30 abril 2014

Ajustamento, desemprego e inflação

O objectivo deste post é o de explicar da forma mais simplificada possível (perdoem-me, portanto alguma simplificação abusiva) a forma como se processam ajustamentos, o desemprego daí resultante e o papel da inflação monetária. Escrevi já aqui ao lado o que se entende por ajustamento e porque é que ajustamentos criam desemprego. Embora não seja importante para o caso, irei relembrar algumas dessas noções neste post.
Dito este, este post não interessará a muitos dos leitores deste blog, aos quais peço desde já desculpas.

Imaginemos um produto P cuja produção é bastante trabalho intensiva, ou seja, grande parte do valor acrescentado vem do factor trabalho (um bom exemplo são as empresas de limpeza). Esta simplificação é importante apenas para não olharmos para o mercado de outros factores de produção. Numa situação inicial de equilíbrio, temos a situação abaixo:


À esquerda temos a representação do mercado do produto P e à direita o mercado de trabalho dos trabalhadores que produzem esse produto. A linha azul representa a oferta e a linha amarela representa a procura em ambos os gráficos. Numa situação inicial temos um preço de mercado o qual determina a produtividade dos trabalhadores (produtividade de cada trabalhador corresponde a quantidade produzida x preço), o que por si determina o salário de equilíbrio.

Suponhamos que, por um qualquer motivo, a procura do produto P diminui no mercado. O que aconteceria neste caso seria uma movimentação para a esquerda da linha amarela. Ou seja, para o mesmo preço os consumidores agora querem menos unidades do produto P. O resultado está representado no gráfico abaixo:


O que acontece nestes casos é no mercado do produto baixar o preço e a quantidade de bens produzidos1). A redução do preço do produto P baixa a produtividade dos trabalhadores e, correspondentemente, o seu salário. A queda do salário faz com que trabalhadores deixem de estar interessados em trabalhar naquelas empresas, reduzindo o número de trabalhadores disponíveis para trabalhar no sector. Esta redução no número de trabalhadores é compensada na restante economia pelo aumento do número de trabalhadores na produção dos produtos que merecem uma maior preferência dos consumidores. Obviamente, não existe um trabalhador típico, completamente fléxivel que pode mudar de sector para sector consoante as alterações das dinâmicas do mercado. Por isso é que ajustamentos criam desemprego. Criam desemprego porque pode demorar bastante tempo a adquirir as qualificações, ou estar pessoalmente disponível, para mudar de sector. Note-se, no entanto, que os trabalhadores que tenderão a sair neste caso2) são aqueles mais sensíveis a uma diminuição do salário, ou seja, aqueles que têm oportunidades de emprego fora do sector, provavelmente nos sectores onde os salários aumentaram devido à uma maior preferência dos consumidores.

No entanto, há um problema fundamental com os gráficos anteriores. O problema é que os salários não são fléxiveis. Não são especialmente fléxiveis para baixo. Mecanismos como a legislação laboral, leis de salário mínimo, obrigações contratuais, negociação sindical e mesmo o viés cognitivo da ancoragem nominal 3), fazem com que seja muito complicado a uma empresa ou estado baixar o valor nominal de salários. Mediante esta inflexibilidade nominal, o que aconteceria na verdade no mercado de trabalho era o seguinte:



O novo equilíbrio ocorre no ponto (T3, S3), ou seja, com o mesmo salário que na situação 1, mas com menos trabalhadores. Com salário rígido a descidas, o que aconteceria era uma diminuição do número de trabalhadores superior àquela que acontece nos modelos neoclássicos representados anteriormente4). Em vez de termos um ajustamento do número de trabalhadores de T1 para T2, teríamos um ajustamento de T1 para T3. Há um outro aspecto importante deste ajustamento no número de trabalhadores: é feito involuntariamente. todo o desemprego neste caso é involuntário. Ou seja, os trabalhadores que saem do sector não serão necessariamente aqueles que têm melhores possibilidades noutros sectores (o seu salário não baixou), mas aqueles trabalhadores que faziam parte das unidades de produção menos eficientes. Isto é importante na medida em que fará com que, não só o nível de desemprego devido ao ajustamento seja maior por saírem mais trabalhadores do sector, como a maneira como o ajustamento é feito (por desemprego involuntário) fará com que demore mais tempo a transferir trabalhadores para outro sector.

A inflexibilidade nominal no mercado de trabalho reflecte-se depois no mercado de bens. Impedidos de baixar salários, os empresários deixam de ter espaço para baixar o preço, fazendo com que a alteração de preferências concentre todo o seu impacto na quantidade de bens vendidos.



O efeito no mercado de bens é simétrico ao do mercado de trabalho: o preço mantém-se, mas baixa a quantidade de produto vendido 6). Ou seja, uma diminuição de preferências com inflexibilidade nominal resulta em menos trabalhadores empregados e menos produtos consumidos do que havendo plena flexibilidade de salários e preços.5)

Consideramos até agora uma economia sem inflação monetária, ou seja, em que apenas os preços individuais se alteram por via das preferências dos consumidores, mas no qual o nível geral de preços não se altera. Mas um factor importante é que, principalmente para níveis baixos de inflação, o viés da inflexibilidade salarial só se aplica aos salários nominais. Um empresário tem menos flexibilidade para baixar um salário de 1000 para 980 euros com inflação zero do que para não subir um salário de 1000 euros com inflação de 2%.

Mantendo a inflexibilidade nominal salarial, a introdução de inflação no sistema garante mais flexibilidade real, como se pode ver no gráfico abaixo, garantindo um novo equilíbrio mais próximo do que haveria num ambiente de absoluta flexibilidade. Isto, criará, por um lado, menos desemprego e, por outro, facilitará o ajustamento, tornando-o mais rápido.



Note-se que agora o eixo vertical corresponde ao salário real. O novo equilíbrio S4/T4 é mais próximo do equilíbrio S2/T2 atingido no segundo conjunto de gráficos apresentados, ou seja, é mais próximo do equilíbrio com absoluta flexibilidade. Em termos nominais S1=S3=S4, mas devido ao efeito da inflação o valor real de S4 é inferior.

Ou seja, introduzindo inflação no sistema, voltamos a um equilíbrio semelhante ao do de(T2, S2)
Apesar das simplificações, esta não é uma situação apenas teórica. A economia vive ajustamentos a todo o momento. O primeiro grupo de gráficos nunca chega a existir efectivamente: a economia é demasiado dinâmica para conseguir estar em equilíbrio em qualquer ponto do tempo. O que presenciamos em Portugal nos últimos 5 anos, e que continua hoje, é um ajustamento em grande escala. Este ajustamento tem sido dificultado pelo facto de Portugal ter uma inflação baixa. Uma inflação de 3% nos últimos 4 anos teria permitido um dos ajustamentos necessários (o salarial) sem os problemas políticos causados pela tentativa de fazer o ajustamento pelo lado nominal.

1) a divisão entre estes dois efeitos depende do declive das curvas, mas não vale a pena discutir isso aqui
2) falamos aqui, ainda, de desemprego voluntário
3) ancoragem nominal, a dificuldade das pessoas em aceitarem perdas nominais (sentirem mais uma diminuição de salário do que um não aumento). Vêr mais aqui
4) Represento aqui uma rigidez absoluta. As conclusões seriam as mesmas se a curva não tivesse declive zero, mas um declive inferior ao anterior
5) Note-se que as ineficiências não se restringem ao mercado do produto P e respectivo mercado de trabalho. Em economia, as ineficiências num sector espalham-se a oturos pelo mecanismo de preços, mas não irei tratar dessas consequências aqui
6) Na realidade, a amplitude do efeito no mercado de bens tenderá a ser inferior ao do mercado de trabalho, porque o empresário optará por baixar preços, baixando as suas margens. Mas, como notei no princípio estamos aqui a ignorar a contribuição do facto capital.


1 comentário:

Anónimo disse...

Se em vez da palavra 'salários' constante nos gráficos se substituir pela palavra 'custo materias primas' o resultado vai dar o mesmo.
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Isto é, se se partir do pressuposto que à queda na procura de um bem não se pode baixar certos tipos de custos (materias primas e salarios) o empresário tem duas ou três soluções possiveis:
a) ajustar a quant. de trabalho em função das novas quantidades vendidas. Despedir portanto.
b) inovar e distinguir-se em qualidade de serviços para justificar poder aumentar preços de venda e manter as margens.
c) poupar nos outros custos.
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A solução que os liberais tem defendido é que os salários possam ser reduzidos e encontrar por essa via o equilibrio. Eu acho que não.
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Que o equilibrio é obtido despedindo quem está a mais e/ou melhorando ou acrescentando mais valor aos produtos. Os gringos funcionam assim. A uma queda na procura despedem quem tem de despedir, reduzem os custos portanto, e voltam a contratar quando precisam.
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Argumentam tambem que se os salarios pudessem baixar que o desemprego diminuiria. A lógica é a mesma. Acreditam que um empresário mantem dois pelo preço de um. Eu acho que não, novamente. Os empresários não agem assim. E não agem porque tomam opções. Seguram sempre os melhores trabalhadores. No caso portugues em 70% do emprego está em micro empresas com dois e tres trabalhadores o empresario despede um (o menos competente) mas não quer baixar o salarios aos outros dois precisamente porque tem receio que eles se pirem.
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Portanto, a matematica não funciona para a actiidade humana como os liberais pensam que funciona.
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Anyway, CGP, esta estória da Inflação para minorar os impactos de um ajustamento cheira-me a keynesianismo. E funciona, pois claro. O que convém é não abusar demasiado tempo dessa politica. É boa politica se usada nos tempos certos e para evitar males sociais maiores, mas deve ser desfeita mal a economia dê sinais de retoma.
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A Europa fez tudo ao contrario. Achavam que podiam converter trolhas em agentes de exportação de sapatos. O resultado foi o que se viu. Um aumento no desemprego de mais 100% num espaço de tres anos.
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O motivo é simples de explicar: ao contrario do FED e do Banco Central de Japão, o BCE não tem por missão controlar o desemprego e por isso não toma medidas para manter a procura agregada estável. Como o desemprego aumentou drásticamente (procura) e os salários foram ligeiramente reduzidos, a inflação cavalgou para baixo. Chegando mesmo à deflação. Com deflação ninguém investe. Ninguém mete dinheiro ao preço de hoje para vender mais barato amanha.
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Rb