14 setembro 2014

o médico


... o médico ...  é um personagem muito especial. Pertence à classe da sociedade que exige mais reflexão e conhecimentos. Não existe outra profissão que imponha tantos anos de preparação e estudo. Além disso, lidando toda a vida com a dor e o sofrimento, necessita de grande solidez anímica e sentido ético. Mas, por outro lado, não há nenhuma outra formação tão estreita, dirigida e especializada. O médico gasta anos apenas para estudar o funcionamento de um pequeno mecanismo, o mais complexo e sofisticado do universo conhecido, mas muito reduzido. Trabalha durante décadas para compreender o joelho, o ventrículo esquerdo ou uma infecção particular da córnea. Nunca tanta energia humana foi aplicada em espaço tão minúsculo.
Dada a magnitude da preparação e a exiguidade do âmbito de aplicação não admira que se gerem enormes distorções pessoais. Os grandes médicos são génios incomparáveis num campo muito limitado. Isso significa que os clínicos são, em geral, pessoas cuja enorme educação superior os privou de conhecimentos na área relacional, política, comunitária e até pessoal. Por formação, têm menos sensibilidade diplomática, social, relacional e artística que os juristas, arquitectos, militares, até que os engenheiros, porteiros ou mineiros. Mas, de tão eruditos, nunca se dão conta disto.
Se o problema é genérico, existe um campo em que se manifesta particularmente nítido. Em especial, há um elemento radicalmente oposto à mentalidade médica: a economia. Um espírito clínico nunca conseguirá dominar a lógica económica. Um médico faz muitas escolhas na vida, talvez mais do que qualquer outra profissão. Mas em todas as suas opções entra um elemento absoluto, irredutível e incomparável, a vida. Por isso lhe é tão difícil compreender as subtilezas da negociação, do compromisso, do equilíbrio. Esta é uma característica que partilha com os padres. Não se pode pedir a alguém que passou o dia a decidir sobre a vida dos outros que entenda os pormenores de um orçamento.
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João César das Neves

2 comentários:

Rui Alves disse...

Isso significa que os clínicos são, em geral, pessoas cuja enorme educação superior os privou de conhecimentos na área relacional, política, comunitária e até pessoal.

Admiro o Dr. César das Neves por muitas razões, mas para este seu peditório eu já dei. Já estou farto de ouvir tangas dessas, de muita gente, a respeito também dos engenheiros.

Mas no que aos médicos diz respeito, seguem-se algumas biografias elucidativas:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Namora

http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga

http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Lucas

http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Cop%C3%A9rnico

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Lobo_Antunes



Filipe Silva disse...

Os médicos são pessoas e como pessoas que são tem vários interesses.

O meu irmão é médico, casado com uma médica (país da rapariga são ambos médicos), a realidade é que tem todos interesses que vão para lá da medicina.

Mas da relação que já tive com alguns médicos, a realidade é que a maioria tem a mania que são mais que os outros.

A maioria tem baixos conhecimentos
de economia, ou melhor tem conhecimentos ao nível de outros tipos de licenciados.

Tive uma vez uma grande discussão sobre O Valor das coisas, todos os médicos que conheci, não percebem que Custo não é igual a valor.

Mas tem imensos interesses, desde desportivos, a musica classica, etc..