14 setembro 2014

o médico II


Quando ouço um elogio saco logo da pistola (just joking). Daí que quando comecei a ler esta redação do João César das Neves sobre os médicos, com tantas loas e encómios, fiquei logo à espera da provocação. E ela veio nos parágrafos seguintes: os médicos são broncos (... com menos sensibilidade diplomática, social, relacional e artística... que os porteiros ou mineiros) mas, de tão eruditos, nunca se dão conta disso.
‹‹Pistola amiga, volta para o coldre››. Eu não sabia que ele sabia que eu não sabia, de tanto saber, aquilo que não sabia. Confusos? É a minha falta de sensibilidade relacional.
Mas vamos ao que mais me despertou a atenção: “um espírito clínico nunca conseguirá dominar a lógica económica”; “nem entender os pormenores de um orçamento”. Porquê? Porque os médicos lidam com a vida e a vida não tem preço (deduzo do texto).
Ora a minha experiência revela exatamente o contrário. Os médicos são gestores naturais, habituados a racionalizar os recursos existentes e a maximizar a utilidade que deles extraem.
Se parece que não se interessam por orçamentos é porque nos serviços de saúde os seus objectivos não estão alinhados com os objectivos da organização, provocando tensões que apenas traduzem conflitos de interesse.
É interessante que a maior parte dos economistas não entenda esta problemática. Mas como passam pouco tempo a estudar matérias tão vastas, escapa-se-lhes um elemento essencial: os médicos são pessoas como as outras.
Pessoas cuja verdadeira erudição não vem dos livros, mas do contacto com outras pessoas. Daí Abel Salazar afirmar que “o médico que só sabe medicina, nem de medicina sabe”. E qual é o valor mais importante que os médicos aprendem no exercício da sua profissão?
‹‹Eu sei que o João César das Neves sabe que eu sei que ele sabe que eu sei››: é a Caridade. Um valor omnipresente na clínica pela exposição constante à dor e ao sofrimento humano.
Valor que só uma pequena elite de conomistas conhece, sendo de realçar que o João faz parte, seguramente, desse clube restrito.

5 comentários:

Anónimo disse...

Joaquim,

Duplamente verdade.
Em relação à caridade é verdade e daí que por tradição os médicos tenham adquirido um estatuto e um reconhecimento social só comparável ao dos padres.

Quanto às questões económicas, também é verdade que os médicos são interessados e conhecedores.
Na minha experiência de vida relacionei-me com muitos grupos profissionais. Não conheço nenhum que, em privado, mais fale de questões económicas e de dinheiro.
PA

Anónimo disse...

Caro PA,

E não é só em Portugal. Nos EUA constatei o mesmo.

Joaquim

marina disse...

ve-se que o das neves não conheceu o dr. barnard :) e nem deve saber que há dezenas de médicos escritores. e bons. o que não aconteceria se não tivessem capacidades relacionais - afinal é mesmo tosco o das neves.

Anónimo disse...

Olá Joaquim o César das Neves realmente como outros economistas não percebe que o que arruina os hospitais é a gestão e o sistema informático,sim estes os causadores da sangria de dinheiro para gestores,sub gestores,gestorsinhos de áreas etc...
Há uma coisa em que César das Neves tem razão,normalmente os médicos não sabem falar de mais nada,estão focados cem por cento na sua área e desconhecem muita coisa sendo incapazes de conversa política,econômica,artística. É uma deformidade que não deixa espaço para a criatividade!

Anónimo disse...

A caridade? Deve haver alguns - o seu caso? - que sim. Mas uma classe que tem como representantes bastonários daquele calibre (como a dos advogados aliás), origina fortes dúvidas sobre a generalização dessa qualidade. Aliás basta verificar que no período de exercício de funções do actual ministro da saúde, já foram identificadas vigarices no valor de mais de 1.500 milhões de euros (escrevi bem!). A propósito: lembro-me perfeitamente de ouvir em directo na rádio, o Gentil Martins declarar que era aos médicos que competia determinar, se um médico que tinha deixado uma compressa dentro do corpo de um paciente, tinha ou não cometido um acto de negligência médica. Como se percebe deste exemplo, não é preciso ter estudos em medicina para identificar um canalha vigarista quando ele fala...