30 maio 2007

do céu e da terra

Nesta animada troca de comentários com o Paulo Pinto Mascarenhas sobre a natureza e a utilidade do liberalismo, eu gostaria de acrescentar mais duas notas, assumindo o solene compromisso de não o voltar a maçar com o assunto nos próximos vinte anos. São elas as seguintes:

1. Construtivismo. Faz parte do património filosófico do liberalismo clássico a negação do construtivismo social e político. Hayek analisou bem esta doutrina social, que é verdadeiramente transversal a inúmeras ideologias políticas, dos vários socialismos, ao fascismo, do historicismo e do positivismo sociológico, ao intervencionismo neoclássico keynesiano. Na prática, para não nos enredarmos excessivamente em teorias, o construtivismo pressupõe a mudança social pelo dirigismo estatal soft ou hard. Que pode ir das sociedades novas e do homem novo das utopias totalitárias, às sociedades igualitárias da redistribuição e dos direitos fundamentais de segunda e terceira geração. O liberalismo não é uma doutrina construtivista, razão pela qual não é uma ideologia: não sugere a construção de uma sociedade nova, nem acredita na transformação vertical dos homens pelo plano e pelo orçamento. É evolucionista, tradicionalista, ordinalista e contratualista: acredita que as modificações sociais devem decorrer do livre jogo da liberdade individual. Por essa razão, é que não pode haver um «programa» liberal ou um partido liberal. O que não significa que os partidos e os governos não possam adoptar medidas liberais: contenção da despesa pública, redução da tributação, diminuição da burocracia e dos sectores de intervenção funcional do governo, privatização da economia e da vida social, etc. Exactamente o contrário do que, infelizmente, os últimos governos de direita que tivemos fizeram.

2. Aplicação do liberalismo aos partidos. Este é um tema que o Paulo tem tratado com especial empenho, e que ele acha merecedor de particular atenção. Eu também penso como ele. E acho mesmo que os partidos deviam ser liberalizados. E dou mesmo algumas sugestões: desblindagem dos estatutos (genericamente mais blindados que os da PT e do projecto de Jardim Gonçalves para o BCP…), redução das estruturas burocráticas (que não das pessoas, note-se) à insignificância política, criação de mecanismos de representação dos candidatos a eleições públicas que ultrapassem a cacicagem dos aparelhos, extinção dos privilégios estatutários das «jotas» e das estruturas «representativas» de classe ou de sexo, limpeza dos cadernos de militantes, eliminando, pelo menos, os mortos há mais de duas décadas, etc. É difícil? Provavelmente. Há muitos interesses instalados que se opõem a isto? Se calhar. Não há nenhum partido em Portugal que o faça? Muito seguramente que não. Mas, enquanto, pelo menos, isto não for feito, não venham cá falar-me em «partidos liberais». Em tendências e alas, ainda posso acreditar. Em «partidos liberais abertos à sociedade» é que, francamente, já é pedir demais. Até porque, isso é que é conversa para anjinhos, caro Paulo.

relativismo

Por cá, os direito à greve e à manifestação política são direitos fundamentais inalienáveis. Por outras paragens mais revolucionárias e progressistas, são «ataques fascistas». Não há dúvida que o relativismo está na moda.

o regime agradece

Que saudades dos tempos em que as greves cheiravam a luta de classes, tinham operários explorados dispostos a tudo, até a morrer, se preciso fosse, como Bobby Sands, a resistir à violência policial, a correr riscos pessoais efectivos. Em Portugal, a não ser na Iª República, nunca tivemos destas greves. Durante o Estado Novo nem era bom falar nisso, e a seguir ao 25 de Abril a greve passou a ser um exercício de luta política entre os partidos da oposição e o governo, nada, portanto, que tenha a ver com eventuais direitos dos trabalhadores. Apesar de não concordar com a coisa e de achar mesmo que devia ser legalmente proibida, não posso deixar de admirar os sindicalistas e os operários do passado, sobretudo se comparados com esta verdadeira aristocracia de chefes sindicais, dos Picanços, Proenças e Silvas, eternizados nas suas funções de «defensores dos trabalhadores», na prática altos funcionários de um Estado a quem convém a sua adormecida existência, beneficiários de regalias sindicais que o proteccionismo legal permite criar e deixa crescer. Ser, hoje, delegado sindical é, não uma missão de sacrifício, mas um interessante trabalho político. Não cansa, vale a pena e o regime agradece.

impotência



O Paulo Pinto Mascarenhas reagiu ao meu «post» sobre a «perigosidade» dos liberais portugueses com uma interessante pergunta: para que serve, afinal, o liberalismo? Não querendo substituir as suas palavras por palavras minhas, parece-me, todavia, que subjaz à questão que coloca a ideia de que se o liberalismo se cingir a alguns artigos académicos de teoria política e a outros tantos debates de mesa de café, não terá qualquer utilidade para ninguém, desde logo para as pessoas que vivem em sociedades altamente estatizadas como a portuguesa. Sobre o assunto, tentarei expor a minha posição, o melhor que souber e for capaz.

Há um pressuposto liberal que, nos meus últimos «posts» não tenho referido directamente, mas que é, em minha opinião, o pilar principal de toda a doutrina liberal: o princípio da impotência da razão humana e do conhecimento. Hayek dissertou sobre ele ao longo dos primeiros capítulos da sua célebre trilogia «LLL», Popper também o invocou constantemente durante a sua obra, principalmente nos textos de epistemologia (vd. o «Conjecturas e Refutações»). O princípio, retirado de um enunciado matemático de Sir Edmund Whitaker, diz, sumariamente, que a capacidade da razão humana é naturalmente limitada. Quer isto dizer que, ao invés do que admitia o racionalismo cartesiano tão influente no positivismo oitocentista, no historicismo socialista e no construtivismo sociológico do século XX, a nossa capacidade de apreender e compreender o mundo que nos rodeia é limitada, desde logo, pela nossa humanidade. Isso tem por consequência, do ponto de vista do liberalismo, que os homens não podem prever as consequências completas dos seus actos, menos ainda dos actos alheios. Numa sociedade complexa, na Grande Sociedade hayekiana, o governo não deverá ultrapassar determinados limites de actuação – os enunciados pelos clássicos do contratualismo liberal, por muitas e várias razões, mas, sobretudo, por ser composto por homens cujos limites de precognição dos fenómenos sociais é tão limitada quanto a nossa de comuns mortais. Por essa razão, o liberalismo acha que as escolhas devem ser preferencialmente da responsabilidade dos directos interessados, sem necessidade de intermediários, porque têm mais e melhor informação, e que, no limite, estes podem criar instituições que os ajudem a preservar esse direito de escolha, que é, no fim de contas, o que significa a liberdade do homem em sociedade.

Os liberais não negam, portanto, a existência do Estado, menos ainda que ele foi gerado a partir de necessidades sentidas pelos indivíduos, tendo vindo a crescer, infelizmente, por estes acharem que ele pode ser o melhor garante das suas necessidades igualmente crescentes. Este é, de resto, o paradoxo mais curioso das sociedades intervencionadas e estatizadas: à medida que o Estado cresce, crescem invariavelmente as necessidades e as dificuldades dos indivíduos, quando devia ser exactamente ao contrário.

Aqui reside, a meu ver, a primeira e a mais importante «agenda política» do liberalismo, sobretudo, como o Paulo enfatiza, quando ela deve ser pensada para um «pais atrasado e dominado por (pré)conceitos estatistas» como é o nosso: tentar demonstrar às pessoas que elas têm mais a ganhar com menos Estado do que com mais Estado. Porque, infelizmente, perdura ainda o mito, muito graças a uma certa direita que sempre o cultivou, de que o exercício do poder é coisa para homens dotados e providenciais, logo, que só o Estado nos pode acudir nas nossas aflições e necessidades.

Por isso tenho vindo a escrever que, mais do que uma ideologia, o liberalismo deve ter um sentido pedagógico na criação de uma mentalidade social que lhe seja favorável, no sentido das pessoas preferirem o individualismo e a liberdade contratual ao colectivismo estatizante, percebendo que lhes é mais útil o primeiro. Pode isto ser feito por um partido político? Melhor ainda: deve isto traduzir-se em propostas programáticas de um partido político que pretenda, como todos pretendem, conquistar o poder? Poder pode, embora duvide muito da eficácia da ideia. Porque, a natureza da política é, como o Paulo sabe bem, a conquista, o exercício e a manutenção do poder. Algumas correntes específicas do liberalismo, como a «Public Choice», explicam que o Estado e o poder político têm vida própria, isto é, como qualquer empresa humana possuem uma finalidade que é autopoiética, que se justifica e basta a si mesma para existir e crescer.

Não se pense, portanto, que a lógica da política e dos seus instrumentos de realização que são os partidos, possa ser outra que não a conquista, o exercício e a manutenção do poder. Neste pressuposto, o culto da liberdade e da emancipação do indivíduo face ao Estado só pode ser-lhes útil enquanto estão fora do Estado. Quando lá chegam, sempre serão capazes de encontrar justificações para meter o liberalismo na gaveta, como Durão Barroso e Paulo Portas fizeram, ainda há pouco tempo, com o tristemente célebre «choque fiscal».

Um Estado liberal é, portanto, coisa que não existe. Pensar o contrário é uma ingenuidade. De facto, o Estado só se contém na sua expansão natural de poder e soberania, se tiver uma forte resistência que o obrigue a isso, oposta por parte dos destinatários da sua generosidade governativa. Isto é, dos governados e nunca (ou muito, muito raramente) dos governantes. Por essa razão, tenho vindo a escrever que só uma sociedade de homens livres pode conhecer um Estado limitado, e que se eles não existirem não será o Estado a criá-los.

Quanto aos partidos políticos incorporarem medidas programáticas liberais, não vejo qualquer inconveniente nisso, mesmo se as não executarem se alguma vez chegarem ao poder. Sempre haverá alguma desilusão no meio de tudo isso, mas o encanto do poder e o seu efeito altamente afrodisíaco conseguem superar tudo isso e dar novo alento aos desanimados (Miguel Frasquilho, apesar de tudo, teve o bom senso e a honradez de se demitir. Até hoje, que saiba, ninguém lhe agradeceu.). Convém, porém, ser coerente: se o liberalismo é, a priori, por razões epistemológicas, avesso à planificação, ao intervencionismo e à programação política da sociedade («laissez faire…», não esqueçamos…), inventar um partido político com um programa de governo liberal talvez seja uma contradição. Embora, admita, alguns políticos possam achar mais ou menos conveniente para o exercício do poder criar mais ou menos Estado. O governo de Sócrates, por exemplo, tem desestatizado muito mais do que qualquer governo de direita, em Portugal, desde o primeiro governo de maioria absoluta de Aníbal Cavaco Silva. Sócrates é liberal? Certamente que não. Não pode é fazer doutra maneira, neste caso graças ao apertado controlo orçamental da União Europeia, que o obriga a encolher o Estado que governa. Duvido, porém, que o saldo final seja mais liberalizador do que no começo da jornada. Como para tudo, há na política muitas formas de levar o cântaro à fonte.

Em conclusão, que floresçam mil partidos liberais e mil tendências liberais em todos os partidos portugueses. Que isso será igual a nada se não existir uma forte consciência social liberal, ou seja, de desnecessidade do Estado, parece-me uma evidência que a história recente da nossa direita tem comprovado. Razão pela qual reputo de muitíssimo mais importante o que o Paulo tem vindo a fazer na revista «Atlântico», do que o que alguma vez poderá vir a fazer na ala liberal do CDS.

29 maio 2007

provas de aferissão


Exmo. Senhor Professor,

Tendosse vereficado certas dúbidas sobre a naturesa, objetivos e alcan-se das provas de aferissão de conhessimentos de português, vimos, por este único meio, informar o que se cegue:
1. As provas de aferissão de português não bizam, como o próprio nome não deixa dúbidas, abaliar cunhecimentos dos alunos, mas sim aferilos. É coisa cumpletamente diferente, como é savido.
2. Os cunhessimentos a aferir (não a abaliar, repitasse), não têm nada que ver com erros ortugráficos do português dos alunos, mas sim com o seu puder de intrepretação dos textos, capacidade criativa e imajinassão. É isto que nós queremos, neste caso, porque o bom ensino debe prevelegiar a criatividade aos "conhecimentos" furmais.
3. Por isso, este ano a prova de aferissão de cunhecimentos de português será feita através de crusinhas (sestema amaricano).
4. Os erros ortugráficos e outros que tais, serão aferidos noutras provas, onde, por sua bez, os alunos não teram de demonstrar capassidade intrepretatiba ou criativa.
Cada coisa no seu logar e cada macaco no seu galo.

Cumprasse!

A Bem da Nassão,

O Director
(assinatura completamente ilegível)

28 maio 2007

o liberalismo português é perigoso

Eu, que sou liberal, também considero o liberalismo português uma coisa perigosa, embora por motivos distintos (mas não muito) dos invocados por Luís Nobre Guedes na sua homérica entrevista ao Expresso. Para Guedes, a perigosidade da coisa tem duas razões: a coisa em si, que ignora a necessidade do Estado como mediador social, e a coisa enquanto governo do Estado, protagonizado por um grupo ou um partido político. Quanto à primeira, não poderia discordar mais. Mas, já quanto à segunda, não poderia, também, estar mais de acordo. Porque, quem pensar que o liberalismo é, ou poderá ser formatado, num programa político-partidário de governo, não percebeu a essência da dita coisa: o liberalismo não é uma ideologia, e nunca será um programa de acção do Estado (isto é, de governo do Estado). O liberalismo pretende, exactamente, o inverso, ou seja, desgovernamentalizar a sociedade e atacar o Estado. Por isso, se alguém lhe aparecer a dizer que quer criar um partido liberal, para fazer, no futuro, um governo liberal, num Estado liberal, desconfie: ou não sabe o que diz, ou, pior ainda, sabe bem demais o que está a dizer.

jardim gonçalves



O BCP (nunca me hei-de habituar ao «Millenium») está em convulsão. Paulo Teixeira Pinto e Jardim Gonçalves andam, segundo consta, de cadeias às avessas. Jardim quer reforçar os seus poderes de intervenção no Conselho de Administração, ao que dizem, insatisfeito com a gestão do sucessor que indicou, sobretudo na OPA ao BPI, e Teixeira Pinto pretenderá reforçar a sua posição, impedindo as pretensões do seu antecessor.
No meio disto tudo, algumas figuras secundárias têm vindo à praça pública dizer coisas menos agradáveis sobre o fundador do BCP. E é isto que irrita, que me irrita a mim, pelo menos, nesta crise, tão igual a tantas outras em Portugal: a falta de respeito por quem o merece, da parte de quem o devia ter, e essa absoluta falta de memória tão característica das nossas «instituições». Porque, não só a Jardim Gonçalves o BCP deve a sua existência, como Portugal lhe deve, em boa parte, o início da liberalização da banca, e um caso de sucesso inigualável na banca europeia. A democracia portuguesa deve-lhe muito, a ele, a quem nunca vimos pôr-se em bicos de pés ou tentar utilizar o poder e a influência que teve para fins que não fossem exclusivamente os do banco que dirigiu. Mas há mais: Paulo Teixeira Pinto, a quem não se ouviu ainda uma palavra de conforto a Jardim Gonçalves nesta crise, não devia esquecer que a posição que hoje ocupa no banco foi imposta por Jardim. Quando foi escolhido não era o preferido de ninguém, com excepção de Jardim Gonçalves, que o lá pôs. E tem ainda muito que provar para poder competir com a sombra do seu antecessor, sendo certo que, até agora, a sua prestação como presidente merece, pelo menos, algumas reservas. O silêncio que tem mantido nesta crise, deixando sem resposta os comentários menos agradáveis sobre Jardim que têm sido feitos por alguns dos grandes accionistas que o apoiam, também não parece muito bem.

o insurgente

O Insurgente destacou-nos esta semana. Vindo donde vem, é uma muito honrosa, e responsabilizante, distinção. Imerecida, por certo, só possível graças à amizade que nos une ao André Azevedo Alves e aos colaboradores de um dos melhores blogues nacionais.

26 maio 2007

guedes



Anda tudo em alvoroço com a entrevista de Nobre Guedes ao Expresso de hoje. Lida e relida, não se conseguem encontrar motivos para tanta indignação: Guedes limita-se a dizer que o CDS é um partido democrata-cristão, que não simpatiza com o liberalismo, desde logo, porque, em sua opinião, este choca com a realidade portuguesa.
Na verdade, ao que julgo saber, o CDS foi sempre um partido democrata-cristão, avesso ao liberalismo. Desde a sua fundação, até ao regresso de Portas, pelo menos. O que quer dizer, desde 1974 até 2007. Ou não terá sido o mesmo Paulo Portas, que reconduziu Nobre Guedes a seu número dois, que sempre se esforçou por afirmar que o partido era democrata-cristão e não liberal? Que, agora, regressado, admita a existência de uma tendência liberal, como de qualquer outra, desde que seja subscrita por quinhentos militantes, não faz do CDS um partido liberal, mas, citando La Palice, um partido democrata-cristão com uma tendência liberal! Como Nobre Guedes tratou, no Expresso, de sublinhar e ainda bem, para que não haja amargos de boca no futuro.

25 maio 2007

revisão da matéria dada

Vivemos num Estado Social. Por definição, trata-se de um Estado que suporta e sustenta os mais pobres, por via da redistribuição de rendimentos retirados aos mais ricos. Ora, como todos se queixam - os ricos, os pobres e os remediados, alguma coisa deve estar a funcionar mal: a distribuição, os rendimentos, os conceitos. Talvez fosse chegada a hora de os rever.

weimar

Santana Lopes anda farto da sua reforma política antecipada e de estar sentado, sem fazer nenhum, no «jardim dos passarinhos» da política portuguesa em que, segundo as suas próprias palavras, se transformou o nosso Parlamento. Para quebrar a rotina, chamou «nazi» ao seu partido e, pensa-se, inevitavelmente ao seu líder, o Dr. Marques Mendes, assim convertido no Adolf Hitler da III República. Ofendido, o seu companheiro de partido, o Comandante Azevedo Soares (um «Comandante de Terra Seca» que não conhece o doce sabor da «vitória», segundo Santana), vê «despeito, ressentimento e ambição» nas palavras do antigo primeiro-ministro.
Distante destas polémicas, Adolf, digo, Marques Mendes, preferiu sentir-se insultado por Mário Lino, em vez de nutrir os mesmos sentimentos pelo seu antecessor. Por falar em Lino, «jamais» se viu tamanha inabilidade de um ministro da República a lidar com um assunto tão pesaroso quanto o da construção do aeroporto da OTA. Insulto maior do que as suas «desérticas» declarações sobre a Margem Sul, só mesmo o despautério do professor-do-Porto-que-insultou-Sócrates-e-que-é-do-PSD-casado
-com-uma-senhora-vereadora-da-câmara-do-Porto-daquele-partido. Mas esse, felizmente, já teve o que merecia, porque em Portugal as autoridades vigiam. Esfíngico, o Presidente Ramalho Eanes quer esclarecimentos
Era neste ambiente de desnorteio, que antigamente se davam os pronunciamentos militares que depunham os governos e arrastavam regimes. Como somos, agora, um país da «Europa», logo, bem comportado, essas coisas já pertencem ao passado. O enfado das pessoas, esse, com ou sem revoluções à mistura, agrava-se a cada dia que passa. Até quando, a ver vamos.

24 maio 2007

na pista do liberalismo

Sem ter qualquer pretensão de contribuir para uma dogmática, aqui seguem um conjunto de pressupostos que julgo necessários ao(s) liberalismo(s).

1. Liberdade. A liberdade consiste, como lembrava Hayek, na ausência de coacção, ou, como dizia Pessoa (a pretexto de encontrar um conceito), na possibilidade de fazermos o que nos apetecer sem interferirmos com a liberdade dos outros. Em todo o caso, ela representará sempre a preferência pela escolha individual à escolha pública: a nossa liberdade será tanto maior quanto menor for a presença do poder público.

2. O reconhecimento da liberdade como direito natural, imanente à pessoa e à dignidade humana. De uma liberdade incondicionada que não seja por critérios de defesa da própria liberdade individual: da minha e da dos outros. O ponto aqui é o seguinte: a liberdade não resulta de uma concessão do poder público, mas é este que decorre da liberdade contratual dos cidadãos. Ela é anterior a qualquer forma de soberania, prevalece sobre ela e deve tutelá-la. A pretensão inversa de que a liberdade resulta do Estado, tradição intelectual filiada no conservadorismo hobbesiano, é contrária ao direito natural.

3. Propriedade. O direito a ter, manter, explorar e legar aquilo que é seu e que foi resultado de aquisição legítima ou fruto do próprio trabalho. Retirar propriedade aos seus legítimos possuidores sem o seu consentimento, é contrário ao direito natural e violenta a natureza humana. Foi à conta disso, que os regimes comunistas implodiram sem necessidade de auxílio externo.

4. Mercado. É, lato sensu, a designação encontrada para uma sociedade de homens livres. Nesta, a justa composição de interesses entre pessoas racionais dá-se sem necessidade de intermediários. Isto é, pela acção natural de uma «mão invisível». Por isso, numa sociedade liberal o direito privado deve prevalecer sobre o direito público, porque o interesse privado é superior ao metafórico «interesse público». Este, quando muito, invocando Locke, deve cingir-se à criação das condições necessárias para que aquele se possa materializar e desenvolver.

5. Troca. É na liberdade de trocar bens e serviços, que os cidadãos de uma sociedade livre se realizam e crescem. As trocas não intermediadas, e não as trocas fiscalizadas por um poder que nada tem a ver com elas, que não lhes acrescenta valor, antes o retira para fins incertos, frequentemente para o entregar a quem não o merece. O conceito de «troca», sendo eminentemente económico, não é exclusivamente pecuniário. Muito pelo contrário, todas as relações humanas são de intercâmbio, mesmo que reconditamente nos situemos muito para além do que é representado pelo dinheiro.

6. Instituições. Da livre interacção social entre indivíduos, resultam instituições. Umas de forma natural e espontânea, como a família e a moral social dominante, outras por via contratual, isto é, de modo volitivo e intencional. Nestas últimas incluem-se um sem número de entidades, organizações e de agências que os indivíduos vão constituindo para a satisfação de necessidades. As agências de protecção, por exemplo, são consideradas necessárias pelos indivíduos para garantirem eficazmente a sua segurança, a sua liberdade e a sua propriedade. O Estado foi, na sua origem, uma agência de segurança que os cidadãos contratualizaram.

7. Justiça. Os liberais consideram a justiça como uma instituição natural e metapolítica. Por isso, Locke não tipificava o poder judicial como uma função do Estado, ao contrário do que, mais tarde, Montesquieu veio a fazer. A justiça garante os direitos dos indivíduos e, no limite, a sua liberdade. É um árbitro e não uma parte. Foi instituída para, em abstracto, defender os direitos de todos os indivíduos, e, em concreto, para acorrer aos que dela necessitarem. Certamente, porém, que não foi para assegurar os «direitos» do Estado, isto é, da agência de segurança que os cidadãos contratualizaram para os defender, que a justiça existe. Essa verdadeira subversão da sua natureza é que explica, infelizmente, a sua mais do que comum instrumentalização.

8. Direito. O Direito é o conjunto de normas procedimentais, que determinam a regra socialmente mais conveniente para a composição dos interesses dos indivíduos. Deve, por conseguinte, ser apurada ao logo do tempo, e burilada na jurisprudência e na liberdade contratual. O Direito que resulta da pena do legislador, que não acate a tradição normativa social, é, via da regra, dirigista e deformador da liberdade individual e social. Com maus resultados, como é visível no nosso país, onde todos se queixam que há leis a mais e «direito» a menos.

9. Moral e Tolerância. A tolerância é um valor genuinamente liberal. Numa sociedade livre, os comportamentos individuais que não ponham em causa terceiros devem ser aceites e respeitados, ainda que violem preceitos de ordem moral. Por exemplo: a propriedade do próprio corpo, fundamento essencial do liberalismo, pode levar ao suicídio. Numa sociedade liberal, o suicida não é condenado, mas também não pode ser exaltado como exemplo a seguir. O liberalismo assenta numa ordem moral individual e social, que é composta pelas normas de comportamento consideradas mais favoráveis ao desenvolvimento da individualidade e de boa convivência comunitária. Nessa medida, embora possam coincidir em muitos preceitos, as normas da moral não se confundem com as normas religiosas. Nessa medida, também, o liberalismo representa valores morais (a liberdade, a propriedade, o mercado, etc.) e o facto de ser tolerante em relação a outro tipo de comportamentos não o faz cair no relativismo.

10. Estado. Não pode ignorar-se que os cidadãos, em momentos diferentes da sua existência, recorreram ao Estado para os proteger. Inicialmente criaram-no, mais tarde amplificaram os seus poderes para, julgavam eles, se sentirem mais seguros. Nessa medida, o Estado é uma instituição natural, ainda que o seu crescimento não o seja necessariamente. O posicionamento liberal contemporâneo face ao Estado deve ser o de tentar demonstrar aos cidadãos que eles têm mais vantagem em prescindir dele, do que em contratá-lo para cada vez desempenhar mais serviços. A natureza do liberalismo é, por conseguinte, pedagógica e não ideológica.

11. Ideologia e Pedagogia. O liberalismo não deve ser visto como uma ideologia, mas como uma filosofia global. Traduzi-lo num programa de intervenção governativa do Estado é quase negar a sua natureza. O «Estado Liberal», paradoxo indevidamente gerado pela Ciência Política sempre ávida de classificações e categorias, não se concebe com facilidade: a natureza do Estado, isto é, do poder público, é a expansão e não a retroacção. O Estado, por definição, não se liberaliza. Daqui, ao longo da história, têm surgido grandes equívocos e muitas desilusões. O que, de facto, existem são Estados contidos por sociedades liberais. Tocqueville, por exemplo, espantava-se com o culto que os primeiros americanos do norte prestavam à liberdade, e admirou-se com o facto das suas instituições, a começar pela Constituição, a respeitarem devotamente. Na verdade, numa sociedade de homens livres, com tradições de liberdade, propriedade e mercado, o Estado é contido. Por isso, antes de servir como programa político de intervenção na esfera pública, o liberalismo terá que ser uma pedagogia de formação de homens e cidadãos que amem a liberdade. Onde estes não existam, nunca o Estado os conseguirá inventar.

23 maio 2007

a tendência liberal

Os últimos «posts» aqui escritos sobre o liberalismo português têm pouco a ver com os recentes acontecimentos no CDS, a saber, com a criação de uma «tendência liberal», ao contrário do que alguns comentadores pareceram acreditar.
Por mim, e a esse respeito, apesar de duvidar seriamente da transposição de modelos liberais do Estado para a sociedade por via partidária, acho saudável o surgimento de grupos de militantes e dirigentes de partidos que se reclamem liberais. Mais ainda, quando no grupo se encontram pessoas por quem nutro consideração pessoal e política, não obstante a tendência ter nascido num partido onde o liberalismo nunca teve bom acolhimento. Partido que, de resto, tem ainda que demonstrar que esta abertura ao liberalismo não serve apenas para aproveitar a onda, mas que corresponderá a alguma coisa de substancial nas suas futuras políticas públicas, sobre as quais não seria mau começar a falar. Aqui ficamos à espera, para ver.

22 maio 2007

as «bandeiras fracturantes» dos nossos liberais

Os liberais portugueses adoptaram as chamadas «bandeiras fracturantes» como pontos de partida de eventuais programas político-partidários que possam vir a protagonizar. Curiosamente, quase sempre que um liberal acena uma «bandeira fracturante», quando exige isto ou aquilo, seja a liberalização do aborto, a legalização dos casamentos/uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo, a imposição de paradigmas de tolerância moral nos costumes, o reforço da laicização estatal, o tratamento igualitário destes com aqueles, está, ainda que não se aperceba, a dirigir-se ao Estado, a pedir ao Estado que intervenha num ou noutro sentido, a favor ou contra determinada posição.
Trata-se, claramente, de um esforço de voluntarismo político, que pressupõe a mudança da sociedade de forma vertical, de cima para baixo, mais precisamente, dos órgãos dirigentes do Estado para a sociedade. E, obviamente, do mais elementar dirigismo político, ainda que inspirado pelas melhores intenções.
Na verdade, antes de visarem o Estado e as suas instituições, o que os liberais devem cuidar é da criação de uma mentalidade liberal e de uma opinião pública que o seja genuinamente, isto é, que não queira saber do Estado para nada, ou que precise dele o menos possível.
De facto, para um liberal, as transformações políticas, nomeadamente as de pendor desestatizante não se dão de cima para baixo, sob o efeito benfazejo de um qualquer governante, mas de baixo para cima, por pressão da opinião pública e do eleitorado: quem tem poder nunca prescinde dele, a não ser que seja obrigado a fazê-lo. Quem se convencer do contrário só sofrerá desilusões. Como, de resto, ainda bem recentemente todos testemunhamos.

os meus problemas com o liberalismo português (too little, too late)

Quando, já lá vão muitos anos, comecei a ler umas coisas de alguns autores liberais, nomeadamente de Hayek, Mises e Friedman (este último, à época, muito em voga graças ao programa televisivo «Free to Choose»), pareceu-me estranho que, em Portugal, com a excepção de uma reduzidíssima minoria de pessoas, praticamente ninguém conhecesse estes autores, nem estivesse especialmente interessado em debater o que diziam.

Pouco tempo depois, por altura da segunda metade dos anos 80, quando alguns países da Europa continental os recuperaram, muito em parte graças a alguns excelentes divulgadores franceses, como Henri Lepage e Guy Sorman (mais o primeiro do que o segundo), continuámos a passar-lhes a latere. É certo que Lepage viu um livro seu traduzido em Portugal e Sorman dois ou três. Mas, contudo, as fontes originais continuaram desconhecidas e o liberalismo de raiz anglo-saxónica e austríaca, a que poderíamos chamar de evolucionista, empirista e anti-estatista, por contraposição ao liberalismo revolucionário, racionalista e jacobino permanecia praticamente ignorado. De Hayek, por exemplo, um autor mundialmente conhecido e traduzido, só me lembro de uma edição portuguesa do «The Road to Serfdom», de Orlando Vitorino, datada do final da década de 70. De Mises existe uma tradução velhinha do «Liberalismus» feita pelo Professor Teixeira Ribeiro, na remota década de 30. Dos outros autores clássicos (lato sensu), com a excepção de Locke, também não conheço nada. Das correntes norte-americanas, concretamente do libertarismo rothbardiano e randiano, ou de Nozick (já para não falar nos mais recente, como Jasay) idem aspas. Nem mesmo os americanos galardoados com o Nobel, como Friedman, Becker, ou Buchanan pareciam interessar às nossas editoras, às nossas universidades e aos nossos autores.

Com a excepção de João Carlos Espada, José Manuel Moreira e Pedro Arroja, os três revelados ao grande público português no final da década de 80, ninguém parecia estar disposto a patrocinar esta forma de liberalismo, segundo asseguravam esses autores, a sua forma original e dominante no mundo anglo-saxónico. De facto, em Portugal o liberalismo continuava a ser uma coisa dos franceses anticlerical e jacobina, perseguidora dos reis e dos crentes, uma bizantinisse carbonária saída da pistola do Buiça e da espada flamejante de D. Pedro IV. A direita portuguesa detestava-o e a esquerda não lhe reconhecia qualquer mérito, invocando sempre a autenticidade da matriz francesa e do virtuoso e «incorruptível» Maximiliano. A coisa continuou a ser, malgré-tout, própria de seita, na qual eu mesmo me integrava, e por onde não via muito mais gente.

Daí o meu espanto, há quatro anos atrás, quando comecei a aproximar-me da blogosfera nacional, ao constatar uma profusão imensa de blogues e de bloguers liberais. Liberais de inspiração clássica, distanciados do liberalismo francês. Para além do mais, profundos conhecedores dos seus principais autores e das suas obras. Em suma, gente intelectualmente muito bem formada e ainda melhor preparada, muitos deles professores e investigadores universitários que sabiam do que estavam a falar. A sensação que se tinha, e manteve por algum tempo, era a de que o liberalismo tinha invadido o país, caído ninguém sabia bem donde, mas que tinha vindo para ficar e para influenciar decididamente a cultura política nacional.

A evolução da blogosfera liberal conheceu alguns casos de inegável sucesso, que se transpuseram, muitos deles, para os media tradicionais, contribuíram para algumas publicações interessantes, para a criação de certos círculos de divulgação e investigação, para inspirar jornais e jornalistas, e até – pasme-se! – para que o liberalismo passasse a ser um chavão interessante utilizado com frequência por alguns partidos e dirigentes político.

Infelizmente, ao contrário do que seria de esperar, a coisa tem-se vindo a diluir em vez de consolidar. Apesar do tempo percorrido, os contornos do que poderia ser, hoje, um pensamento liberal português estão muito mais indefinidos do que há um ano atrás. As expectativas criadas ficaram muito aquém da evolução que seria legítimo imaginar que pudesse vir a ter, e percebe-se agora que o liberalismo em Portugal tem vindo a perder substância. Quando, por exemplo, alguns protagonistas políticos o referem, ou quando outros dizem que querem fazer dele uma bandeira de intervenção, percebe-se que não sabem exactamente do que estão a falar. Por outro lado, certos casos de genuína intervenção liberal têm preferido a radicalização jacobina dos valores do anticlericalismo e de uma espécie de ética republicana ressuscitada dos primórdios do século passado (a liberdade cívica, o laicismo militante, o apelo ao intervencionismo estatal para a defesa de valores tidos por fundamentais, como o «direito ao corpo das mulheres», etc.), aos fundamentos do liberalismo clássico, a saber, a defesa da liberdade individual, da propriedade, da desestatização, do mercado e da liberdade contratual. Quase podemos dizer que a tradição francesa continental prevaleceu novamente sobre a sua concorrente, e que como uma gigantesca floresta deixada à solta por quem não a sabia dominar, devorou os vestígios da civilização. Por outras palavras, esta brevíssima «primavera liberal» portuguesa, com avançados sinais actuais de senilidade precoce, não soube fazer convenientemente a exploração do seu sucesso. É pena. Foi pena.

18 maio 2007

independentes 2

Afinal, Carmona Rodrigues não será candidato à Câmara de Lisboa. Diz que não tem tempo para reunir 4.000 assinaturas, apesar dos muitos apoios que teve nos últimos dias. Helena Roseta também começa a sentir dificuldades e provavelmente não conseguirá candidatar-se. Nos últimos dias, viu-se envolvida num emaranhado legal: recorreu da data das eleições, alegando que os prazos legais não foram respeitados. Parece, porém, que a lei que permite as candidaturas de independentes às eleições autárquicas, veda a possibilidade de recurso aos candidatos que não se apresentem em listas partidárias. Na melhor das hipóteses, se a sua petição for admitida, a decisão só será conhecida muito depois de 1 de Julho. Isto é, já depois das eleições e com nova Câmara eleita.
Está visto que até nestas eleições, que por via impositiva do Direito Comunitário se viram abertas a independentes, o proteccionismo do Estado aos partidos é enorme, ao ponto daqueles praticamente não conseguirem candidatar-se. Note-se que, nestes dois casos, não estamos a falar de cidadãos comuns, mas num putativo candidato que é ainda presidente da autarquia, e uma política e técnica prestigiada com anos de carreira pública. Imagine-se, agora, como seria com cidadãos verdadeiramente independentes... Não há dúvida que o sistema continuará fechado por muitos e bons anos.

P.S.: Hoje mesmo o P.S. e o P.S.D. entretiveram-se, pela enésima vez, a discutir a criação de círculos uninominais para as eleições legislativas. Hipótese que, segundo António Martins, o P.S. aceita desde que seja salvaguardado o «sagrado princípio da representação proporcional». Isto é, o célebre método de Hondt. Que, combinado com os círculos uninominais, deve dar uma fórmula extraordinária...

17 maio 2007

independentes

As candidaturas independentes de Carmona Rodrigues e de Helena Roseta à Câmara de Lisboa, e num passado recente as de Manuel Alegre à Presidência da República, e as de outros candidatos independentes nas últimas eleições autárquicas, começam a evidenciar que, ao fim de trinta e três anos de regime, há vida política em Portugal para além dos partidos. Às vezes, sem ser pelas melhores razões, o que é facto é que um conjunto de candidatos tornados independentes tem vindo a obter resultados interessantes, alguns até vencedores, nas eleições onde concorrem e a que Constituição permite as suas candidaturas. Só esta razão explica, de resto, que a lei continue a proibir a apresentação de candidaturas independentes em lista própria às eleições legislativas, e o eterno adiamento da criação de círculos uninominais onde aquelas candidaturas, mais tarde ou mais cedo, acabariam por ter que ser aceites. O oligopólio dos partidos fundadores do regime sobre o sistema mantém-se, assim, por via de uma lei eleitoral que não querem mudar.

16 maio 2007

o regresso do eixo

Assim que acabou a cerimónia de tomada de posse, Nicolas Sarkozy rumou para a Alemanha, para uma reunião com Angela Merkel, a fim de debaterem o futuro da Europa, isto é, da União Europeia.
A importância do facto é óbvia: Sarkozy assinala como primeira prioridade da sua acção governativa a política europeia e a reconstituição do eixo franco-alemão, que foi sempre o dínamo da integração comunitária, e que esteve adormecido nos últimos anos devido à senilidade pessoal e política de Jacques Chirac e Gerhard Schroeder. As consequências desta decisão são, também, evidentes: a aprovação, para breve, de um tratado constitucional para a União Europeia (o antigo ou um novo, indo, de resto, ao encontro da vontade expressa da Chanceler alemã), o reforço do processo de integração comunitário dirigido por esses dois países, e uma substancial redução da importância política da instituição mais supranacional da União - a Comissão, cujo Presidente, José Manuel Durão Barroso, não foi, ao que se sabe, convidado a estar presente.
Neste cenário, haverá, por certo, necessidade de encontrar um novo protagonista para chefiar a Comissão, o que levará a um mais do que provável regresso a casa antecipado do seu actual presidente.

uma velha anedota



Um jovem e ambicioso gestor foi contratado para CEO de uma grande e importante empresa.
Na conversa com o seu antecessor, no momento da passagem de testemunho, ouve as seguintes palavras: «Meu rapaz, tens aqui um belo lugar à tua espera. A empresa é próspera, os resultados vêm por si, a notoriedade profissional é imensa, um ordenado fabuloso e, no fim de contas, o trabalho nem é assim tanto. Ou seja, tens tudo para triunfar. Porém, se as coisas começarem a correr menos bem, deixo-te aqui estas três cartas numeradas, que deverás abrir sequencialmente, à medida das necessidades».
Ao fim de algum tempo o cargo, a rentabilidade da empresa começou a diminuir e os accionistas de referência a manifestarem preocupação. O jovem gestor abre a primeira carta onde lê: «Atira as culpas para o teu antecessor. Diz que herdaste uma situação desesperada e que precisas de tempo para recuperar».
O gestor seguiu religiosamente os conselhos recebidos e os accionistas amainaram. A empresa, essa, estabilizou momentaneamente, mas não conseguiu evitar nova crise. Aberta a segunda carta, o talentoso jovem lê o seguinte: «Meu rapaz, atira as culpas para a crise e para as dificuldades da conjuntura. Diz que em breve, assim ela passe, as coisas voltarão à normalidade». Assim o fez e, de facto, conseguiu acalmar os ânimos. A empresa, contudo, continuava a definhar.
Por fim, um dia, rebentou a bronca: demissão do Conselho de Administração, resultados anuais catastróficos, falta de apoio dos accionistas, negas sucessivas aos convites para renovar a Administração, enfim, uma situação alarmante. Em estado de desespero, o rapaz abre a terceira e última carta. Nela encontra uma única frase: «Meu filho, é chegada a hora de te sentares e escreveres três cartas».

15 maio 2007

«a vida é muito complicada»



Notável, a entrevista com Eduardo Lourenço, um dos mais brilhantes pensadores portugueses do nosso tempo, editada na Pública do último domingo. Apesar do interesse de todo o extenso texto, o destaque vai direito para as partes sobre a Igreja Católica e Bento XVI, e sobre Salazar. A respeito das relações deste último com a sua oposição, sobre as quais conta algumas pequenas histórias com interesse, Lourenço concluí que «a vida é muito complicada». Complicada e nada linear, se nos é permitido acrescentar.

direito natural e pena de morte



«Como utilizar um alegado princípio de Direito Natural para defender o absoluto da propriedade perante o estado, e a seguir conferir a esse mesmo estado o poder de exercer uma força terminal em relação a um indivíduo?», pergunta JLP no Small Brother, em forma de crítica aos meus dois anteriores «post» aqui editados.

Em tentativa de resposta, eu começaria por dizer que uma coisa é o Direito Natural, traduzido num conjunto de direitos individuais tidos como fundamentais, segundo uma cartilha liberal clássica (isto é, não confundir com os soit-disant «direitos fundamentais» de segunda e terceira geração), coisa diferente é a sua garantia. Esta última só por via contratual pode ser assegurada, tanto quanto é possível nas sociedades humanas. Não me repugna, de resto, que esse contrato seja um «contrato social», como foi concebido na segunda metade do século XVII por Locke, isto é, um «pactum societatis» do qual resulte a forma estadual de organização política de uma determinada comunidade, ou que esse contrato seja individual, isto é, que se estabeleça entre um indivíduo e, por exemplo, uma empresa de segurança, como hoje tão frequentemente sucede à falta de melhor. Sou até capaz de admitir que a emergência do Estado Moderno europeu se deveu a sentidas necessidades de segurança, como admito que as mesmas necessidades tenham justificado a eclosão do Estado social (lembra-se do papão do «crash» de 29, certamente). São elas também, muito curiosamente, que podem explicar que, perante a sua rotunda falência e o seu óbvio fracasso sobre quase todas as cláusulas do contrato social que lhe competiam cumprir, grande maioria dos cidadãos suas vítimas continuem a pregar e a berrar pelo seu crescimento. O problema do «contrato social» não está, em teoria, no Estado, como em nenhum contrato está, ab initio e em teoria também, nas partes que o celebraram, em princípio, presume-se, de boa fé, mas sim no facto de não ser cumprido, quaisquer que sejam os motivos. Por essa razão, os liberais exigiram, no passado, que o Estado passasse a ser um Estado de direito, e hoje pretendem que ele devolva à liberdade contratual as cláusulas do contrato social anteriormente celebrado, que desrespeitou ou foi incapaz de cumprir. A meu ver muitas. Pelo menos, neste caso, a primeira de todas as cláusulas: a segurança dos cidadãos, das suas pessoas físicas e dos seus bens.

Coisa distinta de tudo isto é a justiça: o poder de fazer acatar e cumprir os contratos livremente assumidos pelos cidadãos, e de decidir por eles quando eles se não conseguem entender sobre o que pactuaram. A ideia de que quem condena ou absolve é o Estado é uma perversão do ideal da justiça e das suas instituições. Quem condena ou absolve são os cidadãos representados por instituições normativas e judiciais que eles próprios foram convencionalmente e consuetudinariamente gerando, ao longo do tempo. Por isso, ainda hoje nalguns ordenamentos jurídicos a justiça é feita «em nome do povo» (conceito, reconheço, um tanto ou quanto sujeito a falsificações). Antes do Estado existiam tribunais e normas jurídicas para eles aplicarem. Com o Estado, em muitos Estados, coexistiram formas de justiça estadual com outras, por exemplo, a municipal e a senhorial. Hoje, nos Estados regionalizados e federais a justiça tem níveis diferenciados, legitimidades orgânicas distintas, esgota-se em patamares de soberania autónomos consoante a tipologia das causas. No nosso país, por exemplo, a «justiça» soberana do Estado português não pode senão, em inúmeras matérias (cada vez em mais), remeter para o Luxemburgo e ficar a aguardar sentença.

Que tem isto a ver com a pena de morte aplicável a indivíduos que racionalmente, no pleno uso das suas faculdades, usam para fins ignóbeis a força bruta sobre as crianças, condenando-as à escravidão, ao terror e à morte, pela forma mais abjecta de todas: a sexual? Falamos, saliente-se, de verdadeiros actos de comércio e não de actos tresloucados praticados por gente insane. Do ponto de vista liberal, parece evidente: a necessidade da sociedade encontrar uma forma que a generalidade das suas instâncias de representação política enjeitou há décadas, para salvaguardar o direito natural à vida, à segurança e, obviamente, à liberdade, que, de outro modo, parece ser difícil assegurar. Porque, uma sociedade incapaz de proteger os seus filhos desmerece-se e, no limite, não tem futuro.

13 maio 2007

que oportunidade? *



Como era de calcular, o «post» sobre a pena de morte provocou algumas legítimas reacções de repúdio e algumas outras de cuidadosa reserva, consequência natural da violência da medida proposta e da tradição ocidental de considerar a sua abolição um sinónimo de civilização.
Entre as críticas e as questões suscitadas, há duas que merecem reflexão aprofundada: o de saber se a sanção criminal deve ter preponderantemente um valor retributivo, preventivo ou correctivo; e se, do ponto de vista liberal, é legítimo aceitar que o «Estado» possa punir alguém com um tão grave castigo. Vamos, então, a elas.

Uma das falácias de uma certa mentalidade jurídico-penal é a de que todos os criminosos são, no essencial, iguais na sua humanidade, logo devem merecer a esperança de recuperação, independentemente da natureza dos seus crimes. O que varia, aqui, segundo esta perspectiva, é medida da pena, maior ou menor consoante o tipo de crimes e a sua gravidade. Porém, no limite, como todos os homens são iguais e, por isso, são merecedores, todos eles, da oportunidade de se redimirem, são proibidas as penas de morte e de prisão perpétua. Esta perspectiva assenta num ideal quase rousseauniano, segundo o qual os homens são tendencialmente bons e propensamente corrompidos pela sociedade. No auge da loucura dominante desta mentalidade, nos anos 60 e 70 do século passado, era comum dizer-se que a culpa do crime era da sociedade, nunca do criminoso. Muitos ordenamentos jurídicos reflectiram, em tempo, esta ideologia e quase todos se mantêm, ainda hoje, reféns dela, mesmo que em menor grau.

Sem dúvida que num acto criminoso podem ocorrer, em concreto, mil e uma circunstâncias e motivos. Uma lei equilibrada e uma justiça sensata e bem preparada pode prever essas causas, dando-lhes importância atenuante ou agravadora do comportamento do agente, conforme as circunstâncias, daí resultando, a jusante, sentenças mais ou menos severas.

Todavia, não é disto que estamos a falar, mas, do ponto de vista liberal, de uma outra coisa: a de saber se uma sociedade livre que quer, e tem direito, à segurança, deve ou não conceder a oportunidade de regeneração a todos os criminosos, sem excepção, expondo-se à repetição dos actos e, pior do que isso, a que quem está disposto a praticá-los conte antecipadamente com este nível de tolerância por parte das suas vítimas. Mais uma vez, segundo a perspectiva abolicionista, a ideia é a de que todos merecem uma segunda oportunidade.

Do ponto de vista liberal, em minha opinião, uma sociedade tem o direito de, em certos casos, não conceder esse direito a quem ultrapassa os limites mínimos da vida em sociedade. Presume-se, naturalmente, a plena consciência e a total racionalidade dos comportamentos, e não aqueles que são enquadráveis em desequilíbrios emocionais ou psíquicos, momentâneos ou permanentes. Por isso, se deu como exemplo de um tipo legal de crime merecedor da pena de morte, a violência extrema exercida sobre quem não pode defender-se – as crianças, que significa raptá-las para fins abjectos como a prática de actos de pedofilia, isto é, condenar seres inocentes e indefesos a um horror que me parece francamente impossível de ultrapassar.

Nestes casos, e retomamos as questões suscitadas ao «post» anterior, é ou não legítimo, de um ponto de vista liberal, que uma comunidade se queira defender e defender os seus filhos. Ou não será a segurança, isto é, a necessidade dela, que fundamenta o contrato social proposto por Locke? Obviamente que, como escreveu o João Miranda, a retribuição penal é também admissível numa óptica liberal, podendo mesmo ser valorada como o princípio fundamental de uma política liberal para o crime. Mas, antes dela, existe a segurança, sem a qual o liberalismo não concebe a necessidade da organização política da sociedade: segurança das pessoas e da sua propriedade. Por isso e neste caso, a pena de morte será mais uma forma de prevenção social do que um castigo do infractor.

E aqui entronca a última objecção: a de que um liberal aceite que o Estado possa punir um homem com a pena de morte. A questão está, a meu ver, mal posta Para o liberalismo, a justiça é uma emanação natural da sociedade. Resulta, as normas jurídicas e a sua aplicação, de necessidades naturalmente sentidas pelos seres humanos em contexto social. Saber se o Estado deve, ou não, ter o monopólio da justiça (da enunciação das normas jurídicas e da sua aplicação) é já uma outra questão. Mas nada tem a ver com a admissibilidade ou não da pena capital.

* Estes «posts» têm sido escritos sob a pressão dos factos ocorridos com a pequena Madeleine, que alguns criminosos raptaram para, segundo se noticia, a condenarem à escravidão sexual. Uma criança de quatro anos, privada dos seus pais, da sua alegria, do seu direito a crescer livremente. Parece que os criminosos a teriam já «marcado» desde o seu embarque em Inglaterra, que a seguiram desde aí, executando o «plano» no Algarve. Ou seja: tratam-se de adultos a violentar conscientemente uma criança de quatro anos e a condená-la ao terror máximo de ser física e moralmente violada por adultos, e não exactamente de um tarado qualquer que agiu sob um impulso abjecto. Será possível conceber perdão e arrependimento para tipos deste quilate? Deve uma sociedade dar uma segunda oportunidade a gente desta? E, já agora, que oportunidade?

11 maio 2007

pelo retorno da pena de morte

No Direito Criminal, a teoria da pena foi-se encaminhando, ao longo dos tempos, para a humanização da sanção aplicada a quem cometia uma infracção susceptível de qualificação penal, e pela valoração conjugada e equilibrada de dois princípios fundamentais: o da punição (meramente repressiva ou preventiva) do acto praticado e do seu agente, e o da reinserção social e recuperação humana deste último.
O primeiro princípio foi, durante séculos, o único a orientar o regime penal, primeiro, através da «vindicta privada», pela qual os ofendidos ou os seus herdeiros podiam infligir ao criminoso um mal pelo menos igual ao praticado, e mais tarde pela usurpação do Estado do monopólio de castigar. O segundo veio a desenvolver-se a partir do século XVIII, sob a influência do humanismo europeu de setecentos, e do humanitarismo jurídico daquele século e do que se lhe seguiu. Assenta nas ideias, mais do que defensáveis, de que a vida humana é sagrada (influência óbvia do pensamento cristão), de que nenhuma autoridade política tem legitimidade para retirar a vida a um homem, e que, no limite, por mais abjectos que sejam os actos sob condenação, é sempre possível manter a esperança da recuperação e reinserção social de quem os praticou. Em última análise, trata-se, aqui também, da velha ideia cristã de que o arrependimento está ao alcance de todos os homens e, por consequência, também deve estar o perdão.

Quando o Estado, nos fins da Idade Média, começa a ganhar os contornos que lhe viriam a conferir a sua modernidade, a «vindicta privada» torna-se proibida e só ele passa a poder punir. Na pena de morte, o Estado mantém a maior parte dos crimes que anteriormente a previam, como o homicídio, desenvolve alguns novos, como a feitiçaria, e cria o crime de lesa-magestade, mais tarde substituído pelo de traição grave à pátria, sobretudo em circunstâncias de excepção como a guerra. Em todo o caso, os abusos frequentemente cometidos pela administração destes últimos tipos legais de crimes, os que são contra o Estado, representando, este, a comunidade, e, aqueles, actos que põem em causa a segurança de todos, levaram a que os Estados totalitários utilizassem frequentemente a pena de morte por razões políticas ignóbeis, quase sempre escondidas sob o manto diáfano do execrando francesismo da «raison d’État».

Curiosamente, foram estes últimos crimes (contra o Estado) a conhecerem a abolição mais tardia da pena de morte. Ao invés, a generalidade dos crimes políticos e civis foram vendo progressivamente as penas de morte que lhes correspondiam nalguns países substituídas por outras penas de prisão. Em Portugal, que a aboliu para os crimes políticos em 1852, para crimes civis alguns anos mais tarde, em 1867, nos crimes de traição ao Estado só o fez em 1911, tendo sido reposta logo em 1916 para os crimes militares (embora nunca aplicada), e definitivamente expurgada do nosso ordenamento jurídico em 1976. Portugal considera-se, assim, um dos primeiros países a ter abolido essa infâmia e orgulha-se disso. Eu penso, porém, que está na altura de ponderar seriamente o seu regresso, não para crimes políticos, menos ainda para os crimes contra o Estado, mas para alguns crimes praticados contra quem não pode em circunstância alguma defender-se: as crianças. A ideia pode parecer absurda, desumana e imprópria de um espírito liberal. Penso, porém, exactamente o contrário.

Se, como Gary Becker pareceu ter demonstrado na aplicação da teoria económica ao crime, muitos agentes criminosos agem com plena consciência dos seus actos, isto é, sabendo perfeitamente o que estão a fazer, e fazem-no para obter uma compensação imensamente superior ao risco que estão dispostos a correr, então, para estes casos, só a ameaça de um castigo muito superior ao lucro que pretendem obter os poderá inibir de agir.
Imagine-se que alguém que rapta uma criança para a comercializar no mundo abjecto da pedofilia, agindo apenas com o fim de obter uma compensação pecuniária para si. Não há, provavelmente, por mais que nos esforcemos, ideia mais abjecta e repelente do que atacar uma criança, tirar-lhe a sua liberdade, a sua alegria, a companhia dos pais, e condená-la ao terror e à escravidão sexual. Uma criança, ao contrário de um adulto, não sabe, não pode, defender-se. Existem relatos de imagens de crianças de meses, ainda bebés, a serem sexualmente molestados, violados até. Com crianças de dois, três, quatro e mais anos, isso parece ser, desgraçadamente, muito frequente. Se a oferta dessas vilezas é abundante, é porque ela dispõe de um mercado consumidor de tarados numeroso. Admito que em relação a estes últimos, aqueles que praticam semelhantes actos e os que se satisfazem a observá-los, não haja lugar à pena de morte. Em regra, tratam-se de dementes, no mínimo de pessoas desequilibradas, e, por isso, a referida esperança na recuperação e, até, no arrependimento, deve presidir à determinação da natureza e da medida da sanção punitiva. Contudo, para quem friamente faz do rapto de crianças um negócio, para quem age friamente, sem estar sob o domínio de pulsões doentias, sabendo perfeitamente o que está a fazer e o destino que será dado a alguém que não pode (e provavelmente não poderá nunca) defender-se, para quem comete um acto cuja ignomínia não tem igual, só uma ameaça muito séria poderá hesitar: a da sua própria morte. Nestes casos, não só a teria como muito bem vinda, como a acharia mesmo justa e humana.

05 maio 2007

dá que pensar


País curioso, a França. Dirigida, desde os primórdios da V República (1958), por chefes de Estado de direita (De Gaulle, Pompidou, Giscard e Chirac), com excepção do consulado de Miterrand, entre 1981 e 1995, é o mais estatista dos países da Europa Ocidental. Dá que pensar.

04 maio 2007

obviamente, demitia-o



Há muitos anos atrás, em pleno exercício de funções políticas do cargo de primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro viu o seu nome manchado com a suspeita de se ter locupletado com dinheiros que não lhe pertenciam. Não me lembro, francamente, de que dinheiro se tratava nem a quem pertenceria, mas recordo-me de ver o assunto a ser explorado pelos partidos da oposição, nas primeiras páginas dos jornais, na televisão e nas paredes do país. Destas últimas não esqueço uma pichagem que dizia: «Sá Carneiro, devolve o que roubaste!» Não sei, também, se foi aberto algum inquérito e se o malogrado primeiro-ministro foi constituído ou não arguido. Provavelmente, não, até porque os tempos eram outros. Lembro-me, porém, que muito tempo passado sobre a sua morte, um jornal qualquer esclareceu que Sá Carneiro nada tivera a ver com essas acusações que publicamente lhe foram movidas. Era, portanto, inocente.
Durante esse período em que se viu publicamente acusado, Sá Carneiro era um político no activo, com responsabilidades no governo do país. Pelos critérios de elevada moralidade do actual presidente do PSD, não lhe sobraria outro destino que não fosse a demissão.

d'ormesson



«Sou um homem de Deus. Nada posso fazer: um anjo tocou-me com a sua asa.
Bem sei: era um segredo. Entre mim e Deus. Tinha prometido a mim mesmo não falar em seu nome e guardar segredo daquilo que me confiara. Mas o peso de Deus sobre os meus ombros tornou-se insustentável. Ardia-me no coração um fogo devorador. Esforcei-me por contê-lo. Não fui capaz. Já não consigo evitar de falar.»

Jean d'Ormesson, A Criação do Mundo. Um belo livro para criacionistas ateus.

02 maio 2007

défices democráticos


Alberto João Jardim prepara-se para ganhar mais umas eleições legislativas regionais, com maioria absoluta, para não destoar. Uma vez mais, também, as oposições, a insular e a continental, repetirão a ladainha do costume sobre o «défice democrático» da Ilha da Madeira, tendo já havido, até, quem comparasse o bonacheirão líder madeirense a José Estaline. Presume-se que o falecido dirigente soviético e não um qualquer infeliz homónimo, eventualmente descendente de admiradores fanáticos do «Sol da Terra». Qualquer hipótese de mérito pessoal e de obra realizada parece estar decididamente posta de lado, pelo que há que esclarecer se Jardim dispõe de polícia política, se persegue e agride adversários, se os tortura em locais sinistros, se proíbe a circulação de jornais, impõe a censura prévia, veda a entrada de jornais e publicações do exterior, de canais e programas televisivos, se dá chapeladas eleitorais e põe os mortos a votar, etc. Ou seja, resta saber se a Madeira é uma espécie de Cuba, se Jardim um sósia de Fidel e, já agora, porquê. Porque, a não ser assim, a hipótese alternativa é desagradável para os nossos políticos e é capaz de os diminuir: Jardim é um político populista, como todos os que conseguem sê-lo, com obra feita e competência governativa reconhecida pelos seus concidadãos, o que já é menos comum. Seria, assim, mais útil que os nossos políticos se interrogassem porque perdem eleições com tanta frequência, em vez de quererem saber porque motivo Jardim as ganha.