mercados, só tenha fé no Estado como centro de racionalidade e foco de padrões morais. Que pensar, quando o próprio Estado se torna a base dos comportamentos mafiosos? É a humanidade que é fraca, esteja num banco ou numa repartição pública? Ou é o Estado, envolvido em quase tudo, que gera demasiadas tentações e oportunidades?

Rui Ramos, no Observador

16 novembro 2014

PNL

Ontem passei o dia num curso de introdução à Programação Neuro-linguística da Life Trainning. Dei o tempo por bem empregue, diverti-me e aprendi, com o Pedro Martins, os fundamentos da PNL.
Recomendo o curso a todos os que se sentem curiosos e fascinados pela "experiência subjetiva da humanidade".

Proteccionismo e declínio civilizacional

Quando no século XIX os Europeus chegaram à Tâsmania,  encontraram o mais pequeno kit de ferramentas de qualquer povo à face da Terra. Os quatro mil habtantes da ilha tinham um nível de sofisticação e bem-estar bastante inferior ao dos seus vizinhos na Austrália. Já no século XIX, arqueólogos descobriram algo fascinante: cerca de 8 mil anos antes da descoberta da Tâsmania por Europeus, os habitantes da ilha utilizavam um conjunto de ferramentas bastante mais sofisticado, semelhante ao dos seus vizinhos da Austrália. Para quem julga que a modernidade é uma função sempre positiva do tempo, isto pode parecer paradoxal.

O que aconteceu foi que 8 mil anos antes inundou-se o estreito de Bass, fechando qualquer ligação entre a Tasmânia e a Austrália. Os dois povos deixaram de comunicar. Isolados, o povo da Tasmânia foi lentamento perdendo a capacidade de produzir objectos mais complexos, que requerem um maio nível de especialização dentro da população. Com um fraco nível de especialização, muito do conhecimento e capacidade de produção para objectos complexos perdeu-se. A população da Tasmânia vivia bastante pior no século XIX do que 8 mil anos antes.

A lição da Tasmânia está, ainda hoje, bastante longe de ter sido aprendida. O nível de especialização e respectiva inovação tecnológica nas sociedades modernas continuou a aumentar e a permitir melhorias constantes no estilo de vida, especialmente no ocidente. Isto acontece em grande parte devido ao comércio internacional que permite a especialização necessária para produzir diversos bens e serviços da forma mais eficiente possível. Deixadas numa ilha coberta de recursos naturais, 100 mil pessoas tiradas ao acaso não conseguiriam reproduzir tudo o que hoje consideramos essencial, da internet à comida embalada. O que temos hoje só é possível porque 4 mil milhões de pessoas têm uma função específica, irrepetível, que torna possível a produção de iPhones e de operações a hérnias discais.

Portugal tem 10 milhões de habitantes, num Mundo com 7 mil milhões. Apenas um em cada 700 pessoas no Mundo é portuguesa, um rácio bastante inferior ao que existia entre a Tazmânia e a Austrália. O fecho mesmo que apenas parcial do país ao comércio internacional, colocaria nas mãos de 10 milhões de pessoas o trabalho de criar, vender e prestar a mesma diversidade de serviços que 7 mil milhões de pessoas conseguem fazer. O declínio seria inevitável, tal como todas as nações que antes optaram pelo proteccionismo.

Vos estis sal terrae

Sermão de Santo António aos Peixes - Padre António Vieira, 1654

Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!
...
Texto integral aqui

a brigada do reumático

15 novembro 2014

fabrica-os


A DGS fabrica-os
Por. Pedro Arroja

A saúde é, dentre todos os sectores de actividade económica, provavelmente aquele que mais potencial tem para a oferta criar a sua própria procura. Compreende-se que um médico de clínica privada e pouco escrupuloso, e que precise de mudar de carro, mande os seus doentes virem de novo à consulta na próxima semana, quando a consulta é perfeitamente dispensável. Mais difícil é compreender, e ganha foros de escândalo público, quando este comportamento é induzido pelo Ministério da Saúde e se torna um comportamento de massa.

Até há duas semanas o ébola era uma ameaça iminente para a saúde dos portugueses com os responsáveis políticos na área da saúde a falarem constantemente para a imprensa a propósito dos perigos do ébola, mesmo se não existe nenhum caso registado da doença em Portugal.

A saúde é o bem mais valioso que há - dizem os portugueses -, e é, portanto, natural que as pessoas sejam particularmente sensíveis aos riscos sobre  a sua saúde. Existem depois os hipocondríacos, sempre prontos a juntar mais uma doença às muitas  que já possuem. Em vista do alarme social, não é difícil, pois, imaginar a quantidade de pessoas que acorreram aos centros de saúde e aos hospitais para despistar o ébola.

De repente, porém,  o ébola deixou de ser um perigo para a saúde dos portugueses, porque apareceu outro mais credivel – a legionella. A forma como o surto de legionella  foi comunicado desde o início revestiu, mais uma vez, a forma de alarme público. Os jornais fizeram primeiras páginas e o tema foi abertura de telejornais com o Director-Geral de Saúde, Dr. Francisco George, com aquelas suas barbas de revolucionário dos anos 60, a tornar-se uma figura familiar em nossas casas ao almoço e ao jantar.

O surto teve origem em Vila Franca de Xira mas podia estar a afectar Lisboa também. Os primeiros sintomas eram vagos, tosse e febre ligeira. Especulou-se sobre as causas (equipamentos de ar condicionado, rede pública de água, etc.) sem as identificar. Falou-se em mortos, mesmo se o primeiro caso  - e, ao que parece, alguns dos seguintes – era o de um homem de 59 anos que já sofria de graves problemas do aparelho respiratório e em que, portanto, a legionella, pode ter sido um factor - até o factor catastrófico -, da sua morte, mas dificilmente a sua causa (um outro caso envolve uma pessoa de 86 anos em idênticas cisrcunstâncias). Deram-se conselhos que faziam pouco sentido para a população, como o de não ser recomendável tomar duche, mas quanto à água da rede pública, essa podia beber-se à vontade.

Numa altura do ano em que a tosse e a febre ligeira são comuns, não terão sido poucos os milhares de portugueses que terão acorrido aos hospitais e aos centros de saúde para despistar a legionella. E as autoridades de saúde, com o Dr. Francisco George sempre em primeiro plano, apareciam como os protectores da população, assegurando que estavam a trabalhar no sentido de resolver a situação. Primeiro causaram alarme e medo, depois apresentavam-se com a mensagem implícita: “Estejam tranquilos, que nós estamos aqui para vos proteger”. Nada de mais eficaz para tornar os portugueses dependentes deles.

Governar é também proteger a comunidade. Mas o Dr. Francisco George e o aparato político da saúde não são verdadeiros protectores. São falsos protectores. Verdadeiros protectores teriam tomado as medidas preventivas necessárias para que o surto de legionella nunca surgisse, em Vila Franca de Xira ou em qualquer outro ponto do país. E ainda que o surto surgisse, teriam  enviado para o local, rapidamente e em força, equipas de técnicos a fim de identificar as causas e pôr-lhes cobro, e só  depois teriam  comunicado o assunto à população: “ Houve um surto de legionella em Vila Franca de Xira. As causas foram tais e tais e já estão debeladas”. Esta seria uma mensagem tranquilizadora. Pelo contrário, a mensagem que passaram foi de alarme com a própria Direcção Geral de Saúde (DGS) às aranhas sem saber o que fazer e quais eram as causas do problema.

Como se tudo isto não bastasse, na mesma semana foi publicado pelo Observatório Nacional da Diabetes, um organismo que funciona junto da DGS, um relatório sobre esta doença. Existe mais de um milhão de portugueses que têm diabetes (um número que, diz o relatório, só devia ser atingido em 2025, mas que já foi atingido agora – prevê-se agora que o número duplique em 2025). Mas deste milhão, 400 mil não sabem que têm a doença.

Esta é de cabo de esquadra: 400 mil portugueses são diabéticos, mas não sabem que têm a doença. Admitindo que eu sou um desses, então eu não sei que tenho diabetes, mas os técnicos de saúde sabem? Que milagre é esse que lhes revela a verdade a eles e a esconde de mim, que sou o principal interessado?

Para mandar os portugueses em massa para os hospitais e os centros de saúde despistar a diabetes não existe mensagem mais eficaz. Ainda por cima quando o relatório afirma que 40% da população portuguesa – quase metade dos portugueses – têm diabetes ou estão a desenvolver a doença, esta última situação conhecida por “pré-diabetes”, uma doença antes da própria doença, um caso de “antes de ser já o era”.

Apesar de alguns estrangulamentos pontuais, existe excesso de capacidade nos serviços de saúde, tal como existe excesso de escolas e excesso de autoestradas no país - existe excesso de tudo no país, excepto dinheiro. A prova é que não têm cessado de fechar hospitais um pouco por todo o lado. É preciso dar trabalho a este pessoal e equipamentos excedentários. E se não existem utentes do SNS em quantidade suficiente, a DGS fabrica-os. É isso que ela tem andado a fazer. 
(in Vida Económica, 14 de Novembro de 2014)