A DGS fabrica-os
Por. Pedro Arroja
A saúde é, dentre todos os sectores de actividade económica,
provavelmente aquele que mais potencial tem para a oferta criar a sua própria
procura. Compreende-se que um médico de clínica privada e pouco escrupuloso, e
que precise de mudar de carro, mande os seus doentes virem de novo à consulta
na próxima semana, quando a consulta é perfeitamente dispensável. Mais difícil
é compreender, e ganha foros de escândalo público, quando este comportamento é
induzido pelo Ministério da Saúde e se torna um comportamento de massa.
Até há duas semanas o ébola era uma ameaça iminente para a
saúde dos portugueses com os responsáveis políticos na área da saúde a falarem
constantemente para a imprensa a propósito dos perigos do ébola, mesmo se não
existe nenhum caso registado da doença em Portugal.
A saúde é o bem mais valioso que há - dizem os portugueses -, e
é, portanto, natural que as pessoas sejam particularmente sensíveis aos riscos
sobre a sua saúde. Existem depois os
hipocondríacos, sempre prontos a juntar mais uma doença às muitas que já possuem. Em vista do alarme social,
não é difícil, pois, imaginar a quantidade de pessoas que acorreram aos centros
de saúde e aos hospitais para despistar o ébola.
De repente, porém, o
ébola deixou de ser um perigo para a saúde dos portugueses, porque apareceu
outro mais credivel – a legionella. A forma como o surto de legionella foi comunicado desde o início revestiu, mais
uma vez, a forma de alarme público. Os jornais fizeram primeiras páginas e o
tema foi abertura de telejornais com o Director-Geral de Saúde, Dr. Francisco
George, com aquelas suas barbas de revolucionário dos anos 60, a tornar-se uma figura
familiar em nossas casas ao almoço e ao jantar.
O surto teve origem
em Vila Franca de Xira
mas podia estar a afectar Lisboa também. Os primeiros sintomas eram vagos, tosse e
febre ligeira. Especulou-se sobre as causas (equipamentos de ar condicionado,
rede pública de água, etc.) sem as identificar. Falou-se em mortos, mesmo se o
primeiro caso
- e, ao que parece, alguns
dos seguintes – era o de um homem de 59 anos que já sofria de graves problemas
do aparelho respiratório e em que, portanto, a legionella, pode ter sido um
factor - até o factor catastrófico -, da sua morte, mas dificilmente a sua
causa (um outro caso envolve uma pessoa de 86 anos em idênticas
cisrcunstâncias). Deram-se conselhos que faziam pouco sentido para a população,
como o de não ser recomendável tomar duche, mas quanto à água da rede pública,
essa podia beber-se à vontade.
Numa altura do ano em que a tosse e a febre ligeira são
comuns, não terão sido poucos os milhares de portugueses que terão acorrido aos
hospitais e aos centros de saúde para despistar a legionella. E as autoridades
de saúde, com o Dr. Francisco George sempre em primeiro plano, apareciam como
os protectores da população, assegurando que estavam a trabalhar no sentido de
resolver a situação. Primeiro causaram alarme e medo, depois apresentavam-se
com a mensagem implícita: “Estejam tranquilos, que nós estamos aqui para vos
proteger”. Nada de mais eficaz para tornar os portugueses dependentes deles.
Governar é também proteger a comunidade. Mas o Dr. Francisco
George e o aparato político da saúde não são verdadeiros protectores. São
falsos protectores. Verdadeiros protectores teriam tomado as medidas
preventivas necessárias para que o surto de legionella nunca surgisse, em Vila Franca de Xira ou
em qualquer outro ponto do país. E ainda que o surto surgisse, teriam enviado para o local, rapidamente e em força,
equipas de técnicos a fim de identificar as causas e pôr-lhes cobro, e só depois teriam
comunicado o assunto à população: “ Houve um surto de legionella em Vila Franca de Xira.
As causas foram tais e tais e já estão debeladas”. Esta seria uma mensagem
tranquilizadora. Pelo contrário, a mensagem que passaram foi de alarme com a
própria Direcção Geral de Saúde (DGS) às
aranhas sem saber o que fazer e quais eram as causas do problema.
Como se tudo isto não bastasse, na mesma semana foi
publicado pelo Observatório Nacional da Diabetes, um organismo que funciona
junto da DGS, um
relatório sobre esta doença. Existe mais de um milhão de
portugueses que têm diabetes (um número que, diz o relatório, só devia ser
atingido em 2025, mas que já foi atingido agora – prevê-se agora que o número
duplique em 2025). Mas deste milhão, 400 mil não sabem que têm a doença.
Esta é de cabo de esquadra: 400 mil portugueses são
diabéticos, mas não sabem que têm a doença. Admitindo que eu sou um desses,
então eu não sei que tenho diabetes, mas os técnicos de saúde sabem? Que
milagre é esse que lhes revela a verdade a eles e a esconde de mim, que sou o
principal interessado?
Para mandar os portugueses em massa para os hospitais e os
centros de saúde despistar a diabetes não existe mensagem mais eficaz. Ainda
por cima quando o relatório afirma que 40% da população portuguesa – quase
metade dos portugueses – têm diabetes ou estão a desenvolver a doença, esta
última situação conhecida por “pré-diabetes”, uma doença antes da própria
doença, um caso de “antes de ser já o era”.
Apesar de alguns estrangulamentos pontuais, existe excesso
de capacidade nos serviços de saúde, tal como existe excesso de escolas e
excesso de autoestradas no país - existe excesso de tudo no país, excepto dinheiro. A prova é que não têm cessado de fechar hospitais um
pouco por todo o lado. É preciso dar trabalho a este pessoal e equipamentos
excedentários. E se não existem utentes do SNS em quantidade suficiente, a DGS
fabrica-os. É isso que ela tem andado a fazer.
(in Vida Económica, 14 de Novembro de 2014)