31 outubro 2007

nazis


Este miúdo julga que está na Alemanha a intimidar netos de nazis.


30 outubro 2007

não tem que se enganar



Num post anterior, salientei que antes de se tornar Papa, o cardeal Joseph Ratzinger foi Presidente da Congregação para a Doutrina da Fé. Esta é uma das nove congregações da Cúria Romana - um dos orgãos da Santa Sé - e a mais antiga.

Até 1908, esta congregação chamava-se Sacra Congregação da Romana e Universal Inquisição, às vezes também designada por Tribunal da Santa Inquisição. A partir de 1908, passou a chamar-se Santo Ofício e só em 1965, sob o pontificado de Paulo VI, adquiriu a designação actual. Joseph Ratzinger foi o seu presidente entre 1981 e 2005.
Portanto, quem desejar conhecer o rosto moderno da Inquisição Católica não tem que se enganar.

na massa do sangue

No post existe uma luta, o comentador tric lembra a situação que se vive em Espanha de tensão entre o Estado e a Igreja. O Estado laico tem vindo a afastar a Igreja da vida pública. A Igreja reagiu canonizando, no domingo passado, 498 mortos da Guerra Civil.
Porém, um dos aspectos mais salientes desta luta é a intromissão dos judeus. Sempre prontos a encontrar uma brecha por onde possam entrar e dividir, os líderes judeus de toda a Europa - no mesma semana da canonização dos mortos pela Santa Sé - reuniram-se em Madrid para lembrarem os mortos da Inquisição espanhola e, segundo eles, celebrarem o reavivar da vida judaica em Espanha (vivem em Espanha 15 mil judeus).

Esta iniciativa da comunidade judaica merece dois reparos. Primeiro, entre os grandes advogados da laicidade do Estado no Ocidente estão frequentemente intelectuais judeus, e compreendem-se as razões. Porém, o sucesso que eles tiveram em fazer triunfar as suas teses em vários Estados cristãos, não conseguiram tê-lo em fazê-las triunfar no seu próprio Estado. O Estado de Israel é o mais confessional e discriminatórios de todos os Estados de inspiração judaico-cristã.
Segundo, foi na Península Ibérica que os judeus foram melhor acolhidos e tratados ao longo de toda a sua longa história, por entre os múltiplos povos e lugares em que viveram. É claro que, mesmo aqui, acabaram por dar motivos para serem expulsos, primeiro de Espanha (1492), e depois de Portugal (1521). Mas isso foi o que eles fizeram em todos os países que os receberam durante a sua história de milénios. E que voltam agora a fazer em Espanha, mais de cinco séculos depois. Está-lhes literalmente na massa do sangue.

ver mais



Este post é experimental. Há vários meses que o Rui e eu andávamos aqui a tentar instalar a funcionalidade "ver mais", sempre sem êxito. A meio do processo havia sempre alguma lâmpada que se fundia e nunca conseguíamos concluir a tarefa.

Até que, há poucos minutos, o Rui me telefonou a dizer que, com a ajuda do Carlos Loureiro do Blasfémias, finalmente tinha conseguido. E, tendo de ir dar uma aula para a qual já estava atrasado, pediu-me que fizesse a experiência.

Eu deixei-o ir, mas não sem lhe fazer dois reparos.

Primeiro, a confirmar-se o sucesso, o mérito era devido aos meus posts sobre o Papa que, seguramente, intercedeu por nós. Segundo, que a aula não ia dar em nada, tal o estado de excitação do professor.

às armas

No último post citei o Papa Bento XVI reconhecendo que existe uma luta contra o laicismo. No post anterior citei-o em afirmações mais recentes, apelando à mobilização geral contra o relativismo ético, o positivismo jurídico e os excessos da democracia.

Não se pense, porém, que o Papa é homem para se ficar por apelos e por palavras. Na realidade, uma parte - talvez mesmo a principal - de uma certa adversidade à sua pessoa prevalecente em certos círculos é mais antiga, e vem do tempo em que ele foi presidente da Congregação para a Doutrina da Fé. Nessa qualidade, ele presidiu à comissão que elaborou o Catecismo da Igreja Católica, que foi publicado em 1993 por João Paulo II.

Este foi um trabalho admirável. Talvez pela primeira vez na história da Igreja, toda a sua doutrina, nos seus variados domínios - teológico, litúrgico, moral, político, económico, social, até no da resistência armada - era sintetizada e divulgada ao público em geral para que ficasse a saber, e para ser ensinada às crianças na escola e na catequese.

Alguns dos artigos do Catecismo não constituiram, por certo, a melhor surpresa para os adeptos do laicismo, do relativismo moral, do positivismo jurídico e do valor absoluto da democracia. Por exemplo, o artigo 2242, que vale a pena transcrever na íntegra:

"O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições são contrárias às exigências de ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências são contrárias às da recta consciência, encontra a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" (Mt 22, 21). "Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens" (Act 5, 29):

Quando a autoridade pública, excedendo os limites da sua própria competência, oprime os cidadãos, estes não se recusem às exigências objectivas do bem comum; mas é-lhes lícito, dentro dos limites definidos pela lei natural e pelo Evangelho, defender os próprios direitos e os dos seus concidadãos contra o abuso dessa autoridade (GS 74, §5).

A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas, senão nas seguintes condições: (1) no caso de violações certas, graves e prolongadas dos direitos fundamentais; (2) depois de ter esgotado todos os outros recursos; (3) sem provocar desordens piores; (4) havendo esperança fundada de êxito; (5) e não sendo possível prever razoavelmente soluções melhores".

existe uma luta


No dia em que Joseph Ratzinger foi eleito Papa, em Abril de 2005, eu estava sintonizado numa cadeia americana de televisão a observar os desenvolvimentos da Bolsa de Nova Iorque, e foi por aí que recebi a notícia. As opiniões dos analistas que foram chamados a comentar a escolha não eram muito entusiasmantes, e nalguns casos eram mesmo frias. Ratzinger era visto unanimemente como um conservador e um doutrinador estrito. Julgo também que foi mencionado o facto de a combinação que ele representava - alemão e católico - não ser propriamente a mais feliz (embora um Papa tenha de ser, pelo menos, católico).

Estes foram elementos suficientes para despertar a minha atenção sobre a vida e a obra de um homem que, ao longo dos últimos anos, somente de uma forma distante eu tinha ouvido falar. Mais tarde, o episódio de Ratisbona, viria mostrar que ele é de facto aquele tipo de pessoa que suscita alguma adversidade - por onde passa, deixa uma marca - e esse é o tipo de pessoa que eu aprecio.

Procurando alguns dos seus escritos ou entrevistas anteriores, não me foi difícil compreender as razões da adversidade. Por exemplo, em Novembro de 2004, numa entrevista ao diário italiano La Republica: "Existe uma agressividade ideológica secular, que pode ser preocupante. Na Suécia, um pastor protestante que condenou a homossexualidade baseando-se numa passagem das Escrituras passou um mês na cadeia. O laicismo já não é aquele elemento de neutralidade que abre espaços de liberdade a todos. Começa a transformar-se numa ideologia que se impôe através da política e que não concede espaço público à visão católica e cristã, que corre o risco de se converter em algo de puramente privado e, no fundo, mutilado. Neste sentido, existe uma luta e devemos defender a liberdade religiosa contra a imposição de uma ideologia que se apresenta como se fosse a única voz da racionalidade, quando é somente a expressão de um 'certo' racionalismo".

até às raizes


É a extraordinária incapacidade de um povo de cultura católica para chegar a consensos, a morte certa de toda a proposta de acção colectiva que é colocada ao debate público (cf. em Portugal, da última vez, o aeroporto da Ota), a aversão radical a todas as ortodoxias, que torna Portugal e os países de tradição católica os campeões da liberdade individual.

Pelo contrário, é a enorme capacidade para gerar consensos nos países de tradição protestante, que constitui hoje em dia a maior ameaça à liberdade individual no Ocidente. Foi assim nos dois últimos séculos. As grandes ideologias do século XX que mataram milhões de pessoas - como o nazismo e o comunismo, uma delas pelo menos imposta pela via democrática - foram criações protestantes e seriam impossíveis num país de tradição católica onde, se estão representadas, possuem um carácter meramente ornamental.

Enquanto a tradição intelectual protestante de algum modo obriga o participante no debate a construibuír de forma positiva para uma ideia ou projecto em discussão - de tal forma que nunca lhe ocorre questionar as bases, e as ideias acabam, por vezes, por ganhar uma vida própria ao ponto de se tornarem ideologias -, a tradição intelectual católica começa por abanar a ideia ou o projecto até às suas raízes, e depois observa se alguma coisa ainda fica de pé. Normalmente não fica.

É esta atitude intelectual que garante a liberdade individual que é típica dos países de tradição católica - um escrutínio cruel e sem limites a toda a ideia que se apresenta como nova. O Papa Bento XVI é, neste aspecto, um intelectual católico por excelência e um verdadeiro defensor da liberdade individual. Na blogosfera portuguesa, provavelmente o melhor representante desta tradição é a zazie.

a lei natural

No princípio deste mês, por ocasião de uma reunião da Comissão Teológica Internacional, o Papa Bento XVI teve oportunidade de voltar a uma tema que lhe é caro, que é o da defesa da lei natural como base da sociedade, por oposição ao relativismo ético e ao positivismo legal que governam a democracia moderna.

"A lei natural - explica o Papa -, são as normas primárias e essenciais que regulam a vida moral e que estão essencialmente contidas nos Dez Mandamentos. A lei natural não é chamada assim por causa da sua relação com seres irracionais, mas antes pelo facto de ser a razão que a proclama uma característica da natureza humana. A lei natural - que é acessível a todas as pessoas - é o quadro que permite o diálogo entre todas as pessoas, e mais geralmente na sociedade civil e secular"

Porém, adverte o Papa, "por causa da influência de factores culturais e ideológicos, a sociedade civil e secular encontra-se hoje num estado de perda e confusão. A evidência original das bases em que assenta a vida moral dos seres humanos perdeu-se, e a doutrina da lei natural confronta-se com outros conceitos que lhe são directamente antagónicos. E isso tem enormes consequências na ordem social e civil".

Prevalece hoje na sociedade uma concepção positivista da lei segunda a qual "a humanidade, a sociedade, ou a maioria dos cidadãos, constituem a fonte última da legislação civil. O problema que daqui resulta é o de que as pessoas passam a procurar o poder, em lugar de procurar fazer o bem. Na origem desta tendência está o relativismo ético, no qual algumas pessoas vêem uma das condições principais da democracia porque - dizem elas - o relativismo garante a tolerância e o respeito mútuo. Mas se isto fosse verdade, a maioria, em cada momento, seria a fonte última da lei, e a história mostra com grande clareza como as maiorias se enganam".

"A verdadeira racionalidade - esclarece o Papa - não é garantida pelo consenso da maioria, mas pela transparência da razão humana à razão creativa, e pela meditação partilhada sobre esta fonte da nossa racionalidade".

"A lei natural é a verdadeira garantia da liberdade de cada homem e do respeito da dignidade de cada homem, protegido de toda a manipulação ideológica e de todos os abusos arbitrários dos poderosos. Ninguém pode ficar indiferente a este apelo"

O Papa conclui: "Se, por força de algum trágico obscurecimento da consciência colectiva, o cepticismo e o relativismo ético conseguirem anular os princípios fundamentais da lei moral natural, a ordem democrática será profundamente abalada nas suas fundações. Contra tal obscurecimento - que é uma crise para a civilização humana, mais ainda do que meramente para a civilização cristã -, as consciências de todos os homens e mulheres de bem têm de ser mobilizadas. Laicos e religiosos - incluindo outras religiões para além do cristianismo - são necessários para, em conjunto, criarem as condições necessárias para que todos se dêem conta do valor inalienável da lei moral natural".

o herdeiro

O que fez Fernando Ulrich hoje na televisão, que tanto agitou a nossa blogosfera? Muito simplesmente demonstrar que é capaz de fazer aquilo que os accionistas do BCP há muito querem que alguém faça: domesticar Joe Berardo e, por extensão, todos os accionistas, administradores e colaboradores do banco, devolvendo-lhes, a eles e à instituição, a paz e a prosperidade por que tanto anseiam. Demonstrou, igualmente, que tem para lhes oferecer um projecto para os próximos vinte anos, que passa pela refundação do banco, ou melhor, da banca portuguesa, através de uma fusão que o transformará definitivamente no maior banco português. No fim de contas, Ulrich segue, a par e passo, as grandes linhas estratégicas de Jardim Gonçalves, principalmente a que acredita que o crescimento se faz, também, pela concentração da oferta. E é por isso que Jardim Gonçalves, fracassada a sua tentativa de encontrar um herdeiro à altura em Paulo Teixeira Pinto, já entregou o poder ao homem que derrotou o seu delfim num conflito em que pôs ambos à prova, no qual só Ulrich demonstrou ser um banqueiro. Ele irá tranquilamente para casa, não reclamará qualquer lugar para si, pois sabe que, finalmente, encontrou o seu herdeiro.

29 outubro 2007

a última fundação

"Em Maio de 2004, Bento XVI teve um notável encontro na Academia Católica Bávara com o filósofo Jürgen Habermas (1929-). Habermas, academicamente um marxista (...), se houvesse um 'papa' da modernidade ateia ele seria um dos mais destacados papabile (...). Habermas argumentou que ´O Cristianismo, e nada mais, é a última fundação da liberdade, da consciência, dos direitos humanos e da democracia, os marcos da civilização ocidental´".
(Lawrence P. Hemming, Bento XVI, Fólio Ed., Porto, 2007, p. 150).

quebrar consensos

A crítica straussiana e as teses do fim da história olham o mundo ocidental a partir da América e como se fosse a América e acabam num certo fatalismo - um mundo resignado ao consenso sobre a democracia política e o liberalismo económico, um mundo anómico e sem valores, e um mundo de onde desapareceram todos os heróis.

Porém, os autores americanos esquecem - na realidade, por vezes, desprezam - a parte católica da civilização ocidental. Aquilo que constitui o principal atributo das sociedades protestantes é a a sua capacidade para gerar consensos - mas essa é também a sua grande fraqueza. Agora, que a fraqueza da sociedade ocidental está precisamente nos consensos (sobre a democracia-liberal), vai ser a altura de a cultura católica voltar a impor-se de novo, porque não existe outra igual na sua capacidade para quebrar consensos.

o intelectual católico


Eu nunca tive um apreço intelectual particular por qualquer Papa moderno. Tenho-o por Bento XVI, talvez por partilhar com ele um gosto - o gosto pela discussão das ideias. Ele é o intelectual católico por excelência - o intelectual sempre pronto, mesmo que seja sozinho, a meter-se no meio da multidão e a desfazer consensos. (A destruição de consensos é a condição essencial da liberdade humana).

A crítica do Papa Bento XVI à sociedade moderna é muito semelhante à crítica straussiana, que eu também partilho. Mas enquanto os straussianos acham que o assunto se resolve manobrando por detrás das cortinas - bem ao estilo da filosofia judaica - o Papa possui, pelo contrário, uma enorme confiança na sua capacidade, e na da instituição a que preside, para repôr na sociedade ocidental os valores que lhe são próprios. O Papa considera que, depois de dois séculos de enorme adversidade, o século XXI será de novo um século da Igreja Católica. Eu também acho.

um completo e avançado democrata


A Igreja Católica nunca foi entusiasta da democracia - certamente que não do sufrágio universal. Para ela, a democracia é uma método de decisão para ser praticado em condições muito específicas e somente entre as elites. Daí a dificuldade que os países de tradição católica possuem a viver em democracia.

O Papa Bento XVI, quando se refere ao tema, deixa perceber que não é nenhum democrata no sentido moderno do termo. No seu Valores em Tempo de Mudança Radical o Papa medita sobre o julgamento de Jesus por Pôncio Pilatos, salientando que Pilatos - que até nem é um mau homem e nem sequer está convencido da culpa da Cristo - é no entanto esmagado pelos gritos da maioria. E com alguma ironia nota que, na sua decisão de crucificar Cristo, satisfazendo os gritos da multidão, "Pilatos actuou como um completo e avançado democrata."

28 outubro 2007

uma sociedade livre

Representatividade e eleição (democracia);
Ausência de orgão legislativo;
Abertura e meritocracia;
Descentralização e governo local;
Autoridade e hierarquia;
Ausência de poder arbitrário;
Tradição;
Justiça humanizada;
Assistência aos pobres,
Igualdade de tratamento.



Estes são os elementos que constituem o sistema de governação da Igreja Católica. Estes são também os elementos que permitem a existência de uma sociedade livre.

possui igualdade de tratamento

O sistema de governação da Igreja Católica trata todos de forma igual apenas com as diferenças que são devidas à posição de cada um na hierarquia.

possui assistência aos pobres



A Igreja Católica possui um sistema de assistência aos pobres. Ninguém é abandonado, deixado para trás ou oprimido por carência económica.

possui um sistema de justiça humanizado


A Igreja Católica possui um sistema de justiça humanizado. A justiça é feita, em primeiro lugar, pelos pares, que são aqueles que em melhor condição se encontram para julgar e, em última instância, pelo Papa. Este, sendo uma autoridade livre que não presta contas a ninguém neste mundo senão a Deus, reune as condições para ser o mais imparcial dos juízes.

possui uma tradição

A Igreja Católica possui uma longa e rica tradição de onde é possível derivar regras de justa conduta, no sentido hayekiano. Estas regras constituem as leis da Igreja, que são antigas, em pequeno número e conhecidas de todos. Por isso, o ideal de justiça é um ideal atingível no sistema de governação da Igreja.

não possui poder arbitrário



O sistema de governação da Igreja Católica não deixa arbitrariedade a ninguém. O diácono responde perante o bispo, o bispo responde perante o Papa e o Papa responde perante Deus.

possui autoridade e hierarquia

O sistema de governação da Igreja possui autoridade e uma hierarquia - Papa, bispo, diácono. A autoridade do Papa, em particular, é plena, suprema e universal e que ele pode sempre livremente exercer.

possui descentralização e governo local



O sistema de governação da Igreja é altamente descentralizado: o poder central é a Santa Sé, governada pelo Papa que preside a toda a Igreja; o poder regional é a diocese, governada pelo bispo; o poder local é a paróquia, governada pelo diácono. Estes últimos poderes possuem autonomias consideráveis.

possui abertura e meritocracia



O sistema de governação da Igreja é aberto e meritocrático. Qualquer homem, independentemente da sua condição de nascimento, pode ascender na hierarquia da governação, passando de diácono a bispo, sendo depois cardeal e, finalmente Papa - e não são raros os Papas que tiveram uma origem humilde.

possui democracia

A Igreja possui democracia, no sentido de um sistema de representação e de eleição por voto da maioria. O Papa é eleito democraticamente por um colégio de cardeais.

A democracia na Igreja não envolve, porém, a forma de sufrágio universal. Nem poderia envolver. O sufrágio universal já teria destruído a Igreja, pois ao longo da sua história, algum candidato a Papa já teria prometido aos crentes excursões gratuitas ao céu para almoçar com Deus, em troca dos votos para se fazer eleger.

A democracia na Igreja reveste a forma de um sufrágio restrito àqueles que já deram provas na vida e que constituem a sua elite - os cardeais.

não possui orgão legislativo


Num post anterior salientei que nós deveríamos olhar para o sistema de governação da Igreja Católica, e imitá-lo tanto quanto possível. Este é um tema ao qual voltarei de forma recorrente nos próximos dias.

Gostaria de iniciar o seu tratamento destacando um dos elementos mais surpreendentes desse sistema de governação e que constitui, ao mesmo tempo, a maior salvaguarda da liberdade individual: a Igreja Católica não possui nenhum legislador nem nenhum orgão legislativo.

As suas leis emanam da tradição. É a Igreja Católica, mais do que qualquer outra instituição, que aproxima o ideal expresso por Hayek em Law Legislation and Liberty. Porém, Hayek, como os seus seguidores modernos, conquanto vangloriando a superioridade das instituições privadas face ao Estado, recusam, obstinada e preconceituosamente, olhar para a instituição privada de maior longevidade e sucesso na história da humanidade - a Igreja Católica. Teriam muito a aprender.

uma espécie de carro-vassoura


A Igreja Católica tem sido frequentemente criticada por ser conservadora. Nem podia ser de outro modo. Uma Igreja inovadora, constantemente a inventar soluções, mesmo que para o bem da humanidade, já se teria enganado muitas vezes, desprestigiado e extinguido.

A função da Igreja é ser conservadora, uma espécie de carro-vassoura da humanidade, a instituição que guarda os princípios necessários à sobrevivência e à prosperidade da humanidade, que anda atrás dela e nunca à frente dela - excepto em momentos de crise, isto é, quando a humanidade se estampa.

Assim, por exemplo, a Igreja nunca pode ser favorável ao aborto. É claro que a humanidade é capaz de inventar um milhão de razões para defender o aborto e até o tornar legal, como nós vimos recentemente em Portugal: a liberdade da mulher, os motivos económicos, a propriedade privada do corpo feminino, os custos da maternidade precoce e por aí adiante. Porém, a Igreja não se pode deixar levar por esta conversa de principiantes. Por cima desta míriade de razões, a Igreja invoca a Razão do princípio "não matarás" - a única Razão que, sendo favorável à vida, é também a única favorável à sobrevivência e à properidade da humanidade.

Tendo vivido muito tempo e produzido alguns dos melhores espíritos da humanidade, a Igreja sabe que, ao legitimar o aborto, a humanidade não se vai ficar por aí. Passado um tempo legitimará a eutanásia e depois as diferentes formas de eugenia. Quando o caos estiver instalado, então a Igreja estará lá para cuidar das vítimas e repôr a ordem, indicando de novo a direcção certa porque será ela então que ainda possui o único princípio e a verdadeira Razão: "Não matarás".

os resultados estão à vista

No post anterior referi-me ao sistema católico de educação como um sistema inigualável em Portugal, e a cujos padrões nenhum sistema laico algum dia conseguirá ascender. Nós temos a Igreja Católica aqui dentro do país - somos, aliás, como mencionei num post anterior, o país católico da Europa que mantém uma relação mais estreita com a Igreja - e, no entanto, a Igreja é deixada à margem do sistema público de educação, meramente tolerada.

Porém, esta cegueira colectiva, não ocorre somente em relação à educação. Ocorre também em relação a muitas outras áreas da vida económica, social e política do país - por exemplo, em relação ao sistema de governação. A Igreja Católica é a mais antiga instituição da nossa civilização, resistiu a tudo, em parte pela excelência do seu sistema de governação. O Papa é de longe o Chefe de Estado mais respeitado em toda a humanidade.

Nós poderíamos facilmente imitar o sistema de governação da Igreja Católica - e os resultados seriam extraordinários. Mas não. Andamos antes a imitar sistemas de governação dos países protestantes, aqueles acerca dos quais, não somente não possuímos nenhuma tradição, como são mesmo adversos à nossa tradição - e os resultados estão à vista.

debaixo dos olhos

Num post anterior, citei um comentador deste blogue que parecia admirado por ter descoberto que o modelo de educação da Igreja Católica é superior ao modelo laico. No texto que então escrevi, procurei desvanecer a admiração. A educação laica é feita para agradar aos homens; pelo contrário, a educação religiosa é feita para agradar a Deus.

Aquilo que é mais surpreendente é que, queixando-se a generalidade dos cidadãos portugueses do seu sistema de educação, e tendo mesmo debaixo dos olhos e à mão de semear a instituição que, no seu país, ao longo dos séculos, provou melhor saber educar os jovens, recusem pedir-lhe ajuda e, às vezes, até a hostilizem. É uma forma de fé e a pior forma de fé, que é a de recusar ver aquilo que está mesmo debaixo dos olhos.

não existiria


A necessidade da ideia de Deus para a sobrevivência e a prosperidade da espécie humana revela-se numa miríade de instâncias da vida. Uma está aqui.

Provavelmente, uma das mais importantes dessas instâncias, é a justiça. Sem Deus, o ideal de justiça ficaria entregue aos homens e, em particular, à definição dos juristas. Porém, um mundo em que o ideal de justiça ficasse entregue aos juristas seria um mundo insuportável (cf., na blogosfera, certos blogues particularmente frequentados por juristas) - um mundo violento e desordeiro onde, a prazo, não existiria uma réstea de justiça.

The God Delusion


Foi agora publicada a versão portuguesa do livro The God Delusion de Richard Dawkins, sob o título A Desilusão de Deus. O propósito de Dawkins é o de provar a inutilidade da ideia de Deus.
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Dawkins é um adepto da teoria da selecção natural. Em breve, a teoria afirma que os processos naturais - incluindo os processos humanos -, a prazo, matam tudo aquilo que não é útil à sobrevivência e à prosperidade das espécies.
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Deus é talvez a única ideia que sobreviveu sempre a todos os processos de selecção natural a que a espécie humana foi submetida ao longo da sua história. Na realidade, não existe nenhuma civilização, presente ou passada, que não tenha tido, pelo menos, um Deus. Por isso, a ideia de Deus existe e, à luz da teoria da selecção natural, parece ser a mais necessaria de todas as ideias para a sobrevivência e a prosperidade da espécie humana.

26 outubro 2007

das pampas

As trocas recentes que eu tenho mantido aqui com o meu ex-colega JCD podem fazer parecer ao leitor desprevenido a existência de inimizade pessoal. Não é esse o caso. Por isso, eu gostaria de ser o primeiro a dar notícia da merecida reportagem que a revista Focus desta semana consagra à blogosfera de natureza política e onde o JCD, também com mérito, aparece como um dos rostos principais - senão mesmo o principal.

A reportagem, sob o título Blogues de combate, é consagrada aos blogues políticos e nela são mencionados os blogues de maior audiência nesta área, como o 31 da Armada, o Arrastão e o Blasfémias - provavelmente, com excepção do Abrupto, o mais popular de entre todos. É também dado destaque aos principais bloggers políticos como o Paulo Querido, o Rodrigo Moita de Deus, o Daniel Oliveira e o Vítor Dias. Pelo Blasfémias, são entrevistados o JCD e a Helena Matos.

A minha opinião é a de que o Blasfémias - que é o blogue que eu conheço melhor - sai bem representado na reportagem, talvez mesmo como o mais importante dentre todos os blogues que são retratados - e isso corresponde à realidade. A Helena Matos e o JCD salientam o carácter político do blogue, percebe-se a sua propensão liberal e de oposição ao governo, enfatiza-se o debate, a discordância, o imediatismo e até um certo carácter subterrâneo como as principais vantagens da blogosfera face aos meios convencionais de comunicação política. Na opinião de ambos, a blogosfera é o poder que controla o quarto poder.

A Helena Matos e o JCD poderiam, porém, ter salientado, talvez, o carácter predominantemente nortenho e regionalista do blogue - o qual representa uma das suas imagens de marca distintivas -, tanto mais que, precisamente com as excepções deles próprios, todos os membros do blogue são do Porto e regionalistas convictos.

Por outro lado, quando o JCD se refere aos seus colegas de blogue, para ilustrar o pluralismo existente, destaca o João Miranda e o CAA. A respeito do primeiro diz que "O João Miranda é católico praticante" e, referindo-se ao CAA, afirma que "(O) Carlos Amorim é um mata-frades", acrescentando logo a seguir: "Ele dá-se ao trabalho de ir buscar histórias ao Burkina Faso". Extremando assim a caracterização quer do João Miranda quer do CAA , e marginalizando-os desta forma, o JCD e a Helena Matos emergem da entrevista como sendo as figuras centrais do Blasfémias, - e isso parece-me francamente exagerado.

No balanço, porém, O Blasfémias acaba por saír francamente bem tanto mais que a reportagem é encimada por uma grande fotografia do JCD, acerca da qual eu gostaria de exprimir duas palavras. Nesta minha procura de caracterização da cultura católica em relação à cultura protestante, um dos meus pontos de interesse tem sido o de caracterizar o homem de tradição católica, não apenas espiritualmente, mas também fisicamente.

Na entrevista do sábado passado do PGR ao Sol, em que ele aparece na capa da revista, pareceu-me ver ali a fisionomia e a atitude do homem típico da tradição católica, às vezes também identificada pelo seu carácter latino. Voltei a ter o mesmo sentimento ao observar a fotografia do JCD na Focus. Ao contemplar aquele olhar lateral e de cima para baixo, as sobrancelhas ligeiramente descaídas, a atitude corporal e das mãos, o aspecto bem vestido mas com um certo ar nonchalant, observável naquele fato elegante posto em cima de uma camisa de colarinho aberto, eu não pude deixar de murmurar para comigo próprio: "Aqui está o homem típico da tradição católica, o macho latino, o matador argentino, o fodilhão das pampas".

ainda vivem pela fé

"O ranking das escolas provou que o modelo educacional da Igreja Católica está a ter resultados positivos. Porque não ir buscar ideias a esse modelo?"
(tric, comentário ao post não há rapazes maus)

Como é habitual, as escolas católicas voltaram a dominar este ano o ranking das escolas secundárias do país. Desde que o Marquês de Pombal retirou o ensino das mãos da Igreja, que as escolas públicas concorrem com as escolas religiosas sem nunca as baterem. Por isso, a questão posta pelo tric é pertinente: porque não o Estado imitar nas escolas públicas os métodos de ensino das escolas católicas, ou simplesmente entregar escolas à Igreja e retirar-se de um domínio onde, comprovadamente, desempenha pior do que ela?

A resposta é uma matéria de conflito entre a fé e a razão. Apesar de 250 anos de evidência empírica em contrário, os políticos, os intelectuais e uma parte da opinião pública em Portugal ainda vivem pela fé, mais do que pela razão - a fé de que as escolas laicas são, ou serão alguma vez, melhores do que as escolas religiosas.

Mas elas não são melhores nem nunca serão. A razão é que as escolas laicas, públicas ou privadas, são feitas para agradar aos homens - aos alunos, aos pais dos alunos, aos professores, aos burocratas, ao povo, até aos políticos e aos empresários. Ao passo que as escolas religiosas são feitas para agradar a um ideal incomparavelmente superior e imbatível nesta competição. São feitas para agradar a Deus.

É renhonhonhó


Num post anterior, largamente indignado com a forma como o JCD julga praticar as regras do debate intelectual, eu caracterizei a sua atitude intelectual como um renhonhonhó permanente.

A expressão pegou - e eu julgo que por boas razões - e vários comentadores a citaram na caixas de comentários ao longo do dia. Porém, quase sempre mal. A zazie falou em renhonhó - faltou-lhe uma sílaba. A comentadora MC falou primeiro em ranhonhó - um erro, porque a etimologia da palavra não é o substantivo português ranho - e depois em renhanhanhó, muito pior, porque agora não existe etimologia nenhuma.

Foi o EnaPá o único comentador que conseguiu citar correctamente. É renhonhonhó (vem de renho).

um artigo de pedro lomba

Este artigo de Pedro Lomba, hoje publicado no DN, é um bom exemplo de uma certa ligeireza com que habitualmente se comentam os assuntos comunitários, e sintetiza muito bem o tipo-regra das críticas feitas, nos últimos anos, às várias tentativas de reforma dos tratados.

Assim, sobre o Tratado de Lisboa, Pedro Lomba conclui o seguinte:
«era uma vez um tratado largamente dispensável, que pouco inova em relação aos tratados anteriores, que onde inova criará novos e sérios problemas (já se vê o conflito entre o futuro presidente permanente e o presidente da Comissão Europeia), que prejudica os interesses de Portugal e que não resolve nenhum dos problemas críticos da União Europeia: a estagnação social e económica, o afastamento das populações, o défice de legitimidade e de democracia.»

Vejamos, então, o que significa cada uma destas conclusões:

1ª É um tratado que pouco inova
O que é que isto significa? Que o Tratado de Lisboa não atribuí novas competência à União Europeia, isto é, que não faz novas transferências de soberania. Ora, na linha habitual das críticas ao processo de integração, isto devia ser um louvor. Pois, ao que parece, não é. Preso por ter cão, preso por o não ter…

2ª Onde inova criará novos e sérios problemas
Pois, afinal, as inovações do Tratado comportarão novos e temíveis problemas. Ai sim? E já agora, quais?

3ª Provocará conflitos entre o Presidente permanente e o Presidente da Comissão Europeia
Este parece ser o grande exemplo do magno problema institucional que resultará das inovações do novo Tratado. Há, contudo, que dizer o seguinte: o Conselho Europeu já tem uma presidência: ela é exercida pelo chefe de governo do país que semestralmente exerce a presidência da União. O que o novo presidente fará é o mesmo que este. Não são conhecidas tensões particularmente graves, nas últimas décadas, entre uns e outros. As funções são distintas e continuarão a ser. O facto do cargo passar a ser permanente e deixar de ser rotativo em nada altera o que se disse: o que importa é a separação de funções, como em qualquer organização política constitucionalmente organizada.

4º Prejudica os interesses de Portugal
Porquê? Bom, não querendo substituir-me a Pedro Lomba, que não esclarece em que medida os nossos interesses sairão prejudicados pelo Tratado de Lisboa, admito que ele possa estar a referir-se a duas coisas: a rotação dos Comissários, com a consequente ausência temporária de Portugal da Comissão, e a perda da Presidência rotativa da União. Quanto ao primeiro aspecto, ele atingirá todos os Estados-membros ciclicamente, sendo, a meu ver, bem melhor do que a regra que vigorou durante décadas que atribuía dois comissários aos considerados cinco grandes países e apenas um aos outros (entre eles Portugal). Trata-se de uma inevitável consequência do alargamento, e um custo a pagar pela União pelo seu sucesso. Quanto ao segundo aspecto, sempre é de perguntar que vantagens poderiam advir do facto de, com vinte e sete Estados-membros (por enquanto), Portugal presidir à União de catorze em catorze anos? O argumento de que um Estado pequeno nunca conseguirá fazer eleger um cidadão seu Presidente, também não colhe: José Manuel Durão Barroso refuta esse argumento.

5ª O Tratado não resolve a estagnação social e económica
Pois não e ainda bem. Os tratados não servem para isso e pensar que a estagnação social e económica de um país ou de um continente se resolvem com actos de soberania é wishful thinking socialista. Quem deve resolver estes problemas são os cidadãos, as empresas, em suma, o mercado. Obviamente, os Estados não devem impedi-los de o fazer, nem reduzir-lhes a liberdade. Para isso, todavia, sempre é preferível um grande mercado europeu aberto, sem fronteiras e onde se pratica a livre concorrência (princípios que os tratados comunitários consagram), do que os velhinhos Estados soberanos, fechados, economicamente mercantilistas perante o exterior e internamente socialistas, como era o nosso antes da adesão.

6ª O afastamento das populações e o défice de legitimidade e de democracia
Quanto ao afastamento das populações, preocupa-me bastante mais o que acontece em Portugal com as nossas instituições políticas, do que na Europa comunitária. Isto é: que os portugueses cada vez votem menos, que não liguem à política e aos políticos, que não se envolvam nos partidos. A escassa participação nas eleições para o Parlamento Europeu, naturalmente desinteressantes, preocupa-me bem menos do que a escassa participação dos eleitores lisboetas na eleição da sua Câmara Municipal. Quanto ao défice de legitimidade e de democracia comunitária, atrevo-me a dizer que quase concordo com Pedro Lomba. Na verdade, a este respeito só há uma saída: referende-se a adesão de Portugal aos instrumentos instituidores da União e da Comunidade Económica, isto é, o Tratado de Roma e as suas sucessivas revisões, e o Tratado da União Europeia. Por mim, se o resultado do referendo for negativo, Portugal deverá desvincular-se desses tratados e da União Europeia, assumindo todas as consequências da decisão. Será que Pedro Lomba concorda com isto?

25 outubro 2007

um esclarecimento

Numa altura em que, como aqui foi dito, as social-democracias europeias se estão a render ao liberalismo de Milton Friedman em matéria de ensino superior, o que têm a dizer o PSD e o CDS sobre o cheque-educação? Em antevéspera de eleições e na mudança de lideranças e de rumos dos dois partidos da direita, esse esclarecimento parece muito importante.

não há rapazes maus

Uma senhora deputada, presumo que do Partido Socialista, explicou, no Fórum da TSF de hoje, a lógica e os objectivos da nova reforma do Ensino Secundário, com a entrada da qual os alunos deixarão de reprovar por faltas.

O esquema é complexo e baseia-se na velha ideia do bom selvagem, cuja versão portuguesa se consumou naquela magnífica frase do Padre Américo, para quem «não há rapazes maus». Portanto, quando um aluno falta reiteradamente à escola, a culpa não é dele, mas da sociedade, que o desgraça de vários modos, pelo que é ela e não ele quem tem que ser responsabilizada.

O sentido da reforma é exactamente esse: o de envolver os pais, a «rede de apoio social», psicólogos e psicoterapeutas na «recuperação» do aluno faltoso, culminando tudo, nos casos aparentemente perdidos, num teste de avaliação do aluno sem consequências. Reprová-lo e responsabilizá-lo pelos seus actos é que nem pensar.

É por estas e por outras que, décadas e décadas após frequentes reformas, o nosso ensino secundário público está como está. É caso para se dizer que o ensino é um bem suficientemente importante e valioso para ser deixado à irresponsabilidade dos políticos e dos governos. Era bom que, a este propósito, PSD e CDS esclarecessem as suas intenções num futuro programa de governo.

e cá por portugal?







«Reprovar por faltas deixa de ser possível.»

cheque-educação






A social-democracia nórdica rende-se a Milton Friedman.

regressar à «choldra»

António Guterres era primeiro-ministro de Portugal, quando se deu a segunda presidência portuguesa da União Europeia, no primeiro semestre do ano 2000. O homem lá foi, andou pelo meio dos grandes deste mundo, e, quando voltou à terrinha, entediou-se do pântano e passado algum tempo demitiu-se.

Dois anos depois, o homem que lhe sucedeu acusando-o de deserção, José Manuel Durão Barroso, não resistiu ao canto de sereia de Bruxelas. Fez as malas, abandonou a pátria que o vira nascer e que tantas esperanças nele pusera, e marchou para a «Europa», onde por ainda hoje anda a fazer telefonemas aos grandes deste e do outro mundo.

Daqui por dois meses, terminará a terceira presidência portuguesa. O primeiro-ministro português e presidente em exercício da União brilhou no firmamento comunitário: terminou o tratado de revisão que, segundo anunciou um tanto ou quanto altercado aos deputados europeus, irá abrir um futuro grandioso à Europa. Quando, no dia 1 de Janeiro de 2008, estiver a comer bolo-rei com a família e a receber telefonemas ininterruptos dos ministros e dos dirigentes do partido, como será que vai reagir ao regresso à «choldra»?

24 outubro 2007

Oh Euroliberal, você está por aí?

Provavelmente, um dos aspectos que mais me chocou na minha experiência de vida num país protestante, foi a falta de cavalheirismo dos homens. Se um polícia bater à porta de casa, e fôr atendido pelo marido, a dizer que o carro está mal estacionado e vai ser multado, ele responde que o carro é da mulher, chama-a para lidar com o polícia, e retira-se como se não fosse nada com ele. Num país católico como Portugal, pelo contrário, mesmo que o carro seja da mulher, o homem assume que o carro é seu e lida ele com o polícia.

Em todas as culturas que properaram, os homens protegem as mulheres. Sabendo que as mulheres são muito mais importantes para cuidar dos filhos do que os homens, esta é uma atitude perfeitamente racional. Entre as mulheres e o perigo, os homens metem-se pelo meio, cientes de que essa é a forma mais eficaz de protegerem a sua própria descendência. E se isto é assim em todas as culturas, a cultura católica leva este sentimento ao extremo. Neste aspecto, como em muitos outros, eu sinto-me orgulhoso de pertencer a esta cultura - muito mais do que me sentiria de pertencer à cultura protestante.

Este cavalheirismo que é típico da cultura católica não se esgota na protecção que os homens concedem às mulheres, mas envolve muitos outros aspectos, como o de que um homem, por princípio, não provoca uma mulher. Um homem, se tiver de provocar alguém, provoca outro homem - jamais uma mulher. Por isso, eu fico surpreendido - na realidade, desconcertado - que o JCD, na caixa de comentários ao meu post anterior, tenha vindo para aqui provocar a zazie.

Eu gostaria de dizer ao JCD que se prepare para a maior tareia da sua vida - e pode trazer o bando lá do Blasfémias. Eu julgo que darei conta do recado sozinho. Mas, para o caso de não ser capaz, desta vez eu vou mesmo apelar: Oh Euroliberal, você está por aí?

pratos limpos

"Eu cá digo sempre tudo aquilo que penso" - é uma frase que se ouve frequentemente entre as pessoas pertencentes a uma cultura católica. Eu nunca percebi se os seus autores vêm nesta afirmação um sinal de distinção. Eu não vejo. Uma pessoa dizer tudo aquilo que pensa representa um comportamento fácil e banal. Difícil e, por isso, distinto é uma pessoa não dizer tudo aquilo que pensa - e, portanto, ter de fazer a selecção, entre tudo o que pensa, daquilo que vai dizer.

O comportamento das pessoas que gostam de dizer tudo aquilo que pensam é representado, no extremo, por aquelas que gostam de "pôr tudo em pratos limpos". Estas pessoas são, em geral, insuportáveis, fazendo a vida miserável a todas as pessoas que as rodeiam, incluindo a elas próprias. Porque no dia em que não têm mais pratos para limpar, são elas que vão sujar os pratos, para depois terem de os limpar de novo.

não pode dizer

Se eu tivesse de escolher o comportamento que mais corrói a democracia entre um povo de tradição católica, não hesitaria na resposta - a liberdade de expressão.

Os povos de cultura católica associam frequentemente a democracia à liberdade de expressão, e tendem a praticar esta forma de liberdade até ao extremo, permitindo-se dizer, literalmente, tudo aquilo que lhes vem à cabeça. Quando praticada assim, esta é a mais destruidora das liberdades no seio de uma democracia católica. Destrói a autoridade, destrói as instituições e, por fim, destrói a própria democracia.

Todas as sociedades necessitam de limites à liberdade de expressão e as democracias católicas, se desejam prosperar, necessitam deles especialmente (cf. o caso da Irlanda). Em relação aos homens que ocupam posições institucionais, esses limites são ainda mais apertados. Na realidade, os pecados que o PGR cometeu na sua entrevista ao Sol, e a que me refiro em posts anteriores, são todos o resultado dos excessos da liberdade de expressão. Há coisas que um homem pode pensar mas que não pode dizer - certamente que não quando ocupa posições institucionais.

Niagara Falls

Num post que publiquei há cerca de um mês, afirmei que se todos os funcionários públicos portugueses fossem transferidos, por troca, para um país como o Canadá, em breve seriam deitados às cataratas do Niagara pela população em revolta - e seriam atirados às cataratas julgando genuinamente que estavam a cumprir as suas funções.

Não é fácil explicar a uma pessoa que existem no mundo outras formas de olhar a vida, fazer as coisas, racionalizar os acontecimentos e actuar perante eles - e que a nossa não é a única. Por isso, quando numa cultura, se importam instituições de outra cultura é praticamente certo que as coisas não vão resultar.

A democracia de sufrágio universal é uma instituição de cultura protestante - não de cultura católica. Quando importada num país católico, todos os dias as pessoas vão adoptar comportamentos, com a maior naturalidade - porque são os comportamentos a que estão habituadas -, que, não obstante, contribuem constantemente para minar as bases da democracia - até ao colapso final.

um poder feudal


Eu guardei a entrevista que o Procurador-Geral da República, Dr. Pinto Monteiro, concedeu ao Sol como um objecto de estudo. E também para que, quando um dia tiver de explicar às gerações mais novas porque é que (mais uma vez) a democracia faliu em Portugal, lhes poder apresentar evidência factual.

A entrevista alterna entre o enfoque pessoal e o institucional e, no primeiro aspecto, correspondendo ao carácter pessoalizado da nossa tradição católica, a entrevista é um enorme sucesso. Tanto mais que o Dr. Pinto Monteiro é, aos meus olhos, o homem típico da tradição católica, pelo qual, mais do que uma vez, eu tenho exprimido aqui, em abstracto, a minha admiração.

Do ponto de vista institucional, como já sugeri no post anterior, a entrevista é um desastre: "O Ministério Público é um poder feudal. Há o conde, o visconde, a marquesa e o duque", diz o PGR. Ele não acredita nos próprios serviços que comanda. Se amanhã, um criminoso, sentado no banco dos réus, e acusado pelo ministério público, argumentar que a acusação é injusta porque o ministério público vive fora dos tempos e não possui o sentido da realidade e da justiça adequado ao tempo presente - e acrescentar que não é ele que o diz, mas o próprio PGR -, como é que o juiz vai julgar?

23 outubro 2007

não é aceitável


Eu tenho frequentemente afirmado que, de entre todas as instituições que o regime democrático prostituiu em Portugal nos últimos 30 anos, à frente de todas está a justiça.

A entrevista do Procurador-Geral da República ao Sol é, neste aspecto, um exemplo, pela mais elementar falta de sentido de Estado. Aquela sua afirmação de que ele próprio não está certo de o seu telefone não estar a ser objecto de escutas não é aceitável em quem ocupa a sua posição. O que pensará então o comum dos cidadãos quando fala ao telefone? E é ainda menos aceitável que ele aceite dar uma entrevista a um jornal que poucas semanas antes dava uma notícia de primeira página, ao mesmo tempo que reconhecia, também na primeira página, que, ao publicá-la, estava a violar a lei e a cometer um crime.

democracia ilimitada


Ser um adepto da democracia não implica, na concepção cristã que é a concepção de Tocqueville (cf. post anterior), subscrever todas as instituições que foram criadas, ou rejeitar todas aquelas que foram destruídas, em nome da democracia. Algumas dessas instituições são independentes do regime político. Outras são inerentes à democracia, mas podem instituir-se de forma diversa.

Assim, eu sou um adepto do sufrágio universal, mas não a partir dos 18 anos - somente a partir dos 40. Como argumentei em post anterior, eu julgo também que uma Câmara Corporativa seria muito útil à democracia portuguesa. Sou também um defensor de restricções à liberdade de expressão - especialmente em matéria religiosa e de protecção às crianças, como sucede na Irlanda. E sou ainda um crítico, em Portugal, do Estado laico, considerando que o Estado democrático português deveria privilegiar a tradição católica da população. Não tenho, para Portugal, grande simpatia pela ideia de uma constituição que é uma instituição que, a meu ver, nos tem servido mal - desde a primeira, em 1822, já vamos na sétima, e parece que se aproxima a oitava.

Estes exemplos servem para ilustrar que um cidadão pode ser um adepto da democracia, sem que tenha de subscrever a forma de democracia ilimitada que se instalou no país.

um acto de fé

Num post anterior em que me referi a Salazar, um leitor entrou na caixa de comentários para me perguntar se eu preferia o regime do Estado Novo ou o actual regime democrático, apesar de todos os seus defeitos. Posta nestes termos, eu não tenho resposta à pergunta nem ela seria relevante. O regime do Estado Novo correspondeu a circunstâncias históricas particulares e não é repetível. O meu propósito ao invocá-lo é o de procurar discernir as instituições que ele continha e que poderiam ser utilizadas ainda hoje com vantagem - não propriamente recriá-lo. A última a que me referi foi a Câmara Corporativa.

Provavelmente, porém, o leitor pretendia saber se eu sou um adepto do regime democrático. A minha resposta é afirmativa, embora a forma como ele tem sido adoptado em Portugal me torne um adepto cada dia mais céptico - um cepticismo que eu não possuo quando ele é aplicado aos países do norte da Europa e da América do Norte. É a diferença entre as culturas católica e protestante a que tenho vindo a fazer referência.

Não existe nada de inerentemente superior - excepto num aspecto - no regime democrático relativamente a qualquer outro regime político. Procurando, tanto quanto me é possível, em toda a literatura da teoria política, nunca encontrei - com uma só excepção - um argumento ou conjunto de argumentos que, à minha satisfação, provassem a superioridade da democracia face a qualquer outro regime político.

A excepção é Tocqueville: "Nós podemos naturalmente acreditar - escreveu ele em "A Democracia na América" - que não é a prosperidade singular de uns quantos, mas o maior bem-estar de todos que é mais agradável aos olhos do Criador...". Este é quanto a mim o único argumento decisivo em favor da democracia e, sendo um argumento de carácter religioso, é um argumento irrebatível. A desejabilidade da democracia, relativamente a qualquer outro regime político, é, em última instância, um acto de fé cristã.

22 outubro 2007

sem praticamente lhes ter tocado

Quando os interesse corporativos num país de tradição católica ficam instalados é muito difícil desalojá-los, porque eles são muito poderosos - muito mais poderosos, ao contrário daquilo que geralmente se pensa, do que num país de tradição protestante. Neste, a corporação cimenta-se em interesses que são predominantemente de natureza económica. Num país católico, além dos interesses económicos, a corporação é cimentada em fortes relações pessoais entre os seus membros.

O governo democrático torna-se então uma instituição muito frágil para lidar com uma corporação num país de tradição católica: retira ou diminui os privilégios à corporação e sujeita-se a um violento confronto que lhe diminui seriamente a popularidade, ou não faz nada e recebe a impopularidade da generalidade dos cidadãos por não ter retirado os privilégios à corporação. Nesta situação, em que o governo democrático fica literalmente sobre o fio da navalha, o recurso à propaganda, à decepção, quando não, literalmente, à mentira, torna-se inevitável.

Um exemplo servirá para ilustrar o dilema. O governo actual anunciou, como parte do seu programa, que iria reduzir as pensões de reforma de valor superior a cinco mil euros mensais. Tratava-se de uma medida obviamente popular, num país onde o salário médio de um trabalhador activo ronda os oitocentos euros por mês e onde a pensão de reforma média não chega a metade.

E, de facto, há cerca de um ano, o governo publicou - e os jornais anunciaram com as parangonas devidas - a publicação do diploma legal que limitava a cinco mil euros por mês as reformas pagas no país. Porém, a maior parte das pessoas - a começar, obviamente, pelos jornalistas - não lêem as leis, e aqui reside precisamente o segredo. Porque, quem ler a lei, vai ver que ela contém excepções. E uma das excepções são os juízes. Ora, acontece que das pessoas que recebiam reformas mensais superiores a cinco mil euros por mês, 90% eram juízes - os quais ficaram isentados da aplicação da nova lei.

Foi assim que o governo acabou com as reformas superiores a cinco mil euros por mês no país, sem praticamente lhes ter tocado.

um serralheiro

Entre os muitos milhares de leis que, desde a instauração da democracia, foram aprovadas para favorecer interesses corporativos, a expensas de toda a população, existem algumas que possuem um carácter caricato. Uma delas é aquela que obriga uma pessoa para se defender em tribunal a empregar um advogado.

É claro que bastaria aparecer o primeiro réu sem dinheiro para pagar ao advogado, para que se fizesse uma segunda lei que punha o Estado a pagar aos advogados - o chamado instituto da assistência jurídica.

Segundo a mesma lógica, porque não obrigar quem está doente a empregar um médico, quem compra alimentos a empregar um nutricionista, quem tem uma empresa a empregar um economista e quem precisa de consertar um móvel a empregar um serralheiro?. Porém, a lógica só vale para os advogados porque foram eles que, de forma organizada, conseguiram sacar ( o termo apropriado é este) esta benesse do poder político

Nunca uma lei destas que beneficia os advogados a expensas dos contribuintes passaria na Câmara Corporativa. O representante dos economistas levantar-se ia para dizer "Eu dou parecer favorável a essa lei desde que todas as empresas - incluindo os escritórios de advogados - sejam obrigadas a empregar um economista". E o representante do sindicato dos serralheiros acrescentaria: "... eu também, desde que sejam igualmente obrigadas a empregar um serralheiro".

liberalismo corporativo

A liberdade sem restricções de que as corporações passaram a gozar a partir de 1974, e a extinção da Câmara Corporativa, produziram o resultado que era de esperar - cada corporação organizou-se o melhor que pôde para obter do Estado benesses especiais a expensas do resto da população.

Existe um serviço nacional de saúde no país (SNS). Mas, depois, existe um regime especial para os funcionários públicos (ADSE) e, ainda, regimes especialíssimos, para os juÍzes, os polícias, os funcionários dos CTT, etc. Existe um regime geral de reformas no país. Mas depois, existem regimes especiais para os deputados, os professores, os juízes, os médicos e enfermeiros, os funcionários de empresas públicas, etc. Na esfera dos grandes interesses económicos e sobretudo na dos partidos políticos, a situação não é diferente.

Salazar não era contra as corporações. Ele era contra o liberalismo corporativo, onde cada grupo de interesses é deixado em concorrência com os demais para se aproveitar o mais que pode das benesses que o poder político lhe pode conceder. É este liberalismo corporativo o principal responsável pelo aumento extraordinário da despesa pública no país nos últimos 30 anos, pela qual os portugueses andam agora a apertar o cinto há pelo menos meia dúzia, sem conseguirem impedir que ela continue a aumentar.

Câmara Corporativa

Entre as instituições do Estado Novo, uma das mais importantes e talvez original era a Câmara Corporativa. Esta era uma instituição perfeitamente adaptada à cultura portuguesa e que desempenhou uma função extraordinária - a de prevenir a corrupção. A Câmara Corporativa era a instituição da transparência. A tal ponto que eu estou convencido que esta instituição seria hoje muito útil em Portugal

A cultura portuguesa, na tradição católica, é uma cultura muito pessoalizada. Nesta cultura as pessoas tendem naturalmente a unir-se em torno dos seus interesses comuns - isto é, a formar corporações - e, se não encontrarem entraves, a procurar obter benefícios do processo político. Ao mesmo tempo, o carácter pessoalizado desta cultura, leva a que o enriquecimento das pessoas, quando ocorre, seja visto, não como o resultado de processos impessoais (v.g., o mercado), como sucede na cultura protestante, mas como o resultado directo de decisões e favorecimentos pessoais, normalmente outorgados pelo poder político. Esta é uma cultura onde a desconfiança e a inveja estão prontas a despontar, se não existirem instituições que assegurem a transparência do processo económico e social e a sua relação com a política.

A Câmara Corporativa tinha essa função. Nela, estavam representados praticamente todos os interesses existentes na sociedade, as corporações de trabalhadores (sindicatos), profissões liberais (médicos, advogados, etc), patrões (grémios), as corporações artísticas e culturais (v.g., universidades) e ainda as chamadas corporações naturais (v.g., famílias). No espírito da constituição de 1933, a função principal da Câmara Corporativa era a de dar "parecer técnico" sobre os diplomas antes de serem submetidos à aprovação da Assembleia Nacional.

Assegurando que nenhuma lei seguiria para a Assembleia Nacional, sem que primeiro fosse submetida ao escrutínio de todos os interesses existentes na sociedade, a Câmara Corporativa inviabilizava o poder dos lobbies e impedia que fossem aprovadas no país leis que beneficiavam um grupo a expensas de todos os outros.

E essa finalidade ela conseguiu realizar. Após 48 de regime, o Estado Novo foi atacado e criticado por muitas razões - mas nunca por corrupção.

até os blasfemos são livres

Num post anterior argumentei que Portugal deveria imitar a constituição irlandesa e considerar a blasfémia um crime. Na caixa de comentários, o Euroliberal corrigiu-me, chamando a atenção para o facto de a blasfémia ser crime em Portugal. E citou os artigos 251º e 252º do código penal. A pena vai até um ano de cadeia ou 120 dias de multa.

Trata-se de uma daquelas situações muito frequentes na cultura católica em que certas leis existem, mas não são aplicadas. O seu efeito passa a ser sobretudo preventivo e não punitivo, tendo em conta que os comportamentos que elas visam impedir não são comportamentos de massa, mas apenas casos de excepção socialmente insignificantes. Acresce que a cultura católica, que é muito pessoalizada, atribui grande relevância aos crimes de sangue, mas é muito tolerante em relação aos crimes que se traduzem em ofensas por palavras.

Porém, o meu interesse em comparar as culturas católica e protestante, levou-me a inquirir como seria num país protestante - por exemplo, os EUA - se a sua lei penal contivesse as disposições dos artigos acima indicados do código penal português.

Nos EUA, qualquer pessoa que proferisse uma blasfémia, mesmo na intimidade do seu ambiente de trabalho, seria imediatamente levada perante a justiça, provavelmente denunciada por um colega de trabalho. Primeiro, podia ser que só fosse condenada em multa, mas à segunda apanhava cadeia pela certa. E, no caso de reincidência continuada, apanharia mesmo muitos anos de cadeia - no limite, prisão perpétua - agora, não já apenas pelo crime de blasfémia, mas por desprezo ostensivo pela lei e pelos tribunais.

E em Portugal, como é? Enquanto permanecerem casos isolados e excepcionais e não representem uma ameaça à sociedade, até os blasfemos são livres - apesar de serem criminosos, à luz da lei penal do país. Não apenas isso. Enquanto nos EUA, o blasfemo reincidente ou compulsivo seria fechado na cadeia para o resto da vida por desprezo pela lei, e não somente pelo crime de blasfémia, em Portugal um blasfemo compulsivo tem até a liberdade para se tornar professor de Direito - pregando aos alunos na aula o respeito pela lei, para depois vir cá para fora blasfemar e dar o exemplo aos alunos de falta de respeito por ela.

Nos EUA, o blasfemo reincidente seria fechado na cadeia. Em Portugal, ele permanece livre. Mas será que a cultura católica não o penaliza de todo? Penaliza-o, embora de uma forma muito mais suave que a cadeia - normalmente, não o tomando a sério.