21 dezembro 2006

totalitarismo

O totalitarismo consiste na invasão do domínio privado pelo público, na substituição da liberdade individual pela soberania do Estado. Não é, necessariamente, um atributo dos regimes ditatoriais, nem se caracteriza por ser ou não exercido legitimamente, isto é, pela força do voto ou pela força das armas.
As democracias e os governos representativos têm vindo a ampliar desmesuradamente o seu âmbito de funções e competências, de tal modo que, nos dias que correm, nenhum domínio social lhes é estranho. À força de expandir os «direitos fundamentais» para além do seu núcleo mais importante dos chamados de «primeira geração», estes acabaram por se tornar inexequíveis e impraticáveis, tendo-se, todos eles, descaracterizado, ao ponto de serem vistos, hoje, como prefácios românticos dos nossos textos constitucionais. Não servem, por isso, como no passado, para imporem limites sérios ao poder do Estado. Como, também, a própria democracia poderá não chegar para conter os seus ímpetos totalitários. Bem pelo contrário, frequentemente, quem chega ao poder quer mais do que quem lá esteve e não tem quaisquer dificuldades em consegui-lo: basta, para tanto, legislar. Os ímpetos de quem nos governa só ciclicamente, de quatro em quatro anos, à beira de eleições, conhecem freios: são os chamados «segundos ciclos da legislatura», onde o poder se adoça à procura do voto.
Se Bertrand de Jouvenel lembrava que a condição natural do poder é a expansão, a tarefa prioritária do liberalismo nas sociedades ocidentais de hoje, altamente complexas, sofisticadas e tecnologicamente desenvolvidas, é, por conseguinte, enfrentar o totalitarismo democrático. Ou seja, pugnar por uma pedagogia cívica e política capaz de remeter o Estado dentro de limites que nunca deveria ter ultrapassado.

20 dezembro 2006

agenda liberal 2

Pedro Arroja acredita que uma verdadeira agenda liberal em Portugal deve cuidar, sucessivamente, da defesa dos direitos individuais, da criação de instituições civis que representem os cidadãos e os seus interesses, e da reforma da justiça.
Trata-se, verdadeiramente, de uma lista de cuidados mínimos, ou de emergência, à qual acrescentaria um sem número de outros itens: a reforma administrativa do Estado, a revisão das suas funções ditas de soberania, a lei eleitoral e o estatuto dos partidos políticos, o excesso de normatividade e a reduzida eficácia das leis, etc, etc, etc.
Vistas assim as coisas, dir-se-ia que, do ponto de vista liberal, muito, ou quase tudo, está por fazer em Portugal. Por conseguinte, se assim é, devemos começar por tentar compreender como chegámos a um ponto destes ao fim de oito séculos de história, ou, em alternativa, porque nunca conseguimos passar disto? Por que razão Portugal continua a ser um país estatizado, onde não existem sequer instituições civis de defesa da cidadania? A resposta, temo, não será agradável de ouvir.

um partido para os nossos netos

Não existe um CDS, mas, pelo menos, três: o democrata-cristão de Ribeiro e Castro, o populista de Manuel Monteiro e o pragmático de Paulo Portas. Estas três facções e os seus respectivos líderes estão, fora ou dentro do partido, em conflito aceso pelos 8% de eleitorado que, na melhor das hipóteses, correspondem ao seu espaço eleitoral máximo. Na última vez que chegou ao governo, como sempre em coligação com o PSD, o CDS era um partido razoavelmente unido, que unido tinha atravessado vinte anos de deserto. A multiplicar por três, daqui por sessenta anos lá o voltaremos a ver.

o valor da democracia

Às vezes os liberais tendem a desvalorizar a democracia em favor de outros valores, como a liberdade, a propriedade e os direitos individuais, vendo-a como um mero instrumento ao seu serviço. Fundamentam essa convicção nas imperfeições dos regimes democráticos, nos frequentes excessos que em nome da democracia são cometidos, preferindo, então, tê-la como um simples processo de substituição pacífica dos governantes.
Todavia, é graças à democracia e a esse «simples processo» de transferência tranquila da soberania, em nome do qual se bateram e se sacrificaram gerações e povos inteiros, que a liberdade pode ser usufruída. A democracia não é, por conseguinte, apenas mais um instrumento processual de uma sociedade livre: ela precede-a, fundamenta-a e estrutura-a. O erro de a diminuir, ou de a tentar substituir por outros mecanismos, pode levar a abismos perigosos e a tentações «iluministas» pouco ou nada esclarecidas.
Uma sociedade onde vigorem as regras da democracia poderá não ser absolutamente livre; mas se elas não estiverem lá será sempre uma ditadura.

do cabaré para o fcp

Jorge Nuno Pinto da Costa gosta de mulheres. Tendo em conta os tempos que correm e a sua já razoável idade, é um facto assinalável e merecedor de respeito.
Como os anos já não ajudam, tem, eventualmente, de visitar com mais assiduidade do que desejaria os cabarés da cidade do Porto. Lá as coisas parecem mais fáceis e o encanto é imediato: uma dança mais apertada, uma conversa mais íntima, uma troca de olhares, tudo isto, e mais a avançada técnica e conversa das profissionais de serviço, contribui para resultados rápidos.
Mole de coração - a idade não perdoa, Pinto da Costa enamora-se. Apaixona-se, até. Passeia-se em público com os frutos da sua paixão, leva-os ao «Dragão» ver a bola, apresenta-os a Primeiros-Ministros e a Presidentes da República, deixa-se fotografar na sua companhia para revistas de sociedade, escreve bilhetes amorosos, proclama juras de amor eterno.
Um dia, pelo excesso de evidências, apercebe-se que, afinal, aquele amor não era «sincero». Temperamental, põe a moça na rua com os trapos que trazia no corpo quando a conheceu, e ela, que passa num ápice de my fair lady para gata borralheira, não aprecia o tratamento.
O resto da história já todos conhecemos. Resta apurar se ela tem alguma moral que valha a pena enunciar, e é evidente que tem.
De facto, se há coisas que um senhor de idade deve fazer discretamente, essas coisas não podem acontecer se esse mesmo senhor exerce funções da importância das de Jorge Nuno Pinto da Costa. Coisas que não devem nem podem recair sobre a imagem pública da instituição a que preside, sobre os seus sócios, mas, principalmente, sobre os accionistas da SAD que sustenta o clube. É que, diga-se em forma de conclusão, o que não cai bem em toda esta história não é o facto de Pinto da Costa ter muitos ou poucos processos judiciais - nos quais se presume inocente até prova em contrário proferida por sentença judicial transitada em julgado. O que francamente o descaracteriza, como mítico presidente do FCP que já foi, é evidenciar que já não consegue meter as «meninas» na ordem.

uma boa ideia

O Ministro do Ensino Superior anda preocupado com o estado da educação. Ontem, à falta de melhor, lembrou-se de sugerir que os alunos do ensino superior trabalhem enquanto estudam, adiantando que está a preparar legislação para beneficiar financeiramente aqueles que o façam. Esta medida vai, obviamente, gerar agitação estudantil e situações de injustiça objectiva. Com facilidade se arranja hoje uma declaração de prestação de serviços numa empresa familiar, e com a mesma facilidade se abre actividade nas Finanças, declarando-a terminada pouco tempo depois.
Por isso, eu sugeriria ao Senhor Ministro a aplicação de outro tipo de medidas. Por exemplo, uma muito simples, em vigor no Brasil, da responsabilidade do governo Lula. Chama-se «ProUni - Universidade para Todos», e consiste num programa federal de concessão de bolsas aos alunos sem recursos, após seriação e exame prévios, cujo valor - que pode ir (e vai frequentemente) até à isenção completa, é integralmente deduzido à matéria colectável da sociedade proprietária da Universidade escolhida pelo aluno. Trata-se, por conseguinte, de uma espécie de cheque educação negativo, porque não há verdadeiramente dinheiro vivo em cima da mesa, mas uma sucessão de operações contabilísticas. Acontece que com este programa, simples de executar, as Universidades têm alunos, os alunos com dificuldades financeiras têm a possibilidade de frequentar Universidades, e o Estado não precisa de gastar dinheiro nem na sua formação nem a subsidiar as escolas.
Uma excelente medida de recorte liberal, repita-se, do governo Lula, que gostaríamos de ver por cá.

em memória do general*

* Um «post» a pedido.

Foi com uma tristeza imensa, só comparável à que sentiu a Baronesa Thatcher, que tive conhecimento da morte imprevista do Senhor General Augusto Pinochet.
O General era homem de carnes rijas e faces rosadas, pelo que me custou acreditar que tivesse partido para o além por decisão única e exclusiva do Altíssimo, sem intervenção nefasta de mão humana. Não tinha notícia de que estivesse doente (uma síncopezita, mas o que era isso para um bravo como ele!?), nem que lhe faltassem as forças para continuar neste mundo a combater o comunismo ateu. Por isso, não me espanta que a sua súbita partida tenha sido obra de um qualquer Garzón, a mando do comunismo internacional, embora o «comunismo internacional», ao que julgo saber, já não exista. Parece mesmo que só sobrevive na Cuba de Fidel, que, à falta de melhor, até é um tipo catita. Se ainda estiver vivo, claro está. O mundo anda um pouco estranho, e estas convulsões da política internacional fazem-me espécie e dão-me voltas ao cérebro. É preciso ser muito inteligente para acompanhar isto. Nos bons velhos tempos era tudo mais simples: vermelhos para um lado, democratas para o outro.
Foi nessa época prodigiosa que o General se revelou ao mundo, em todo o seu esplendor, carisma e autoridade. A fotografia que acompanha este «post» deu, na altura, voltas ao mundo, e não fosse o relógio um bocado foleiro, seria o ícone perfeito da liberdade mesclada com a autoridade.
É, assim, com saudade que ainda hoje recordo os tanques nas ruas de Santiago, o ataque à La Moneda, as medidas fortes para tornar o Chile um país de bons costumes e melhores práticas, enfim, um exemplo na América Latina que, infelizmente, não frutificou em muito lado. É com uma lágrima no olho direito que relembro a aliança entre o capitalismo monetarista («La Moneda», estão a ver?) filo-americano de Milton Friedman e o regime de autoridade do General. Como é sabido, para nós liberais, como lembrava Hayek (outro grande admirador do General), a liberdade não sobrevive sem autoridade, e o Estado tem de ser mínimo, mas deve dispor de instituições fortes e céleres no despacho. Foi isso, exactamente, o que fez o General Augusto Pinochet no Chile: nunca se cansou de despachar! Grande homem e grande liberal!
Foi graças a essa Santa Aliança entre o liberalismo de Friedman (e de Hayek) e a autoridade de Pinochet, que o Chile se transformou numa grande e próspera Nação. Certamente maior e mais próspera do que Portugal e, infelizmente, mais pequena e menos próspera do que os EUA, esse farol da humanidade quando os republicanos estão ao leme. E com todos esses êxitos, o General poderia ter-se perpetuado no poder, o que não fez, dada a sua índole de democrata dos quatro costados. Tivesse ele prescindido da asneira de ter feito um referendo (lá como cá, os referendos só dão asneira?) e teria falecido, no Domingo, a comandar a Pátria de que era filho e que o viu nascer há noventa e uma belas primaveras.
Apesar de ter partido tão cedo e ainda com tanto para dar e ensinar, a sua memória e o seu exemplo ficarão entre nós.
Hasta siempre, General Augusto Pinochet!

o sexo dos anjos

«Clínica dos arredores de Aveiro faz 500 a 600 abortos por ano», ao preço de 450 a 500 euros cada intervenção, noticia o Público, na sua edição de hoje.
«Ao abrigo da lei» (a «saúde psíquica da mulher»), realça Amílcar Pereira, médico e director da dita clínica em Oiã, que se dedica a esta actividade há já muitos anos, embora o faça agora, ao contrário do passado recente, em concurso com outro tipo de intervenções médicas. Os métodos anticoncepcionais e a concorrência afectaram o sector, sendo que, garante o entrevistado, a sua clínica já estaria fechada se «só fizesse interrupções voluntárias da gravidez».
Perante este cenário de crise, que atinge uma actividade legal, fortemente concorrencial, só me resta uma dúvida: o que é que, afinal, vamos referendar no próximo dia 11 de Fevereiro?

portugal e espanha

Li com particular interesse o último artigo de Paulo Portas na revista «Tabu» («O valor da peseta»), que compara a evolução de Espanha e Portugal nas últimas décadas, desde o franquismo e o salazarismo até aos nossos dias. A conclusão é simples: Espanha é um país mais evoluído do que Portugal porque tem sido melhor governado. Franco foi melhor do que Salazar, Juan Carlos preferível a Vasco Gonçalves, Felipe González superior a Soares. É aqui, contudo, que o texto ganha contornos e o suspense próprios de um policial: como avaliará Portas a sua prestação no governo português por comparação com o de Aznar? Infelizmente, como na maior parte daquele tipo de romances, também aqui o fim fica muito aquém do resto da história. De tal modo, que Portas se limita a dizer que «Aznar foi muito melhor do que Cavaco (e Durão)», ignorando as suas próprias responsabilidades na liderança da direita portuguesa durante oito anos e na coligação de governo com o PSD.
Parece que Paulo Portas quer voltar à política partidária, onde acalentará a intenção natural de um dia regressar ao poder. É uma expectativa legítima e que, de resto, corresponde a uma indesmentível vocação. Talvez não fosse despiciendo começar por perceber o que correu mal da última vez, quando esteve exactamente no mesmo sítio para o qual quer agora regressar.

07 dezembro 2006

o anti-guterres

José Sócrates defende a modificação da lei do aborto e a despenalização, António Guterres bateu-se pela sua continuação.
Sócrates pugna pela redução do Estado e Guterres aumentou-o desmesuradamente.
Sócrates enfrenta as corporações, Guterres «dialogava» com elas e transportava-as para o governo.
Sócrates quer fechar escolas e Universidades públicas, Guterres tinha uma mórbida «paixão pela educação».
Sócrates quer portagens nas SCUT, Guterres isentou-as de qualquer pagamento.
Sócrates quer contenção orçamental, Guterres teve Pina Moura como Ministro das Finanças.
Sócrates quer reformas, Guterres quis continuidade.
O que impressiona não é tanto esta abissal diferença entre estes dois homens. É eles pertencerem ao mesmo partido, o PS, e terem exercido a função da chefia do governo acompanhados sensivelmente pelas mesmas pessoas, com um período de separação de apenas três anos.

bobó de camarão

Há coisas que não me confortam saber quando estou à espera de entrar num avião que me levará, assim o espero, de São Paulo a Lisboa. Que o voo está atrasado porque acabou de chegar de Lisboa atrasado também, é uma delas. Não sei porquê, acho que um avião que acaba de fazer um esforço razoável, como deve ser atravessar o Atlântico sem, graças a Deus, parar, merece algum tempo de descanso, digamos, um dia ou dois.
Continuar sem levantar voo por, segundo informação do pessoal de bordo, estar à espera de «uma passageira» (a referência à determinação sexual é exacta) retardatária, também não me enche de júbilo. Eu, que toda a vida perdi comboios, autocarros e a mais diversa sorte de boleias por milionésimos de segundo, sempre acreditei que um avião não tem sentimentos e não se compadece de ninguém. Acho-o mesmo uma espécie de encarnação metálica e mecânica do espírito do «marine», que tem objectivos a cumprir e os executa fria e implacavelmente. No caso, levar-nos, sãos e salvos, ao destino proposto na passagem comprada. Não acredito, por isso, que um avião continue inamovível, parado numa pista imensa que aguarda vê-lo desaparecer na imensidão do firmamento, só porque «uma passageira» se atrasou. Essa passageira, aliás, viria a repetir a proeza no voo de ligação de Lisboa ao Porto. Se mais não for, que ao menos sirva de lição: quem faz uma faz duas e, por isso, a piedade pelo próximo não é sentimento que se aconselhe aos transportes aéreos.
Intolerável mesmo é ter de suportar uma travessia destas com um bobó de camarão, na melhor das hipóteses, de pacote e sem camarão, que, suspeito, nem mesmo o meu amigo LR, sempre embevecido pela alta «gastronomia» das Terras de Vera Cruz, toleraria. Não fosse ter tido início muito antes, à primeira turbulência do voo, e ter-se prolongado muito tempo depois, rigorosamente até se desligarem as turbinas, diria mesmo que o ataque de pânico que apoquentou um jovem belga nas minhas proximidades se devera ao indizível horror de se confrontar com essa ementa única («infelizmente, a carne já acabou»), espécie de autocracia gastronomia imposta por uma longa noite fascista de mais de dez horas. Como nos aviões as revoluções não são aconselháveis e podem até ter efeitos nefastos, lá fomos prosseguindo ordeiramente a viagem, os passageiros, a tripulação, o belga, os muitos bobós sobejantes, e o espírito da passageira ausente, até termos, por fim, aterrado sãos e salvos no centro de Lisboa. Para a próxima, de modo a que a viagem se possa dizer perfeita, talvez seja já nas pistas da OTA.

esforço, risco e oportunidades

A cultura americanizada que se instalou em São Paulo, e que fez desta extraordinária cidade o centro do Brasil e da América do Sul, moldou-lhe a personalidade que hoje ostenta, um misto de capitalismo liberal e multiculturalismo universalista, onde o luso-tropicalismo se diluiu numa universalidade de povos e culturas.
Um desses traços de carácter é o modo como as pessoas, sobretudo as mais jovens, olham para o emprego e para a sua progressão profissional. Para eles, um emprego é, certamente, um meio de ganhar a vida e se sustentarem, mas é, sobretudo, uma janela de oportunidade para adquirirem experiência, com a qual conseguirão progredir para um emprego melhor.
Um jovem típico paulista trabalha de dia e estuda («faz Faculdade») à noite. Ou melhor, trabalha de dia para pagar a Faculdade que faz à noite. O esforço é considerável, mas ele sabe que quando concluir o seu bacharelato (o equivalente, em Portugal, à licenciatura) as probabilidades de conseguir um emprego crescem exponencialmente. A maior parte dos jovens que estão no primeiro ou no segundo emprego, já com a formação universitária de base concluída, destina parte substancial do baixo rendimento obtido com o esforço do seu trabalho, ao pagamento de uma pós-graduação profissionalizante (caras, muito caras), continuando, assim, a estudar. Escusado será dizer que concluir com sucesso um desses cursos faz aumentar ainda mais a possibilidade de obter um melhor emprego, isto é, de progredir profissionalmente.
Por outro lado, os jovens graduados não ficam à espera de conseguir o emprego com que sempre sonharam, ou que estão academicamente habilitados a desempenhar. Ainda hoje, em conversa breve com uma porteira do hotel onde me encontro, fiquei a saber que era bacharel (licenciada) em Relações Públicas, e que estava naquele emprego há quatro meses, enquanto esperava por um melhor. Ser licenciada e estar fardada à porta de um hotel a abrir e a fechar as portas dos carros dos hóspedes que vão chegando o partindo, não a incomoda nem lhe retira status. O próximo emprego, que ela pensa que alcançar muito brevemente, mas ao qual não chegaria se não estivesse naquele em que está, irá proporcionar-lhe um rendimento mais elevado, com o qual ela pretende subsidiar uma pós-graduação e continuar a estudar. Esta jovem, que não terá mais do que vinte e quatro anos, está em São Paulo vinda de Maceió, mais ou menos, uma distância de 2.500 km, para tentar a sua vida.

Olhando para Portugal, o que em regra se vê é o contrário disto: as pessoas agarram-se ao primeiro emprego que conseguem arranjar e tentam mantê-lo ad eternum, convencidas que se o perderem é o fim. Parece que têm medo do futuro e que não compreendem que o risco faz parte da vida, desde logo, da vida profissional. Uma vez «conquistado» um emprego, começam imediatamente a tratar de saber quais são os direitos sociais que lhes assistem e as formas legais de o manter, aliás, abundantes e muito generosas. Poucos são os que se esforçam por melhorar os seus conhecimentos e aptidões para poderem progredir profissionalmente. Um português abandonar, por sua decisão, um emprego bom ou mau é uma ideia quase impensável. Ninguém se arrisca a isso e, ainda que tenha coisa melhor à sua espera, tudo fará para que o patrão o despeça, em vista a conseguir uma indemnização ou uma qualquer subvenção estatal.
Décadas de paternalismo salazarista, às quais se seguiram outras tantas de proteccionismo estatal, acomodaram os portugueses à ideia de que as suas vidas dependem mais de factores externos do que de eles mesmos. E que, por isso, o esforço, o risco e a valorização pessoal são menos importantes do que a permanência, a qualquer preço, num lugar conseguido. O proteccionismo fez dos portugueses, outrora um povo aventureiro que sempre que arriscou progrediu, uma mole humana comodista, estática e com medo de viver. E que nem sequer percebeu ainda que já não tem hoje apenas o mercado português à sua espera, mas um gigantesco mercado comunitário, de milhões de consumidores e oportunidades, à disposição de quem esteja disposto a arriscar.