30 novembro 2007

tudo na mesma


"(...) toda esta tropa de formados [em Direito] saía da Universidade a levantar e acender [discórdias] nas Cidades, nas Vilas e nos Lugares".

(D. Francisco de Lemos, reitor-reformador da Universidade de Coimbra, explicando à rainha D. Maria I em 1783 porque é que a diminuição do número de alunos de Direito subsequente à reforma do Marquês não era necessariamente um mal para o país)

o retrato

Outro enorme problema que apoquenta, tortura, ensandece os nossos candidatos a bastonários da Ordem dos Advogados é o retrato do Dr. José Miguel Júdice (ou apenas «Miguel Júdice», como, ontem, no debate da TSF, um deles insistia em chamar-lhe). Parece que é da praxe na instituição colocar retratos dos ex-bastonários na paredes da sede da Ordem, e que o Dr. Miguel Júdice terá declinado essa honraria, por se ter zangado com o seu delfim e sucessor, o Dr. Rogério Alves. Todavia, o Dr. Marinho Pinto afiançou que, caso venha a ganhar a eleição, lhe colocará as pilosas faces nas paredes da instituição, quer ele queira ou não queira, porque «a História não se apaga!», como enfaticamente declamou. Siderado, o Doutor Menezes Leitão, para quem não saiba outro candidato ao lugar, acusou o truculento causídico de desrespeitar os mais sagrados «direitos de personalidade», no caso, os do Dr. Miguel Júdice e das suas faces. A questão mereceu circunspectos comentários de todos os intervenientes, e será certamente, a par com o outro magno problema da concorrência desleal dos jovens licenciados em Direito, um dos pontos programáticos mais importantes do próximo mandato.

29 novembro 2007

câmara corporativa

O que seria normal numa sociedade aberta e de livre concorrência, era que os profissionais mais jovens, aqueles que se iniciaram há menos tempo numa profissão, receassem a competição qualificada dos profissionais mais velhos, há mais tempo instalados, com mais conhecimentos técnicos e profissionais, e com clientela estabelecida no mercado. Em Portugal, é ao contrário: são os profissionais mais velhos que receiam a concorrência dos mais novos e inexperientes. E, para a combater, organizam-se em Ordens profissionais, e impõem estágios e exames eliminatórios aos que querem aceder à profissão. Com isso, dificultam-lhes, atrasam-lhes ou mesmo impedem-lhes a entrada nas profissões que tutelam, melhor dizendo, que controlam. Tudo isto, com certeza, com o alto patrocínio e a conivência do Estado.

ordem dos advogados

Lamentável espectáculo, o que deram hoje, no Fórum TSF, os candidatos a bastonários da Ordem dos Advogados. Para além de não se terem conseguido respeitar reciprocamente, com interrupções permanentes uns aos outros e alguns insultos à mistura, a única coisa que parece preocupar aquela gente é o acesso dos jovens licenciados em Direito à profissão. Por isso, todos querem, com a curiosíssima excepção do candidato marxista-leninista-maoísta Garcia Pereira, o único a propor como critério de selecção a escolha do mercado, exames, exames e mais exames aos, é sempre bom frisar, como eles licenciados em Direito. E se, durante uns anos, os responsáveis pela Ordem ainda disfarçavam com argumentos de «exigência» e «rigor», agora já dizem claramente que há advogados «a mais» e que é necessário impor limites, ou quotas, isto é, cartelizar o mercado. Que competência tem esta gente para avaliar conhecimentos universitários (não conhecimentos profissionais, note-se, porque, obviamente, quem nunca exerceu uma actividade profissional não pode ser avaliado sobre ela) e, em consequência, limitar o acesso a uma profissão de pessoas com o mesmo curriculum académico, quase sempre igual ao dos avaliadores (por vezes, até superior, no caso dos candidatos que tenham feito mestrado), é que gostava de perceber. É por estas e por outras, que Portugal é um eterno atraso de vida. Em Espanha, por exemplo, qualquer licenciado em Direito pode exercer a profissão de advogado, independentemente de estar ou não inscrito na Ordem. Em Portugal, o estágio já vai em dois anos e meio. Ao que parece, segundo os distintos candidatos, ainda é pouco.

P.S.: não compreendo, francamente não consigo entender, o entusiasmo do CAA com o candidato Marinho Pinto, inequivocamente o mais corporativista de todos, ao ponto de querer fixar numerus clausus para o acesso à advocacia.

o dono do chicote

Infelizmente, o Pedro Arroja tem razão: aos portugueses o que lhes interessa é saber quem é o dono do chicote, isto é, quem manda nas instituições, profissionais, políticas, associativas, ou outras, em que estão envolvidos. Enquanto se pressente que o sujeito A, ou o sujeito B, tem o chicote na mão e pode, por isso, desferir sobre o lombo de qualquer um uma valente arreada, o cidadão português amocha e tece os maiores elogios ao chefe, faça ele o que fizer. Se intui que o dito cujo vai perder o comando, ou, pior ainda, se se apercebeu de que ele o perdeu mesmo, rapidamente o passa a desconsiderar e, onde via um tipo bestial, passará a ver uma inequívoca besta. Não por acaso, mas por necessidade de esclarecer o bom povo português, o slogan do Estado Novo era «quem manda, quem manda, quem manda?». E, à pergunta três vezes repetida, não fosse alguém não a ter percebido, a resposta era linear: «Salazar, Salazar, Salazar!».

Veja-se, sobre isto, e como exemplo mais do que perfeito do carácter do povo português, o caso de Jardim Gonçalves. Enquanto foi, inequivocamente, o «dono» do BCP, era um génio e um talento sem par. Quando começou a passar a pasta, transformou-se imediatamente num «velho» inoportuno, que já a devia ter largado há muito. O homem tem, desde que largou o chicote, o destino traçado: por mais que resista, acabará escorraçado pelos «seus» (como foi imediatamente pelo seu delfim) e não ficará dele memória no banco que fundou, dirigiu e transformou na maior instituição financeira privada do país em menos de uma década. O carácter nacional é assim. O Pedro Arroja tem razão. Infelizmente.

exemplar

A entrevista de Pedro Marques Lopes a Zita Seabra sobre o 25 de Novembro e o envolvimento da então dirigente do Partido Comunista nesses acontecimentos, que o 31 da Armada editou, é verdadeiramente impressionante. Não propriamente pelos acontecimentos relatados, mais ou menos do domínio público, mas pela lição de História viva do nosso país para que ele nos transporta.

Encurtando explicações: Zita Seabra, hoje uma mulher tranquila, social e profissionalmente bem sucedida, politicamente integrada num partido conservador do qual é, de resto, dirigente, conta-nos que, há trinta anos, já uma mulher feita, racional e consciente, aguardava ordens e armas para ela e os militantes comunistas que controlava (ela era uma «controleira», porventura a mais importante, da estrutura juvenil portuguesa do Partido Comunista), fazerem uma revolução comunista e instalarem um regime de tipo cubano em Portugal. Dessa revolução teriam resultado, sem dúvida alguma, muitos mortos e uma tragédia de dimensões muito difíceis de calcular. O país não teria evitado uma guerra civil e, caso a «revolução» tivesse triunfado, não sabemos por quantos anos teríamos tido uma ditadura comunista.

O que impressiona em tudo isto é, repito, a lição de História viva do nosso país que dali se retira. Não conheço muitas democracias europeias que tivessem resolvido, de forma tão exemplar como a nossa, as suas tensões interiores, superado os seus traumas e dramas humanos, e passado uma esponja sobre o pior do seu passado recente, de modo a que as pessoas das mesmas gerações que viveram e protagonizaram os acontecimentos mais dramáticos, continuassem a viver tranquilamente umas com as outras. Em Espanha, em Inglaterra, em Itália, na Alemanha ou em França, dificilmente Zita Seabra seria o que é hoje, independentemente dos seus muitos e reconhecidos méritos e qualidades pessoais e profissionais.

Num período de muito poucos anos, o nosso país absorveu e sublimou os traumas do Estado Novo, da Guerra Colonial, da Descolonização e do PREC. Portugal é, de facto, um país tolerante, onde, apesar do Estado e os seus sucessivos governos não terem ajudado, as pessoas se conseguiram entender entre si. O que demonstra que, apesar de tudo, os indivíduos são quase sempre mais sensatos do que as instituições que os governam.

28 novembro 2007

cilindra


No livro que publicou recentemente, Alan Greenspan (Presidente do Fed, 1986-2006) dedica um capítulo inteiro à América Latina. Lembrando as origens ibéricas dos países latino-americanos, aquilo que mais intriga Greenspan é o populismo típico desses países e a forma como neles é encarada a democracia.

Enquanto nos EUA - diz ele - quando um Presidente e uma maioria são eleitos, a maioria trata com respeito os direitos da minoria; na América Latina, pelo contrário, quando um Presidente e uma maioria são eleitos, a maioria cilindra os direitos da minoria.

Esta é a tradição ibérica - a figura do Marquês de Pombal vem logo ao espírito - a qual torna o Estado de Direito democrático uma utopia nos países de tradição católica. Nestes países não se reconhece poder absoluto à lei, só se reconhece poder absoluto a homens - à imagem do Papa.

As leis são feitas para quem não tem poder, ficando aqueles que o possuem sempre isentos delas. O Direito Administrativo não está lá para outra coisa - para dar sempre razão a quem está no poder. E a multiplicidade e complexidade do sistema legal destes países é também um meio para aqueles que têm poder se isentarem do cumprimentos das leis, dando a aparência que se submetem a elas. A tradição jurídica destes países não pode ser levada a sério.

Greenspan também considera que o capitalismo na América Latina não existe senão como esboço. Não existe na América Latina nem nos países ibéricos que lhe deram origem. O sistema económico adequado à cultura destes países é o sistema corporativo, não o sistema capitalista. E a cultura não vai mudar.

de aviário


Num post anterior, o rui a. defendeu que não é possível ser liberal sem ser, até certo ponto, também conservador. E que um liberal em Portugal - ou em qualquer outra parte do mundo - não pode ignorar as tradições e as instituições que ancestralmente formaram a sua cultura, referindo-se, em particular, à Igreja.

Portugal é uma nação com quase nove séculos, e antes da nação se ter constituído já tinham vivido milhões de pessoas no seu território ao longo dos milénios precedentes. Muitas dessas pessoas - senão mesmo a maioria - possuiam o ideal de liberdade e muitas gerações antes de nós deram passos para o realizar. Houve também alguns recuos. Existe, portanto, uma tradição de liberdade na nossa cultura e essa tradição desenvolveu-se com as instituições que ao longo de muitos séculos nos serviram e aos nossos antepassados - e uma das principais foi a Igreja Católica.

Não é possível realizar a liberdade contra as nossas tradições e as nossas instituições. A tarefa de um intelectual que tenha a liberdade em grande apreço é, em primeiro lugar, a de conhecer como esse ideal surgiu e foi desenvolvido na sua cultura. Ao fazê-lo, ele vai encontrar-se com a moralidade cristã e com o pensamento católico. E só depois de compreender o conceito católico de liberdade, ele estará em condições de dar as primeiras contribuições ao desenvolvimento do pensamento liberal de uma maneira que seja útil e relevante.
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Provavelmente, um dos fenómenos mais significativos da blogosfera portuguesa é o número de liberais que ela possui - e alguns até se disputam entre si sobre quem é mais liberal. A intelectualidade portuguesa com pretensões é dada a estes fenómenos. Há 30 anos era de esquerda e com sangue árabe. Agora, é predominantemente judaica e liberal.
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Fica-se, por vezes, com a sensação que a generalidade dos liberais portugueses inventaram o ideal de liberdade. É preciso que se diga, no entanto, que, quando eles nasceram, o ideal de liberdade já cá andava há muitos séculos, e que o pensamento dos padres da Igreja - durante muito tempo praticamente os únicos letrados que existiam no país - foi decisivo para o seu desenvolvimento. Seria, na realidade, pouco provável que a humanidade tivesse ficado à espera até ao século XXI para que em Portugal alguns liberais de aviário viessem ensinar-lhe o que era a liberdade - ao jeito de quem tira coelhos da cartola.
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Aquilo que a generalidade dos liberais da blogosfera mais necessita é estudar - uma actividade a que os portugueses não são muito dados, como referi num post anterior. O intelectual português é tipicamente um homem de ideias feitas - as ideias brotam-lhe do espírito sem se conhecer muito bem a sua origem -, o que normalmente é sinónimo de preconceito. O maior é contra a Igreja. Para quem passa o tempo a salientar as vantagens das instituições privadas, teriam na Igreja o exemplo por excelência: a mais duradoura, a mais sofisticada e a mais rica de todas as instituições privadas que alguma vez existiram no mundo.

eles não vêm de paris!

Depois de me ter remetido para partes impudentemente fálicas, reacção que um psiquiatra versado em Freud o ajudaria a compreender, o Luís Lavoura anunciou, com ingenuidade e candura, que é pai de dois filhos que «nasceram por acaso».

«Por acaso», muito francamente, não conheço ninguém que tenha nascido, nem me lembro de ter visto ao longo da História da Ciência alguém que tenha defendido semelhante hipótese. Por abiogênese, isto é, por geração espontânea (o que é diferente de ser «por acaso»), havia, de facto, quem achasse que a vida podia ser criada. Alguns clássicos gregos, entre eles Anaximandro e Aristóteles, pensavam que sim. Mas era para seres insignificantes, como larvas (das frutas podres) e ratos (das fezes). Onde a teoria foi mais longe terá sido durante o século XIII, quando havia quem acreditasse que de certas árvores nasciam os gansos. Mas, em relação a bebés humanos, muito francamente, creio que ninguém defendeu, até hoje, a abiogênese.

Não querendo perder muito tempo com as teorias da causalidade, acho, contudo, que nunca é demais repetir que não há coisas sem causas. Por outras palavras, tudo são consequências dos nossos actos. Umas desejadas, outras indesejadas, umas previstas, outras imprevistas, umas inevitáveis, outras evitáveis, etc. e tal. No caso dos bebés humanos, lamento imenso ter de destruir a doce ilusão em que provavelmente o Luís Lavoura ainda viverá: eles não vêm de Paris, pendurados numa cegonha! Ainda que lhe custe a acreditar, eles nascem mesmo das relações sexuais!

nunca deram provas

Num post anterior, reiterei a opinião de que Portugal nunca deveria ter aderido ao euro - adesão que foi, na minha opinião, uma caso típico de dar um passo que é muito maior do que a perna. Como estaria hoje Portugal se não tivesse aderido ao euro?

Em primeiro lugar, convém especificar a política monetária ou cambial que teria sido seguida no caso de não-adesão. Na minha opinião, a política alternativa mais conveniente teria sido um peg ajustável. Seria tomada uma taxa de câmbio de referência face ao euro - por exemplo, a taxa de adesão de cerca de 200 escudos por euro - sujeita a ajustamentos periódicos.

A minha estimativa é a de que o euro estaria hoje cotado a cerca de 230 escudos. A inflação estaria cerca de 2 pontos percentuais acima do seu valor actual e as taxas de juro seriam entre 2 e 3 pontos percentuais mais elevadas. Estes dois factores teriam contido, em parte, o excesso de despesa e de importações que gerou o actual défice de transacções correntes.

A desvalorização acumulada do escudo em 15% - correspondendo aproximadamente à nossa perda de competitividade durante este período - tornaria hoje as nossas exportações 15% mais baratas nos mercados internacionais, e as importações 15% mais caras, contribuindo para reduzir o défice de transacções correntes. O crescimento económico seria da ordem de 3% ao ano - ligeiramente superior à média comunitária -, e o desemprego bem como a emigração estariam contidos.

A política de não-adesão ao euro possui, no entanto, um risco, cuja eliminação representa a maior vantagem da adesão. O regime de peg ajustável deixaria nas mãos dos portugueses a política monetária e cambial e teria de ser praticado com a disciplina necessária para deixar desvalorizar o escudo em cada ano somente a uma taxa correspondente à perda de competitividade da economia portuguesa face à economia europeia - cerca de 2 a 3% ao ano.
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Os portugueses nunca deram provas sólidas de se saberem governar em democracia. Não é, por isso, de excluir que, sob um tal cenário, a política cambial e monetária acabasse a ser utilizada para resolver outros problemas - como o financiamento dos défices orçamentais - lançando o país numa nova espiral de inflação, altas taxas de juro e desvalorizações consideráveis.

o socialismo faz mal à procriação

Evidentemente que o CAA tem razão: ter filhos é hoje, como foi ontem e será sempre, uma decisão eminentemente económica e absolutamente liberal. Trata-se, em primeiro lugar, de uma decisão de consciência, livremente tomada por pessoas que devem ter capacidade para a entender, e que as responsabilizará durante muitos anos.

Na verdade, quando os filhos não nascem por acaso (ou, numa versão fundamentalista, «quando Deus quiser»), como deve ser próprio de pessoas adultas, sérias e responsáveis, eles terão sempre de ser pensados em virtude do orçamento familiar e da capacidade previsível para se lhes garantir um futuro o mais estável possível. Isso custa dinheiro, cada vez mais dinheiro, e qualquer progenitor consciente tem que fazer contas à vida, caso não queira condenar os seus próprios filhos à infelicidade congénita. Só nos países miseráveis é que ter um filho é um «activo», como uma cabeça de gado para trabalhar no campo, e não um «passivo». Em síntese, se conceber um filho é uma decisão que deve depender da vontade livre de dois indivíduos, ela deve ser tomada com a máxima responsabilidade, como é próprio do exercício da liberdade.

Obviamente que um país cujo aparelho de poder absorve, pelo menos, 50% do PIB, retira parte considerável da propriedade aos seus cidadãos e, do ponto de vista liberal, diminui-lhes o poder de decisão sobre recursos que poderiam ser destinados à vida familiar. Mas há mais: se até há uns anos o Estado português admitia que parte muito substancial das despesas com os filhos (saúde, educação, alimentação infantil, etc.) fossem abatidas à colecta, actualmente os limites à dedução são cada vez mais baixos, em muito casos inexistentes. A lógica anterior estava correcta: se o Estado nos cobra receitas para as redistribuir em serviços, se entre esses serviços as condições para que os indivíduos possam criar uma família devem ter prioridade, logo, essas despesas básicas, se suportadas pelos particulares, devem ser-lhes restituídas. Não se trata de querer subsídios ou subvenções à nataliadade ou à família, mas apenas pedir ao Estado que devolva o que cobrou ou destinou a outros fins indevidamente.

Nessa medida, uma sociedade liberal, com menor intervenção estatal, estimula a natalidade e o desenvolvimento da família. A perspectiva contratual do casamento, unindo duas pessoas livres que, em pé de igualdade, passam a dispor em comum das suas vidas, foi uma conquista histórica do capitalismo, e permitiu aos homens e às mulheres organizarem livremente a família. Assim eles tenham, de facto, liberdade e propriedade para assim o fazerem.

Para os liberais mais incrédulos, vale a pena ler o que Mises escreveu sobre este assunto na sua obra Socialismo: Uma Análise Económica e Sociológica, sobretudo, a este respeito, o Capítulo IV, da Iª Parte, chamado Organização Social e Constituição Social, onde o autor contrapõe as sociedades liberais às sociedades socialistas e planificadas no âmbito da família.

27 novembro 2007

para aproximar liberais e conservadores

Michael Oakeshott é, muito justamente, o ícone mais representativo do pensamento conservador nos nossos dias.

Alguns conservadores costumam pôr em causa o liberalismo por o considerarem pouco nacionalista no ataque que faz ao Estado, já que este seria a forma da Nação se organizar e defender.

Ora, sobre o conceito de Estado-Nação escreve Oakeshott: «Nenhum Estado europeu (para não falar já das suas imitações noutros lugares do mundo) ficou sequer a uma distância mensurável do que se entende por "Estado-Nação"» (On the Character of a Modern European State, 1975).

Os liberais também não pensam de modo muito diferente, e, na maior parte dos casos, duvidam do conceito sociológico de «Nação» (como da maioria das categorias sociológicas), como não acreditam que o Estado represente melhor uma comunidade de indivíduos do que eles próprios e as instituições que podem livremente criar.

bom gosto


O The Times noticiou que Hillary Clinton mantém uma relação lésbica com uma colaboradora chamada Huma Abedin, nem mais nem menos do que a menina da fotografia da esquerda.
Seja ou não verdade, embora não tenhamos nada a ver com o assunto, é caso para dizer que a candidata presidencial tem inequivocamente melhor gosto que o marido.

26 novembro 2007

sondagens

80% (89 votos) dos leitores que participaram na nossa última sondagem pensam que em Portugal se vive hoje pior do que há dois anos. 10% (11 votos) acreditam que estamos na mesma e apenas 9% (10 votos) dizem que vivemos melhor.
A sondagem desta semana é esta: «Paulo Portas está a liderar bem ou mal o CDS?»

está instalada

Depois de um fim-de-semana prolongado que começou quinta-feira com o Thanksgiving Day, os mercados financeiros americanos regressaram hoje ao trabalho com redobrado pessimismo. As Bolsas cairam generalizadamente na América e na Europa, fazendo prever um dia ainda pior para amanhã. Más notícias do Citigroup e do HSBC - o maior banco inglês e também o maior da Europa - enervaram os mercados. O Fed anunciou que está disposto a injectar liquidez adicional no sistema bancário, significando que as dificuldades dos bancos americanos são significativas.

Na Europa continental começam a aparecer os primeiros sinais de contágio - principalmente em França. A crise do crédito está instalada. Na União Europeia, a queda do dólar está agora a provocar tensões entre Paris e Berlim, com os franceses a acharem que se deve suster a queda do dólar e os alemães a acharem que não. O euro terminou a 1.49 contra o dólar e o petróleo voltou a subir acima de $99, embora retraindo-se depois. Parece ser agora uma questão de dias até que o petróleo passe $100 e o euro 1.50 dólares.

o que deve aproximar liberais e conservadores

Caro Ricardo,

A atitude do contratualismo liberal, mormente a que é fundada no pensamento de Locke, é a de evitar juízos sobre a natureza do homem e de os reverter para o domínio da política. A questão não está, assim, em saber se os homens são naturalmente bons ou maus, ou se o estado de natureza leva ou não à «guerra de todos contra todos», mas a de determinar como podem eles defender eficazmente os seus direitos fundamentais e os que resultam dos contratos que celebram entre si. Nessa medida, para o liberalismo clássico não se suscita a questão de encontrar quem seja mais ou menos capaz de «orientar» verticalmente os indivíduos, mas a de criar instituições (sensu lato) que sejam suficientes para que eles dirimam os seus conflitos, ou sancionem quem põe em causa os seus direitos.

Em contrapartida, alguns conservadores acreditam na perversidade natural do homem. Não por acaso, quase todos os grandes filósofos clássicos eram moralistas. Hobbes, por exemplo, escreveu longamente sobre a natureza humana, e foi a partir do juízo que fez dela que propôs o seu paradigma de contrato político. Um contrato do qual a liberdade não sai particularmente favorecida, como aceitará.

Eu penso que a atitude liberal deve ir, nesta matéria, ao encontro do que escreveu Maquiavel. O que, em larga medida, facilita consideravelmente o diálogo e um entendimento, em minha opinião natural, com os conservadores. É que, para Maquiavel, os homens têm interesses, e sobre eles desentendem-se com muita frequência e, por vezes, de forma violenta. É sobre eles, por conseguinte, que faz algum sentido estabelecerem-se instituições mediadoras e soberanas. Entre elas, naturalmente, o direito, o governo e os tribunais.

Se for este o objecto do contrato social que institua a sociedade política e remova o estado de natureza, não vejo que nos afastemos de Locke e da defesa da liberdade. Bem pelo contrário. Obviamente, que sempre poderemos pôr em causa o próprio contrato social, como o fez Spooner, discutindo se ele se pode perpetuar para além da vida dos seus signatários, e se não carecerá mesmo que todos eles firmem, pela sua própria mão, o dito contrato. Estamos, como aceitará, no domínio da ficção filosófica e política (que habitualmente irrita os conservadores e transmite uma ideia um pouco pateta do liberalismo), embora ela possa ser, como qualquer utopia, muito útil para fixar parâmetros limitadores ao estatismo, sendo certo que nunca os conseguiremos verdadeiramente alcançar.

condenado

Recentemente, foi julgado um jornalista que num artigo chamou energúmeno ao Presidente da Câmara Municipal do Porto. Na sentença, o juiz absolveu o jornalista, argumentando, por um lado, que um político deve estar preparado para receber qualificações desse género e, por outro, que o jornalista agiu ao abrigo do seu direito à liberdade de expressão.

Num país protestante com um cultura verdadeiramente democrática tudo seria diferente. Quem exerce um lugar público, como o Presidente da CMP, foi eleito maioritariamente pelo povo, e é um representante do povo. Se o povo escolhe um energúmeno para o lugar, tal significa que o povo não tem capacidade para escolher e a democracia não pode, por isso, vigorar.

Portanto, a sentença seria: condenado.

não tem utilidade nenhuma

O argumento de John Stuart Mill acerca da liberdade de expressão e de debate, e que permanece até hoje o argumento clássico, só poderia partir de um autor de tradição protestante e ser praticado em ambiente protestante como a Inglaterra. Segundo o argumento, a liberdade de expressão é útil porque permite a expressão do erro o qual, em confronto com a verdade, permite à verdade sair reforçada.

O argumento pressupõe que os participantes no debate estão abertos a ouvir versões alternativas da verdade - mesmo que seja o erro - e a alterarem as suas convicções perante a evidência de uma verdade maior ou mais completa. E pressupõe ainda que ninguém está certo de ser o dono da verdade - caso contrário nunca se disporia a ouvir uma verdade alternativa ou ainda maior, e muito menos o erro.

A vantagem apontada por Mill não existe num país de tradição católica, onde cada um julga possuír a verdade. Aqui, cada um entra no debate para arruinar a outra parte a qual, segundo ele, está obviamente em erro. O objectivo do debate, por parte de cada um dos participantes, torna-se então o de amesquinhar e desacreditar o outro - e para isso vale tudo, e tudo é, na realidade, merecido porque se trata de combater o erro.

Na tradição protestante, o debate representa um processo de aprendizagem e de elevação para a verdade. Na tradição católica é uma espécie de luta de galos, cujo resultado mais certo é o de dividir as pessoas e balcanizar a sociedade. Nesta tradição o debate só é útil para aqueles que tendo por função descobrir a verdade, não estão certos de a possuír - os bispos e o Papa e, mais geralmente, a elite da sociedade. Não para aqueles a quem foi ensinada uma versão oficial da verdade e que, por isso, estão certos de a possuír.

Na tradição católica, o debate justifica-se para aqueles a quem é reconhecida a autoridade para fazer o catecismo ou redigir a sebenta. Não tem utilidade nenhuma - e é uma fonte de antagonismo - para aqueles que tudo o que até então fizeram na vida foi ler o catecismo ou estudar a sebenta.

25 novembro 2007

a sebenta

Na tradição católica, a verdade das Escrituras é interpretada pelo Papa e pelos bispos - uma elite - e depois transmitida aos leigos, de uma forma simplificada, sob a forma do catecismo. Na tradição protestante, não existe ninguém a quem seja reconhecida a capacidade para interpretar a verdade. Cada um tem de ler o original - as Escrituras - e comparar a sua interpretação com outras interpretações.

Na tradição católica, o catecismo tem o seu equivalente universitário na instituição da sebenta. Um professor a quem é reconhecida autoridade escreve aquilo que, no seu domínio do saber, é considerada a interpretação da verdade, e os estudantes são supostos absorver tudo aquilo para passar no exame, e com o mais completo desprezo - como se fosse uma heresia - por qualquer outra interpretação da verdade.

Pelo contrário, nos países de tradição protestante não existe a instituição da sebenta. O professor apresenta aos alunos uma bibliografia, frequentemente constituída por interpretações diferentes e até contraditórias sobre a verdade num certo domínio do saber. Ao contrário da tradição católica em que o estudante mais valorizado é aquele que melhor consegue reproduzir a sebenta - tomada como padrão único da verdade - , na tradição protestante o estudante mais apreciado é aquele que consegue fazer a melhor síntese das diferentes interpretações da verdade.

Nos países protestantes, perante uma opinião diferente, as pessoas reagem com abertura de espírito, submetendo-a a escrutínio e discussão racional. Nos países católicos, pelo contrário, reagem com o desdém, a ridicularização, senão mesmo com o insulto, que são as reacções próprias da inexistência de alternativas de estudo e reflexão, do preconceito sobre a posse da verdade e da estreiteza de espírito.

Dir-se-ia que os países protestantes possuem uma vantagem nesta matéria. Não necessariamente. Se a sebenta dos países católicos, como o catecismo, fôr escrita por uma pessoa, ou conjunto de pessoas, com genuína sabedoria e autoridade, ela é muito mais eficaz do que a multiplicidade de livros e artigos que são colocados em frente do estudante num país protestante para ele formar a sua opinião - algo que requer capacidade de julgamento, consome tempo, às vezes anos, e que, por isso, ele frequentemente não faz, e em que a multiplicidade de interpretações da verdade só servem para o confundir.

Um dos problemas actuais em Portugal é o de que as sebentas deixaram de ser escritas por pessoas com genuína sabedoria e autoridade - e não apenas nas universidades. O resultado é o de que as pessoas em Portugal são ainda formadas, nas diferentes esferas da vida, na tradição do catecismo e da sebenta, só que os seus autores passaram a ser os primeiros leigos que conseguiram fazer-se eleger democraticamente para as escrever. O resultado é ainda o preconceito, mas agora a pior forma de preconceito que é aquele que não tem relação alguma com a verdade.

o espectáculo que se segue


Num post anterior, comparando a cultura católica com a cultura protestante, eu sugeri que as pessoas nascidas e criadas numa cultura protestante são mais racionais. Existem vários indicadores que poderiam comprovar a afirmação. Por exemplo, comparando o número de prémios Nobel da ciência, a relação entre aqueles que foram atribuídos a pessoas de países predominantemente protestantes (América do Norte e norte da Europa) com aqueles que foram atribuídos a pessoas de países predominantemente católicos (Europa do sul e América Latina) a relação é, talvez, de setenta para um.

Ao fazer esta afirmação, eu não pretendo ser ofensivo porque não considero que a utilização da razão, em relação à emoção e ao preconceito, seja necessariamente uma vantagem Pretendo apenas significar que, perante as situações da vida, os portugueses (como os espanhóis, os brasileiros, ou os argentinos) reagem muito mais de forma irracional, emocional e preconceituosa do que os americanos, os finlandeses ou os ingleses, os quais fazem mais uso da faculdade da razão.

Para mim, a blogosfera é um meio de aprendizagem e também uma maneira de confirmar ou infirmar certas teses. Em cada cem bloggers ou comentadores, a minha estimativa é a de que não existem mais de cinco - e, em ocasiões anteriores, eu já identifiquei alguns - que consigam manter um debate racional por mais de dez minutos. A maior parte perde a cabeça ao final de cinco minutos, senão mesmo ao primeiro embate. Na realidade, quando o rui a. recentemente me considerou o maior polemista português dos últimos vinte anos, eu diria de outra maneira - um mero especialista em abanar as verdades dos pretensos intelectuais portugueses e, depois, ficar a apreciar o espectáculo que se segue de pura irracionalidade, emotividade e preconceito.

«pessimismo» conservador e «optimismo» liberal



É do senso comum que o pensamento conservador é «pessimista» e o liberal «optimista». Esta asserção é, quanto ao conservadorismo, uma presunção, e quanto ao liberalismo uma dedução. Em ambos os casos trata-se de uma atitude filosófica e antropocêntrica, com inevitáveis consequências políticas. E esta distinção é, segundo também a opinião comum, a linha de fronteira entre conservadorismo e liberalismo. Não será tanto assim, como veremos.

De facto, os conservadores costumam ter sobre o género humano uma visão pouco benévola, em boa medida fundada nas raízes cristãs do seu pensamento: o homem é pecador e só se redime em Deus, tendendo naturalmente para o mal caso não seja superiormente orientado. Daí resulta a convicção de que os homens não podem viver socialmente em liberdade plena, sem limitações que lhes sejam impostas verticalmente. Esses limites à liberdade individual terão a moral por critério e o Estado (o governo) por executor. A necessidade do Estado justifica-se, assim, para os conservadores, como forma de assegurar a convivência social. Os conservadores são, como é sabido, hobbesianos.

Já os liberais acreditariam que, em estado de natureza, os homens se conseguem entender, não obstante admitirem que não só isso possa não suceder, como até que eles possam violar os direitos alheios, isto é, a liberdade dos outros. Por essa razão, apenas por essa razão, aceitam os liberais que se institua, por contrato social, um governo que os represente e os defenda, a si e aos seus direitos. Os liberais são, como é sabido discípulos de Locke.

Em traços largos, nisto consistiria o fundamental do pessimismo conservador e do optimismo liberal. Só que os raciocínios estão incompletos e, se os analisarmos melhor, veremos que um pouco mais adiante se invertem as posições.

Porque, os conservadores são pessimistas quanto à generalidade do género humano, mas tornam-se subitamente optimistas quanto aos homens que vão desempenhar as funções de soberania. Parece que, uma vez no governo, os homens passarão a ser honestos, probos e imparciais, de modo a poderem tratar do «interesse comum» de todos, sem interesse pessoal. Santa ingenuidade, é caso para dizer! Em contrapartida, os liberais não querem um Estado amplo, um governo com muitas funções e poderes, exactamente por desconfiarem dos homens, sobretudo dos homens que dispõem de soberania exercendo-a sobre outros. Ao invés dos conservadores, face ao homem político, ao homem dotado de soberania, os liberais são muito mais pessimistas.

De modo que o critério do pessimismo/optimismo como bitola para distinguir conservadores e liberais, não serve. Como, até, talvez seja uma distinção verdadeiramente inexistente. Em qualquer dos casos, não existem falsas ingenuidades sobre a natujreza humana. Na verdade, o que os liberais dizem é que os homens, não sendo naturalmente bons nem maus, saberão tratar melhor dos seus interesses sem intermediários. Mas não duvidam que sejam necessárias instituições que lhes refreiem a ambição e os impeçam, ou castiguem, de violentar os direitos e a liberdade alheia. Nada, por isso, que seja incompatível com a existência de intituições e da soberania, tal como defendem os conservadores. Mas pouca, o mínimo possível, se faz favor.

a enveja

Num post anterior citei a pessoalização como um dos elementos principais de uma cultura ancestralmente católica, como é a portuguesa. Este traço cultural, como tudo na vida, possui os seus benefícios e também os seus inconvenientes, mas ele sugere, em primeiro lugar, que Portugal é um país que funciona melhor quando possui uma liderança pessoalizada e forte (cf. post anterior).

A cultura pessoalizada gera o espírito corporativo que é típico dos portugueses. Ponham-se mil portugueses em qualquer actividade e, mais cedo ou mais tarde, eles conhecem-se todos, almoçam frequentemente uns com outros, alguns tornam-se amigos íntimos, praticam uma certa má-língua nas costas uns dos outros - mas, no fim, em lugar de concorrerem entre si, organizam-se em corporação para irem reclamar do Estado medidas que os protejam da concorrência.

Provavelmente, um dos inconvenientes mais referidos desta cultura pessoalizada é aquele sentimento a que Camões se refere quando remata Os Lusíadas - a enveja. Claro que o português típico é invejoso - uma consequência necessária da sua cultura muito pessoalizada. Se ele se sente igual ao outro, e é até capaz de lhe dar a mão em caso de necessidade, é apenas natural que ele ressinta o sucesso do outro quando este ascende a posições a que ele não pode ascender. A má-língua, o boato, a desconfiança pela lisura de processos passam a ser os instrumentos privilegiados para dar expressão à inveja.

A inveja é um sentimento que, do ponto de vista económico e social, se pode tornar imensamente destrutivo. Conjugada com o sentimento corporativo dos portugueses, passa a ser uma combinação explosiva, se não existirem instituições que possam filtrar todos os interesses corporativos e o possam fazer à vista de todos os outros - que são, normalmente outras corporações.

A Câmara Corporativa, inventada por Salazar, foi, a este respeito, uma invenção genial. Deveríamos recuperá-la, em nome da transparência, da paz social e do progresso económico.

presidencialista

A UE primeiro e o euro, depois, trouxeram para Portugal algumas das condições clássicas que os economistas consideram necessárias, senão mesmo ideais, para o crescimento económico: estabilidade dos preços, baixas taxas de juro, um mercado aberto de muitos milhões de pessoas, diminuição e, nalguns casos, anulação de riscos cambiais, disciplina orçamental e ainda subsídios vultosos de cerca de 2% do PIB ao ano para facilitar a transição.

Não obstante, desde há sete anos, a economia portuguesa não consegue crescer senão a uma taxa que é metade da média europeia e a situação relativa de Portugal não cessa de se degradar.

O que é que está a falhar? Na minha opinião, o regime político. O regime político que saíu da Revolução de Abril de 1974 atingiu o seu limite e é hoje o principal bloqueio à expressão dos elementos criativos e empreendedores da cultura portuguesa.

Um regime presidencialista - favorecendo uma liderança altamente pessoalizada, conforme à nossa cultura - em que o Presidente possui os mais amplos poderes, é eleito por um prazo longo de sete anos, e é não-reelegível, representaria um avanço considerável para desbloquear a sociedade portuguesa e a sua economia.

o marco

Como cidadão português, eu nunca fui um adepto do euro. Nem sou ainda hoje. E faço questão de reiterar esta posição agora que o euro parece conhecer um dos seus melhores momentos face ao seu principal concorrente - o dólar.

Nas vésperas da introdução do euro, um jornal conduziu entrevistas entre vinte economistas portugueses, perguntando-lhes se eram favoráveis à adesão de Portugal à moeda europeia Apenas dois responderam negativamente - eu e o João Ferreira de Almeida. A minha posição não mudou e as razões estão, em parte, apresentadas num post mais abaixo.

Dizia-se, então, que o euro iria pôr Portugal no pelotão da frente. A verdade, porém, é que desde a adesão de Portugal ao euro, o país tem vindo a aproximar-se cada vez mais do pelotão de trás, não do pelotão da frente. Na analogia que então utilizei, era como forçar um homem frágil - Portugal - a acompanhar o recordista mundial dos 100 metros - a Alemanha. Num esforço supremo, talvez ele conseguísse acompanhá-lo durante 5 metros. Depois, caía para o lado, em colapso.

Mais intrigante, porém - mas esse era um problema dos alemães, não meu - era a questão de saber como é que um país, como a Alemanha, que possuía a moeda mais bem gerida do mundo - o marco - aceitava agora partilhar a gestão - e, no limite, perder o controlo dela -, de uma moeda comum - o euro - com banqueiros centrais de outros países que não possuíam, nem de longe, a capacidade e a disciplina dos alemães nesta matéria. A prazo, na minha opinião, os alemães iriam pagar caro o devaneio.

É o que vamos ver nos próximos meses.

Bundesbank


A crise financeira americana, mais a crise económica que se vai seguir, vai pôr seriamente à prova a União Europeia, e algumas das suas instituições, entre as quais o Banco Central Europeu e, naturalmente, o euro.

A UE-27 é uma economia razoavelmente fechada onde a maior parte do comércio internacional se faz dentro da União, e exportando apenas cerca de 8% do seu PIB. Destes, cerca de 3% são exportações directas para os EUA, e os restantes são exportações para países da Asia, do Médio Oriente, da América Latina que, na sua maioria, possuem as suas moedas ligadas ao dólar. A desvalorização persistente do dólar nos últimos meses está destinada, por isso, a afectar negativamente negócios exportadores da UE de montante anual superior a um trilião de dólares, equivalentes à produção anual da oitava maior economia do mundo - a Espanha. É apenas natural que os interesses afectados não fiquem quietos.

A primeira forma de pressão já está a ser exercida sobre o BCE no sentido de não consentir na valorização contínua do euro. Como argumentei em post anterior, no limite, esta política, resolvendo embora problemas de competitividade de curto prazo, levaria à importação da crise financeira americana para a Europa, reduziria a qualidade do euro para o nível que agora tem o dólar e, a prazo, produziria uma violenta recessão, como aquela que agora ameaça os EUA.

Na prática, vão defrontar-se dentro do BCE duas filosofias de gestão de um banco central. Por um lado, a filosofia do Bundesbank, segundo a qual um banco central tem apenas como objectivo garantir a estabilidade do poder de compra da moeda. Segundo esta filosofia, o euro valorizará aquilo que tiver que valorizar, segundo as condições do mercado, e constitui pecado mortal o BCE intervir no mercado cambial comprando dólares e inundando o mundo de euros (excepto, obviamente, em situações de catástrofe iminente).

Do outro lado, está a filosofia dos bancos centrais do sul da Europa (França, Itália, Espanha) que consideram que, para além do objectivo de garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, o banco central também deve atender à conjuntura económica, designadamente ao crescimento económico e ao desemprego. Esta filosofia favorece a intervenção do BCE nos mercados cambiais para evitar a apreciação contínua do euro e a queda do dólar.

Esta segunda filosofia tem como aliado de peso o Fed americano, o qual também prossegue a dualidade de objectivos. O actual presidente do BCE é francês. Se esta filosofia prevalecer, eu não ficaria surpreendido de ver a Alemanha a abandonar o euro - o que seria o princípio do seu fim. O primeiro grande teste ao BCE e ao euro está agora aí.

uma mentalidade

«Desculpem mas regionalizações não é comigo. Antes pelo contrário. Se pudesse acabava com a regionalização das regiões autónomas , uma fonte de despesa INJUSTIFICÁVEL. Centenas de tipos a viver no bem bom por nossa conta...»

«Para mim o Rui Rio Faz bem. Só os desatentos não vêm as tropelias que o próprio governo de Sócrates lhe tem movido directamente e através de insuspeitos nortistas...
Faz bem o Rui Rio em cumprir aquilo que prometeu. É um exemplo a seguir pelos outros. Dá confiança aos portuenses e não só. Falas baratos e mentirosos estamos todos fartos presidente de câmara não tem que andar contra ninguém para defender os interesses da sua região. Os capitalistas do norte os seus banqueiros é que são uma merda pegada isso sim. Nada sabem fazer...»

Dois comentários de um leitor anónimo, a este post sobre a crise do Norte e as responsabilidades políticas que nela tem o Presidente da Câmara do Porto. O que vale a pena aqui salientar não é exactamente o conteúdo dos comentários, mas a mentalidade que eles revelam: o padrão médio do cidadão de direita em Portugal é centralista, não gosta de empresários (sobretudo dos mais prósperos, os «capitalistas»), tem sempre uma explicação alheia para os defeitos próprios e, sobretudo, venera irracionalmente o chefe. Em suma, o homem médio da direita portuguesa é socialista.

irresistível

Em 1973, o território era talvez 30 vezes maior, contando com as colónias, e o país tinha apenas 300 mil funcionários na Administração Pública. Hoje, que é 30 vezes menor, tem 750 mil. O que é que explica esta atracção irresistível dos portugueses, nos últimos trinta e poucos anos, pelos empregos no Estado? O principal factor são os salários.

Enquanto até 1974 era geralmente reconhecido que os funcionários públicos eram mal pagos face aos empregados no sector privado, hoje a situação é radicalmente diferente. O trabalhador português empregado no sector privado ganha, em média, 800 euros por mês. No sector público, ganha 1450.

tempos de crise

Anda por aí um animado debate sobre a crise do Norte e do Porto, como se a coisa fosse recente, tendo mesmo chegado a realizar-se, há uns dias, um alargado debate sobre as suas causas e origens.

Certamente que não será possível encontrar uma explicação única para um problema tão complexo, sendo que a falta de poder de decisão local - que uma verdadeira regionalização política teria permitido -, impediu que se fixassem e gerissem localmente recursos, em vez de os deslocalizar para o Estado central, como sucede.

A centralização é, porém, a matriz fundacional da nossa contemporaniedade política, pelo que não é de estranhar que ela se tenha acentuado numa república instituída por uma Constituição socialista.

Mas há, todavia, um facto importante que, nos últimos anos, tem agravado a situação: a ausência quase total de protagonismo político do Presidente da Câmara Municipal do Porto, o Dr. Rui Rio, uma absoluta vacuidade política.

Efectivamente, num país centralizado e sem instituições políticas locais, a única instituição com poder no Porto é a Câmara Municipal, em particular, a sua Presidência. Ela era, desde o 25 de Abril, o centro de afirmação do poder do Norte e de demarcação política perante Lisboa, o mesmo é dizer, o Estado central. O Dr. Rui Rio, convencido que essa tensão era sinónimo de provincianismo e de bairrismo serôdio, resolveu acabar com ela. Disse-o, aliás, publicamente, assim chegou ao poder.

Se hoje o Porto e o Norte não têm qualquer protagonismo político no país e, em razão disso, vêem cada vez mais recursos a serem-lhe sugados pelo centralismo, em boa medida isso lhe é devido.

24 novembro 2007

mais criativa


A cultura católica, face à cultura protestante, é
mais pessoalizada,
mais flexível
mais tolerante,
mais solidária,
mais inclusiva,
mais criativa,
mais livre,
mais hierárquica,
mais espontânea,
mais autoritária.

Pelo contrário, a cultura protestante, face à cultura católica, é
mais disciplinada,
mais racional,
mais democrática,
mais responsável,
mais organizada,
mais aplicada ao trabalho,
mais informal,
mais independente,
mais previsível,
mais igualitária.

agradecimentos

A todos quantos referiram o segundo aniversário do nosso blog. Sem querer esquecer ninguém, pedindo desculpa no caso disso suceder, aos nossos amigos do Blasfémias, do O Insurgente, do Nortadas, do Avenida Central (cujo link, inexplicavelmente, não estava na nossa coluna da direita: as nossas desculpas, Pedro), do Eclético (obrigado, Margarida, pelo Torga), do O Observador, do A Arte da Fuga (ainda havemos de fazer uma tendência na blogosfera, caro Adolfo...), do Blue Lounge (para quando uma joint venture, caro Rodrigo?) e do Faccioso, onde continua o meu velho camarada António Torres. Os agradecimentos são naturalmente extensivos a todos os leitores que nos felicitaram nas caixas de mensagens, bem como a todos os outros que aqui nos têm aturado, a mim e ao Pedro, e que são, inexplicavelmente, em número cada vez maior. Um muito obrigado a todos, dos dois autores do Portugal Contemporâneo.

ofensiva

A pressão vinda da UE para o Estado em Portugal reduzir o défice orçamental e aquela outra que, por via da concorrência, é exercida sobre as empresas privadas são, em ambos os casos, pressões para que a produtividade no país seja melhorada - e se produza mais pelo mesmo custo, ou se produza o mesmo a mais baixo custo. E com um número crescente de empresas portuguesas - incluindo bancos - a serem detidas por empresas estrangeiras, essa dupla pressão passa a revestir a forma de procedimentos e comportamentos tendentes à melhoria da eficiência económica, e que são normalmente importados dos países do norte da Europa.

Existe certamente em Portugal, desde há pelo menos dez anos, uma ofensiva de valores que são típicos dos países predominantemente protestantes do norte da Europa e da América do Norte e que estão a ser forçados na cultura nacional em nome da melhoria da produtividade e da eficiência económica, mas que estão a causar um choque cultural que deve parecer óbvio àqueles que observam a evolução recente de instituições tão importantes como a família, a religião, a justiça, os sistemas de educação ou de saúde.

Vai Portugal, um país de cultura predominantemente católica, absorver esses valores, ou, tendo aguentado a pressão durante alguns anos, acabará por rejeitá-los? Por outras palavras, vingará a tese de Fukuyama do fim da história onde todos acabaremos passivamente iguais uns aos outros, e vergados aos valores triunfantes da cultura judaico-protestante do norte da Europa e da América do Norte, ou acabaremos por resistir e repeli-los?

A resposta a esta questão não é fácil, mas eu tendo a inclinar-me para a segunda alternativa - ou, pelo menos, para um compromisso entre as suas - e considerar que esses valores, em parte, acabarão por ser rejeitados. Para já, a evidência em Portugal é a de que esses valores impostos em nome da eficiência económica, não têm contribuído para melhorar a produtividade. Pelo contrário, ao longo dos últimos dez anos, a produtividade em Portugal tem crescido de forma sistemática abaixo da média europeia.

Em lugar de contribuirem para a melhoria da produtividade, os valores culturais importados do norte da Europa têm lançado as instituições portugueses naquilo que me parece ser um estado generalizado de desorientação nuns casos (v.g., educação, saúde, religião) e de desagregação noutros casos (v.g., família, justiça) - estados que não são favoráveis ao crescimento da produtividade, mas à sua diminuição. Portugal vive em recessão há praticamente sete anos, a mais longa de que há memória, a ponto de os portugueses parecerem resignados a ela.

O problema não é de resolução fácil, porque - no meu diagnóstico - não é um problema técnico que um qualquer economista possa resolver. É um problema cultural, cujas soluções são de natureza política. As dificuldades económicas da recessão - e que serão prolongadas pelos próximos anos - acabarão por gerar a pressão necessária à mudança, que será, em parte, uma mudança em jeito de rejeição e à procura de um compromisso aceitável.

A menos


Os EUA posuem o maior défice de transacções correntes do mundo ($792 biliões; 6.8% do PIB). A Espanha é segundo ($83 bl.; 7.8% do PIB) e Portugal é nono no mundo ($17 bl; 9.8% do PIB). Na União Europeia a 27, Portugal - exceptuando Malta - é o país com o maior défice em percentagem do PIB, e a Espanha segue próxima.

Um país, como os EUA, que emite uma moeda que serve de reserva internacional, pode financiar pela emissão monetária um défice de transacções correntes significativo durante muitos anos até ao dia em que, em virtude do abuso, verá a sua moeda começar a desvalorizar, como tem sucedido ultimamente ao dólar.

Mas como poderá um país como Portugal, ou mesmo a Espanha, financiar um tal défice que, em termos do PIB, é ainda mais significativo, se ele não emite moeda? Se existisse o escudo, ele já teria desvalorizado. A desvalorização corrigiria o défice de várias maneiras. Primeiro, tornava mais caras as nossas importações - reduzindo-as - e mais baratas as nossas exportações no estrangeiro - aumentando-as. Em segundo lugar, importando Portugal cerca de 40% daquilo que consome, o encarecimento das importações levaria a um aumento da inflação e das taxas de juro, travando generalizadamente os gastos dos portugueses.

A conclusão a tirar é a de que o euro tem permitido a Portugal viver acima das suas possibilidades. Não estando disponível a opção da desvalorização, a única maneira de corrigir a situação é, para o nível actual de salários em Portugal, a produtividade aumentar no país a uma taxa mais rápida do que na UE, de longe o nosso parceiro comercial mais importante, representando cerca de 80% das nossas exportações e importações. Mas tal não tem acontecido. Ainda esta semana foram divulgados os números do crescimento da produtividade na UE para 2006. Em média, na UE-27 a produtividade cresceu 1.4%; em Portugal, apenas 0.6%, a segunda mais baixa de todas. Em 2005 o panorama não tinha sido melhor: 1% na UE-27, 0.5% em Portugal - e esta situação ocorre desde há vários anos a esta parte.

Então, só resta uma saída: os salários vão ter de baixar em Portugal para que a competitividade internacional do país possa aumentar. Para que os salários baixem é necessário, em primeiro lugar, que se gere uma situação de excesso de oferta no mercado de trabalho, significando que o desemprego no país está destinado a aumentar também. O aumento do desemprego levará ao aumento da emigração e é por aqui que se paga, em parte, o facto de os portugueses terem andado a viver, ao longo dos últimos anos, acima das suas possibilidades: um número crescente de portugueses vai agora para o estrangeiro trabalhar para aqueles que nos andaram a sustentar.
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Por outro lado, só tem sido possível ao país viver acima das suas possibilidades, comprando ao estrangeiro mais do que aquilo que lhe vende, ou porque o estrangeiro lhe dá dinheiro - como tem sucedido por parte da UE - ou porque lho empresta. E, na realidade, os portugueses - Estado, empresas, particulares - têm-se socorrido cada vez mais do crédito concedido por estrangeiros, seja indo buscá-lo lá fora, seja endividando-se junto de um sistema bancário onde a presença de bancos estrangeiros é cada vez mais notória. Nos casos em que os empréstimos não são reembolsados - e isso está a acontecer com frequência crescente - são os estrangeiros que ficam com a propriedade dos portugueses: empresas, quintas no Douro, casas de habitação. É também por esta via - a segunda - que os portugueses pagam aos estrangeiros o facto de, durante anos, terem andado a viver à custa deles: entregando-lhes as suas propriedades.
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As perspectivas não são, portanto, animadoras para os nacionalistas. Ou a produtividade aumenta drasticamente no país - e ela não dá sinais de o fazer -, ou então cada vez mais portugueses vão emigrar para o estrangeiro, sendo substituídos, em parte, por imigrantes vindos de África, da Europa de Leste e do Brasil, ao mesmo tempo que a propriedade em Portugal - empresas, quintas no Douro, montes no Alentejo, casas de habitação - serão cada vez mais possuídas por estrangeiros. Em Espanha a situação não vai ser diferente. A menos que um surto de nacionalismo desperte no país.

depende criticamente

Qual o efeito directo que a crise dos empréstimos de segunda qualidade nos EUA poderá ter sobre a economia portuguesa? Por via directa, o efeito é praticamente nulo. Cerca de 80% dos comércio internacional português é hoje feito com os países da União Europeia e apenas 4% com os EUA - representando este pouco mais de 1% do PIB do país.

Para que a crise americana afecte Portugal ela vai ter primeiro de se instalar na Europa (a porta de entrada mais provável é a Inglaterra) e isso depende criticamente da política seguida pelo BCE. Como referi no post anterior, é pouco provável que o BCE aceite o contágio da crise aos países da zona euro, pelo que os efeitos em Portugal estão destinados a ser menores. A excepção é se ocorrer um crash do dólar mas, neste cenário, serão afectados todos os países do mundo.


BCE

A crise dos empréstimos de segunda qualidade tem sido, até agora, uma crise predominantemente americana e britânica. Na Europa continental e na Ásia, embora alguns efeitos se façam sentir no incumprimento de empréstimos bancários e na consequente contenção do crédito por parte dos bancos, não são conhecidos casos de bancos em dificuldades sérias.

Durante o próximo ano, os efeitos que a crise anglo-americana poderá vir a ter na Europa dependem criticamente da reacção do Banco Central Europeu (BCE) à evolução de uma variável chave - a cotação do dólar face ao euro. Em princípio, o BCE tenderá a trilhar um caminho definido por uma linha fina entre duas posições extremas, embora muito mais chegada a um dos extremos do que a outro.

Uma posição extrema é a de o BCE deixar seguir a tendência de desvalorização do dólar que o mercado tem vindo a ditar, mantendo-se atento à desvalorização, mas sem nunca interferir no mercado, suportando o dólar. A segunda posição extrema é a de o BCE fixar uma cotação do dólar em relação ao euro (por exemplo, 1.50), a partir da qual intervém no mercado, não permitindo que o dólar desvalorize mais, ou o euro valorize mais, a partir desse nível.

Ambas as posições extremas têm vantagens e inconvenientes, e as vantagens de uma são os inconvenientes da outra. O principal benefício da primeira é o de que, recusando-se a intervir no mercado em defesa do dólar - intervenção que se traduziria na compra de dólares contra a emissão de euros saídos da máquina impressora - o BCE evita que a crise americana, que foi motivada por uma expansão descontrolada do crédito, contagie a Europa. Na realidade, a emissão de euros necessária para suportar o dólar nos mercados cambiais em breve provocaria na Europa uma expansão descontrolada do crédito e uma crise bancária semelhante à americana. O principal inconveniente desta posição extrema é o de que ao consentir na desvalorização do dólar, e na valorização do euro, o BCE aceita, pelo menos temporariamente, uma perda de competitividade da economia europeia face à americana, reduzindo as exportações e o emprego.

Pelo contrário, na segunda posição extrema que lhe é possível adoptar - fixando um valor do câmbio a partir do qual intervém para evitar uma desvalorização adicional do dólar, ou valorização do euro - o BCE aceita contagiar a Europa com a crise dos empréstimos de segunda qualidade, protegendo embora, no curto prazo, a competividade e o emprego.

O BCE irá seguir uma linha de acção muito próxima da primeira posição, evitando o contágio na Europa da crise americana, embora aceitando no curto prazo uma perda de competitividade da economia europeia. Os efeitos desta perda de competividade sobre a produção e o emprego europeus são hoje muito menores do que em tempos anteriores. No conjunto dos seus 27 países, a UE-27 representa agora uma economia maior (PIB: $15 triliões) do que a dos EUA (PIB: $13 triliões). E do seu PIB conjunto de $15 triliões, apenas 3% é exportado para os EUA. Por isso, a desvalorização contínua do dólar terá efeitos menores sobre o PIB e o emprego europeus.
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O BCE tenderá, portanto, a deixar cair o dólar e a assistir à valorização gradual do euro ditada pelo mercado, enquanto a desvalorização do dólar se processar de forma ordenada, isto é, enquanto o dólar continuar a cair de forma lenta e sem sobressaltos. O BCE não vai, porém, tolerar uma queda brusca e violenta do dólar - um crash . Neste caso vai intervir sem hesitação, porque o crash do dólar representaria no imediato um custo inaceitável, não apenas para a Europa, mas para o mundo inteiro - uma crise financeira internacional.
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Enquanto o dólar cai e o euro sobe, a moeda europeia vai ganhando no mundo a credibilidade que o dólar vai perdendo, ocupando uma posição cada vez maior como moeda de reserva internacional - uma posição que hoje já excede um terço e tem vindo sempre a crescer. A manter-se esta tendência - e mantendo-se a UE coesa -, a Europa tenderá a conquistar aos EUA a posição dominante na economia mundial, e o euro tenderá a conquistar ao dólar a posição de moeda privilegiada de reserva do sistema financeiro internacional.

em cacos

«Escrevo este livro sem prazer. Nada pior do que ler um livro mau, excepto escrever sobre um livro mau.»

É assim que Vasco Pulido Valente começa, hoje, no Público, um extenso artigo de quatro páginas, onde literalmente desfaz o último romance de Miguel Sousa Tavares, o Rio das Flores, e, inevitavelmente, o seu autor: desde os pontapés na História, sobre a qual teria procedido a um «minucioso e exaustivo trabalho de pesquisa», ao estilo literário (com uma boa dúzia de citações de arrepiar os cabelos), não fica pedra sobre pedra.

Se, como diz Pulido Valente, for verdade que Sousa Tavares o ameaçou por causa das críticas que fizera a o Equador, depois disto não se vê o que lhe possa fazer.

ranking das universidades

A comunicação social tem dado conta da posição da Universidade de Coimbra, no ranking mundial de Universidades THES-QS, publicado pelo The Times, em termos muito elogiosos.

Hoje mesmo, O Sol, na sequência de outros órgãos de comunicação social, escreveu que a «Universidade de Coimbra foi considerada a melhor instituição nacional» nessa lista e que «aparece como a quarta melhor universidade da Península Ibérica e a terceira melhor do mundo lusófono.»

Perante tantas e tamanhas distinções, só falta dizer em que lugar foi efectivamente classificada a Universidade de Coimbra. Nós esclarecemos: em 319º lugar, ex-aequo com as Universidades de Colónia (Alemanha), Waikato (Nova Zelândia) e Tampere (Finlândia).

O ranking está aqui, para quem o quiser consultar.

23 novembro 2007

regressar ao conservadorismo

O liberalismo e o conservadorismo portugueses nunca conviveram pacificamente. Em boa medida, por deficiente posicionamento de ambos e incompreensão própria, mais do que alheia, da natureza de cada um.

O conservadorismo deixou-se arrastar para posições ideologicamente retrógradas, quando não inimigas da liberdade, da democracia e do Estado de Direito. A identificação com o miguelismo e o Ancien Régime, este entendido como um estado contrário à Constituição, marcaram o seu século XIX e deixaram herança para a centúria que se seguiu. Nesta, o conservadorismo remeteu-se para uma posição de filho menor da Igreja, com quem nunca conseguiu manter uma separação salutar, e tentou adoptar o doutor Salazar, que muito compreensivelmente nunca lhe deu excessiva importância. Nas leituras e na ideologia, os conservadores portugueses deixaram-se ficar pelo pior. Entre eles, os autores católicos franceses, como de Maistre e Maurras, e uma literatura conspiracionista em favor de uma falsa ortodoxia católica, com coisas abjectas que, em regra, culpavam os «liberais» pelas desgraças que aconteciam no Vaticano. Ir a Burke ou a Oakeshott nem lhes passou pela cabeça. Na acção política, também não fizeram nada de notável, e sempre que mexeram fizeram questão de demarcar-se do liberalismo.

Em contrapartida, a marca original do liberalismo não foi também muito saudável. Nos idos dos primórdios do século XIX, quando se iniciou o nosso percurso constitucional, o jacobinismo foi a primeira marca adoptada, logo sentida nos excessos da Constituição de 22, inspirada pela de Cádiz de 1812. O seu pendor excessivamente anti-monárquico fez com aqueles que poderiam ter protagonizado uma transição pacífica para a monarquia constitucional mantivessem sempre sérias reservas em relação ao constitucionalismo, e afastou, uma vez mais, os sectores conservadores da modernidade. Por outro lado, o fim da monarquia e a implantação da república não trouxeram melhorias ao liberalismo português, que continuou a afirmar-se por um via francesa e jacobina. E, tal como os conservadores, também os nossos liberais voltaram as costas à tradição clássica. Na relação com as instituições nacionais, o liberalismo protagonizou sempre posições radicais e revolucionárias, de ruptura, portanto.

Ora, parece evidente que o liberalismo e o conservadorismo não podem viver separados e, quando assim sucede, é porque um e outro se afastaram da sua própria natureza. Se entendermos o conservadorismo como Oakeshott, para quem ele era uma atitude política e de espírito que privilegia o evolucionismo das instituições sociais, às transformações construtivistas do radicalismo intervencionista, estamos exactamente em consonância com o liberalismo evolucionista e ordinalista de Hayek e dos clássicos. Sucede, assim, que um programa liberal para um país como o nosso, não poderá deixar de ser conservador, no sentido de que tem de contar com as instituições que fizeram a nossa ordem social secular, como a Igreja, e não deve virar costas à história, abjurando, por exemplo, a nossa tradição monárquica. Do mesmo modo que um posicionamento conservador terá de abrir-se ao mercado, isto é, ao jogo da livre concorrência em todos os domínios da sociedade e à desestatização, assim como não deve confundir sentimentos e convicções pessoais, como as religiosas, com a defesa política de instituições sociais, como a Igreja.

Penso, muito francamente, que este é o principal busílis para que liberais e conservadores portugueses se possam entender: o papel do Estado, que muitos dos nossos conservadores continuam a ter como o ponto de partida e de chegada da ordem social. Eles precisam de compreender que o conservadorismo é relativo às instituições da sociedade civil e não da sociedade política, e devem perder a admiração excessiva que habitualmente têm pelo Estado.

é provável

Apesar do fim-de-semana prolongado nos EUA (Thanksgiving), o dólar voltou esta madrugada a fazer novos mínimos contra o euro (1.4967) testando pela primeira vez o valor crítico de 1.50. A este nível, é provável alguma intervenção por parte dos bancos centrais.

dois anos

O Portugal Contemporâneo faz hoje dois anos. Principiou como um blog individual, solitário, transformou-se num arquivo dos meus post editados no Blasfémias, e regressou ao modelo inicial, algum tempo mais tarde.

Nesta última fase, de Junho para cá, passou a contar com a presença marcante do Pedro Arroja. O Pedro é, talvez, o mais impressionante polemista da comunicação social portuguesa, pelo menos, dos últimos vinte anos. No Portugal Contemporâneo não deixou de o ser, como era expectável e desejável que fosse. O blog ganhou com isso, melhor, ganhou com ele uma nova personalidade, como com ele ganham a blogosfera e a opinião publicada portuguesa.

Neste último período, também, o Portugal Contemporâneo contou com a colaboração, fugaz mas impressiva, do José Manuel Moreira, talvez o mais notável académico que cultiva o liberalismo clássico no nosso país. A presença do José Manuel marcou definitivamente este blog e honrou-nos muito.

Ao fim de dois anos (o tempo passa depressa), continuamos fiéis à assinatura original: «Diário de um país visto à distância». Se repararem, o país interessa-nos muito, mas o seu dia-a-dia interessa-nos pouco. O Portugal Contemporâneo não é exactamente um caderno diário de apontamentos de política nacional, embora não lhe fujamos, quando tem de ser. Mas é mais do que isso, julgamos nós: é um espaço livre e incondicionado de reflexão. E é assim que o queremos continuar.

22 novembro 2007

um homem como os outros?

Num comentário a este post, o Luís Lavoura refuta a minha posição sobre o poder moderador do monarca constitucional afirmando que «Rei é uma pessoa como as outras», logo, vulnerável aos jogos do poder.

Do ponto de vista anatómico, não duvido que o Luís tenha razão: os reis costumam ter cabeça, tronco e membros tal e qual o comum dos mortais. Mas politicamente, nas monarquias constitucionais, já não é assim: o rei é um cidadão sem direitos políticos, desde logo sem o ius sufragi, isto é, o direito de ser eleito para cargos públicos. Direito de que nunca poderá beneficiar ao longo da sua vida.

Evidentemente que isto, numa perspectiva excessivamente pessimista, poderá dizer pouco, não sendo garantia de que o rei não possa interferir na vida política movido por interesses próprios. Mas a experiência diz-nos o contrário. Como nos diz também que os parceiros políticos exercem uma vigilância apertada sobre todos os actos do rei, o que não sucede na república, onde o presidente tem poderes (e interesses) políticos próprios. Por outro lado, ainda que assim fosse, isso não diminuiria o argumento de que o mesmo se passa, de forma bem mais grave, nos estados republicanos. Não há, na história constitucional da III República portuguesa, nenhum Presidente da República que não tenha sido violentamente contestado: Spínola, Costa Gomes, Eanes, Soares e Sampaio. Ora, como a apreciação em causa é relativa entre os méritos e deméritos das duas formas de estado, parece que, pelo menos por este critério, a monarquia constitucional leva vantagem.