28 maio 2014

isto nem dá vontade de morrer


Na Suíça o suicídio assistido é legal. Nos tempos que correm, nada de espantar. O que espanta é que na Suíça o suicídio assistido seja legal  e não seja regulamentado pelo Estado.
As organizações que se dedicam a ajudar os clientes a “sair de cena” autorregulam-se, através dos estatutos e de consulta aos seus membros. A Exit, por exemplo, acabou de aprovar a possibilidade de “sair de cena” por ter ultrapassado o “prazo de validade” – ver notícia aqui.
Em Portugal esta situação é tão contrária à nossa cultura que seria absolutamente impossível. Depois da AR aprovar o suicídio assistido – o que presumo irá acontecer a breve trecho – será necessário regulamentar a Lei e criar um conjunto de instituições, fundações e observatórios que, na prática, irão paralisar todo o sistema.
Não é necessária muita imaginação para vislumbramos o que irá suceder. O “despachado” terá de se apresentar no “despachante” com uma Certidão de Nascimento Narrativa Completa, um documento comprovativo de que não tem dívidas ao Fisco nem à Segurança Social e, pelo menos, uma Certidão de Registo Criminal. Era o que faltava que um cidadão centenário pretendesse emigrar para o Reino dos Céus sem pagar a “César o que é de César”.
Não esquecer também a necessidade de passar pelo Centro de Saúde, para se despedir do pessoal, e talvez por umas consultas da especialidade na ULS da sua região. O Sr. José poderá mudar de ideias depois de ser operado à próstata e a D. Maria, depois de uma operação à cataratas, é capaz de querer continuar por aí...  a ver o Preço Certo e a Casa dos Segredos.
Quando for então aprovado o suicídio assistido em Portugal, os nossos concidadãos que pretendam “sair de cena” poderão corrigir Herculano e do: “Isto dá vontade de morrer!” passar ao: “Isto nem dá vontade de morrer”.

10 comentários:

Luís Lavoura disse...

As organizações que se dedicam a ajudar os clientes a “sair de cena” autorregulam-se

O problema é que as organizações em Portugal são incapazes de se autorregular. Ou antes, são incapazes de punir os seus membros que violem os regulamentos. Por isso, o Estado tem que impôr leis.

O Joaquim tem um bom exemplo na sua profissão. Há uma Ordem dos Médicos, mas ela é incapaz de agir eficazmente contra os médicos que violem a deontologia. Se não houver leis e polícia, a Ordem dos Médicos não fará nada.

Outro exemplo simples, que eu apresento muitas vezes, é o dos professores de liceu que têm que decidir se na sala de professores é ou não é permitido fumar (isto, no tempo em que fumar era permitido nos liceus). Na prática, são incapazes de tomar a decisão de proibir o fumar, apesar de essa decisão ser óbvia. O coletivo de professores é incapaz de atuar de forma eficaz contra um qualquer professor fumador que decida violar as regras, e por isso, pura e simplesmente, desiste de impôr regras.

Luís Lavoura disse...

Isto acontece porque, como o Pedro Arroja salientava, Portugal é um país de amplas liberdades, onde toda a gente se sente extremamente livre de fazer o que quiser e ninguém tem tomates para impôr regras aos outros. As pessoas chegam atrasadas a reuniões e não são punidas, fumam onde não devem e não são punidas, estacionam o carro onde lhes apetece e não são punidas, etc etc etc.
Em Portugal, autorregulação eficaz, só no dia em que as galinhas tiverem dentes.

Anónimo disse...

Ora bem, se um gajo decidir acabar com a vida de alguém, ainda que a pedido, é preso. Mas se for uma organização, com ou sem fins lucrativos, parece que já é aceitável e até, imagine-se, louvável, que a instituição auto-institua estatutos para regular quem pode e quem não pode morrer.
.
Se um gajo fizer estatutos e os escrever num papel parece poder fazer tudo. Incluindo matar.
.
Para mim a coisa é simples. Crystal clear. Matar is forbiden. Whatever quem quer que o faça.
.
Os motivos é que podem ser, ou não, aceitáveis, mas sempre sujeitos a avaliação judicial. Por exemplo acelerar a morte de alguém em grande sofrimento deve dar boa justificação.
.
Agora, se a coisa for pela auto-regulação, já sabemos, estamos mesmo cansados de saber, que o interesse deixa de ser a pessoa ou doente em si mesmo, e passa a ser o negócio. Qual a empresa do ramo que não ponha nos estatutos a possibilidade de matar atendendo à idade de quem o pede.
.
-Olhem, meus amigos, eu vim aqui porque tenho 95 anos, e quero que me matem.
-Não podemos. Só mesmo aos 96 aninhos por causa das leis restrictivas e pouco liberais que temos. Passe por aqui para o ano que vem sff que nós tratamos-lhe da saúde.
.
Vejo mal. Parece-me mal. Cheira-me mal.
.
Rb

Anónimo disse...

Caro Rb,

Como disse, o conceito é totalmente estranho à nossa cultura. Na Suíça não há queixas.

Joaquim

zazie disse...

Assino por baixo, por cima, por todos os lados o que o Morgadinho da Cubata escreveu.

«Vejo mal. Parece-me mal. Cheira-me mal.»

Anónimo disse...

Ò Joaquim, como é que sabe que na Suíça não há queixas? Contactou a DECO lá do sítio?…
Eu desconfio de países anti-sépticos onde o progresso anda sempre à frente das pessoas e até lhes passa por cima… Suíça e Holanda, são países onde eu não gostaria de viver… -- JRF

Anónimo disse...

"será necessário regulamentar a Lei e criar um conjunto de instituições, fundações e observatórios que, na prática, irão paralisar todo o sistema"
Mas isto é verdade… para o observatório proponho já o professor Boaventura! Dasse, que país da brincadeira esta republiqueta das bananas… -- JRF

Anónimo disse...

"Se não houver leis e polícia, a Ordem dos Médicos não fará nada."
Sim Luís Lavoura, porque de facto, contra os médicos as leis a a polícia têm feito muito… Neste país ingovernável, nem auto-regulação nem a regulação do Estado. Aliás, venha o diabo e escolha… a regulação de Estado, tal como se apresenta, antes a eutanásia na Suíça… -- JRF

Anónimo disse...

Na Suiça o suicídio não é legal.

É um desporto.

Anónimo disse...

Quanto à questão essencial, Rb disse tudo.
Entretanto, Luis Lavoura suscita uma questão lateral, muito interessante, que gostaria de comentar, apesar de concordar com ele. A auto-regulação é possível numa instituição portuguesa, se dentro dela for criada uma instância superior, colectiva ou individual, que a imponha. A ela queixar-se-ão os insatisfeitos e ela, muito zelosa das suas responsabilidades e competências, fará o possível por tentar cumprir a missão. A Ordem dos Médicos talvez não seja um bom exemplo, dada a aparente tradição de impunidade e de cobertura dos médicos, mas na Ordem dos Advogados, p.e., os Conselhos de Deontologia interpretam as regras e aplicam-nas severa e diligentemente. No futebol, área que não domino, passar-se-à mais ou menos a mesma coisa. E nos partidos, também. Em suma, precisamos sempre de alguém que mande, mas essa instância pode ser «interna» e democraticamente designada e não é necessariamente ineficaz.
Pedro Cruz