A C. vende bolos nesta praia há mais de quarenta anos. Ela já vendeu bolos às crianças que são agora avós dos seus clientes mais novos. Nunca houve problemas. Por isso, ela anda indignada. Com a ASAE. Que não lhe deixa vender bolas com creme, pastéis de nata, tartes, até batatas fritas, "porque eles dizem que rançam".
Ontem, a C. parou o carro três minutos no meio do areal para desabafar comigo. Quem faz cumprir a lei é a capitania, e o comandante não lhe dá descanso. Manda a polícia marítima atrás dela. Os polícias até lhe abrem as bolas de berlim para ver se têm creme lá dentro.
Há dias, no centro de saúde, conheceu a senhora que vende bolos na praia da N., uma praia vizinha e rival situada 15 quilómetros mais ao norte. É ela, a filha e duas cunhadas. Que não, disse a senhora, que lá na N. vendiam de tudo na praia, bolas com creme, pastéis de nata, tartes e até batatas fritas.
Ora, sendo o comandante da capitania o mesmo nas duas praias, a C. não podia compreender tal injustiça.
"A senhora até me disse - continuou a C., a voz rasa de indignação -, ele que vá lá para a N. proibir a gente de vender bolas com creme, e a gente matamose-o".
E, depois de uma breve pausa, como que se dando conta de que tinha cometido algum erro, corrigiu:
"Não, a senhora não disse matamose-o. Disse comemose-o".