28 novembro 2014

salazarismo sem Salazar


Os portugueses acolhem com facilidade e até entusiasmo todos os estrangeirismos possíveis, mas nunca resistem a adaptá-los à nossa cultura. Normalmente com resultados estapafúrdios porque descaracterizam a ideia original.
Vemos isto na literatura, no cinema, na arquitetura, na gastronomia e, mais recentemente, até na política.
Depois do 25 de Abril, quase todas as correntes ideológicas apareceram, cresceram e floriram, aqui no jardim, mas nenhuma conseguiu emancipar-se da herança salazarista de autoritarismo, centralismo e colectivismo (Hofstede). Tradição esta que, convenhamos, já vinha da monarquia.
Ora o salazarismo sem Salazar é um anacronismo hediondo. Porque é um sistema que depende de um líder iluminado, nas mãos da turba ignóbil. É assim, por exemplo, que passamos de um período máximo de prisão preventiva de quatro meses, no Estado Novo, para cerca de dois anos no Novo Estado pós-25.
Chegamos assim a um ponto em que quase parece que temos menos liberdade neste início do século XXI do que tínhamos nos meados do século XX, com Salazar no poder.
Em particular, os partidos do centrão, PS e PSD/CDS, não se revelaram amantes da liberdade nem respeitadores dos direitos cívicos.
Como passei muitos anos no estrangeiro, reconheço com facilidade os xenoenxertos culturais e a descaracterização a que foram sujeitos. É como se o Portugal moderno fosse uma espécie de “maison” de emigrantes.
Curiosamente, e para minha grande tristeza, nem o liberalismo escapou a esta tendência. Os nossos liberais de pacotilha não acreditam nas potencialidades do indivíduo, na livre iniciativa e nos mercados, ou acreditam menos do que o próprio Salazar.
Basta passar os olhos pelos blogues liberais para perceber que defendem o SNS, porque coitados dos pobrezinhos, defendem o ensino público, porque coitados dos pobrezinhos, e até a segurança social, porque... coitados dos pobrezinhos.
A maior pecha destes liberais desnaturados, quanto a mim, é o tribalismo ou sectarismo – conceito absolutamente nos antípodas do liberalismo. Consideram-se uma seita, em luta com as outras seitas políticas.
O caso José Sócrates, por exemplo, trouxe ao de cima o pior deste tribalismo. Vê-se contentamento e ódio a par de tentativas patéticas de justificar a “prisão preventiva” de alguém que tem todo o direito a ser considerado inocente até condenado em julgamento.
Como se costuma dizer: ‹‹Podemos tirar a rapariga da aldeia, mas não podemos tirar a aldeia da rapariga››.

4 comentários:

Anónimo disse...

A maior critica que se pode fazer ao pós Estado Novo é exactamente a faltinha de um comando. Não me parece que em Portugal se consiga governar sem uma cabeça pensante e que, já agora, tenha estima e consideração pela pátria.
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Salazar tinha as duas caracteristicas e por isso mesmo é que se tratou de um governante exemplar e com uma dimensão de estadista que ninguém teve depois das monarquias.
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A par disso não era um lider sanguinário. Uma sorte, vá, pese embora o regime não tolerar a existência de oposição real e perseguir os contras ou exila-los.
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Foram os movimentos populares, como os estudantes, que foram minando o regime como seria inevitável e o desfecho do grande erro de Salazar - a guerra - era inevitável porque as maezinhas e os paizinhos não gostam lá muito de enviar os filhinhos para um guerra sem fim e solução à vista.
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O problema é que Salazar não é susceptivel de ressuscitação. E mesmo que o fosse os tempos são outros. Já não é possivel deter a informação que ele tão bem controlava e limitava. Casos de corrupção eventual contam-se pelos dedos de um maneta. E se bem que ele seria tipo honesto não me parece crivel que quem o rodeava tambem o fosse.
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Um Salazar nos dias de hoje seria como correr com um modelo de formula 1 dos anos 50 a competir com um modelo do seculo 21.
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Se bem que a modernidade, como é o caso de Socrates e Passos Coelho, Santana, Barroso e Guterres, apresenta-nos pessoas em forma de bolides de formula 1 do seculo 21 equipados com motores dos anos 50.
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Rb

Rui Alves disse...

Se bem que a modernidade, como é o caso de Socrates e Passos Coelho, Santana, Barroso e Guterres, apresenta-nos pessoas em forma de bolides de formula 1 do seculo 21 equipados com motores dos anos 50.

Desculpa lá, Ricciardi, mas está enganado. No caso deles é mais assim:

https://www.flickr.com/photos/43437033@N03/4036087799/

muja disse...

Pois pois, o importante mesmo é que o menino de oiro não possa ser engaiolado.

Ai os frustradinhos...

E o motorista, com advogado a 400 a hora? Também será inocente, presumivelmente?

Ahahah

Anónimo disse...

Muito bom Joaquim e PA, só posso agradecer: ar fresco e noção. Grande alívio ler-vos depois de nem acreditar no que leio nos Insurgente e Blasfémias (que até hoje acreditava serem uma direita esclarecida e liberal mas que, helas, com isto deixaram cair o pé para a chinela e fizeram dos seus blogs o estendal onde mostram uma visão da politica e ética incipiente senão verdadeiramente sopeiral.

Je