23 julho 2006

e se sá carneiro não tivesse morrido?

1. Com a honrosa excepção do breve período de tempo ocupado pelos primeiros anos dos governos de Aníbal Cavaco Silva, em que a conjuntura internacional e algumas medidas tomadas permitiram que o país conhecesse um surto desenvolvimentista, Portugal tem vivido em crise económica e social permanente, ao longo dos mais de trinta anos que leva já a III República.
Em homenagem à verdade histórica, diga-se que a crise portuguesa tem raízes mais profundas, que em muito ultrapassam esse limitado ciclo recente da nossa vida colectiva. Efectivamente, se tivermos em atenção todo o século XX anterior a 1974, constatamos que o país não se desenvolveu ou que pouco se desenvolveu se comparado com os demais países europeus ocidentais. Se olharmos para as suas primeiras décadas, veremos um país em ruptura financeira permanente, que justificou um regime autocrático e ditatorial de quarenta anos.
No século que o antecedeu, o panorama não foi muito melhor: invasões militares, guerra civil, partidarização excessiva da vida política e o «devorismo» dos recursos nacionais pelas elites dirigentes no pós-34, instabilidade governativa e institucional, com a questão da forma monárquica ou republicana do Estado a tomar conta do último quartel da centúria.
Pode dizer-se, sem medo de errar, que Portugal viveu pelo menos os últimos duzentos anos em crise económica profunda, que nos condicionou no desenvolvimento e no bem-estar da população, originando um permanente incómodo social grave. Portugal é um país pobre, que foi perdendo as sucessivas oportunidades que a história lhe foi dando para melhorar ou, vá lá, para conter um empobrecimento galopante. Nos últimos duzentos anos, essas oportunidades foram o Brasil, a África e as Comunidades Europeias. Em nenhum dos três casos soubemos aproveitar as potencialidades que o destino nos foi dando e, por isso, ao contrário do que seria normal, fomos sempre empobrecendo.
Acontece que, quando os povos e as sociedades não se bastam a si mesmos, frequentemente recorrem à figura tutelar do «salvador da pátria», do «homem providencial» que há-de fazer por nós aquilo que somos incapazes de fazer por nós próprios. No século passado, à sombra do qual continuamos a viver a nossa vida política, esses homens foram, pelo menos, quatro: Afonso Costa, António Oliveira Salazar, Francisco Sá Carneiro e Aníbal Cavaco Silva. Dos dois primeiros e do último conhecem-se a obra, as decisões, os erros, em suma, a história. De Francisco Sá Carneiro tudo, ou praticamente, ficou por saber.

2. Sá Carneiro notabilizou-se como político, mas sobretudo enquanto homem da oposição: ao regime de Salazar e de Marcello Caetano, primeiro, e, depois do 25 de Abril, sucessivamente ao PREC e ao socialismo de Mário Soares. A sua acção como governante foi interrompida prematuramente, praticamente no começo, pelo que é impossível fazer a sua avaliação substantiva. Porém, não custa, nem ofende, tentar imaginar o que ela poderia ter sido.
Sá Carneiro assumia-se, ainda no consulado marcellista, como um «liberal». Obviamente que, ao tempo, a expressão não tinha na política portuguesa o mesmo conteúdo ideológico que hoje lhe damos. Ser, nesse tempo, «liberal» era definir-se por antinomia em relação ao regime autoritário vigente. Um «liberal» defendia a liberdade de expressão, a existência não condicionada de partidos políticos e de eleições, o fim da polícia política e da censura, e a aproximação aos modelos sociais e económicos da Europa Ocidental, isto é, comunitária. Não envolvia qualquer programação relativa às funções do Estado, nem esse era, à época, tema sobre o qual frequentemente se meditasse.
Quando veio o 25 de Abril, Sá Carneiro disse-se «social-democrata». Também aí e embora ele afirmasse o contrário, a social-democracia europeia reunia-se na na Internacional Socialista, e, muito por influência de Mário Soares, não lhe reconheceria essa qualidade. De modo que, nessa altura, Portugal era o único país da Europa democrática em que a alternância política se adivinhava entre dois grandes partidos que se afirmavam da social-democracia e do socialismo democrático: o PS e o PPD, mais tarde, PPD-PSD. À esquerda, o Partido Comunista, à direita, a democracia-cristã reunida no CDS, ambos reduzidos a franjas limitadas de eleitorado.
Esta bizarra situação só se começou a desvanecer quando Mário Soares assumiu a chefia do I Governo Constitucional. Na verdade, Sá Carneiro ofereceu-lhe muito cedo oposição, porque considerou o seu governo pouco «liberalizador» e muito estatista. Quando a Aliança Democrática chegou ao poder, programa de reformas que iniciou foi precisamente no sentido de limitar o sector público do Estado (ao tempo, esmagador) e devolver à sociedade civil as suas funções naturais que lhe tinham sido espoliadas. O fim da malfadada reforma agrária e a devolução das terras aos seus anteriores proprietários foi um passo importante e simbólico, quer pelo respeito que a propriedade privada merecia ao novo governo (uma heresia!), quer pela intenção explícita de colocar o Estado dentro de limites determinados.
Calcula-se que se seguiriam outras reformas de igual sentido, provavelmente as que Cavaco Silva fez uma década depois. Porém, como várias vezes reclamou, Sá Carneiro encontrava-se refém de uma Constituição que não lhe permitia actuar como entendia, e extraordinariamente limitado por um poder presidencial que se tinha como um dos pilares do sistema de governo. Por isso, ele reclamava a urgente revisão da Constituição e a eleição de um outro Presidente da República. Neste último caso, apostou na candidatura de um militar prestigiado - o General Soares Carneiro - e anunciou que se demitiria caso o seu candidato perdesse as eleições.

3. O mito pessoal de Francisco Sá Carneiro é tão intenso que deixou o país sem saber o que faria no dia seguinte à derrota presidencial. Sá Carneiro morreu no fim da campanha e nem isso provocou qualquer reviravolta emocional no resultado das eleições. O que ele teria feito com a sua demissão anunciada, caso acontecesse a derrota eleitoral que veio a suceder à sua morte, ninguém poderá dizer. Freitas do Amaral, seu Vice-Primeiro Ministro, referiu que os dois tinham planeado afastarem-se da vida política activa. Não é, diga-se, pelo menos no que toca ao falecido Primeiro-Ministro, uma hipótese que se possa levar muito a sério. Sá Carneiro tinha a paixão da política e, como todas as paixões, só a morte lhes põe termo. O que ele teria feito a seguir é um enigma. Como se teria relacionado com Mário Soares, com o próprio partido a que presidira e que fundara, com a integração comunitária, com a evolução do mundo, nomeadamente, com o ciclo conservador que se iniciou na Grã-Bretanha e nos EUA ao tempo da sua morte, ficou por saber-se. Como, também, a morte chegou a tempo de perdurar o seu mito e de lhe não pôr fim.
Nos últimos duzentos anos, Francisco Sá Carneiro foi o único «homem providencial» que o país não tratou de desmentir.

* Adaptação de um «post» publicado no Blasfémias, em 17.X.2005, em forma de homenagem a Francisco Sá Carneiro, no dia em que completaria 72 anos de idade.

o estado improvidência

Como é certamente do conhecimento geral, a segurança, ou a falta dela, é o primeiro problema da realidade brasileira, desde há muito tempo para cá. Sobre um tema tão urgente, que deveria unir os responsáveis políticos do país, não há, contudo, qualquer convergência.
Disso mesmo tem sido exemplo a situação complexíssima que atravessa a cidade de São Paulo, onde sucessivas vagas de crimes violentos contra alvos civis e policiais, são orquestradas a partir do interior das cadeias estaduais pelos chefes do crime organizado. Em São Paulo habitam mais de dezasseis milhões de pessoas e, apesar dos seus cento e catorze presídios, continua a haver um défice de noventa mil lugares nas prisões para os criminosos.
Nesta última vaga de atentados, a instrumentalização política da crise atingiu momentos difíceis de aceitar. Lula ofereceu ao governador Cláudio Lembo a intervenção da Força Nacional de Segurança. Lembo recusou a oferta, lembrando que os homens da Força Nacional são poucos e mal preparados, deixando no ar a ideia do aproveitamento eleitoral da intervenção proposta por Lula. Esta, por sua vez, não se fez rogado e atacou Lembo: «Na sexta-feira reiteramos a proposta que já havia sido feita no primeiro atentado. Ele disse que não precisava. Eu parto do pressuposto que ele diz que tem controle. Mas se tem controle não poderia estar acontecendo o que está acontecendo». Na resposta o governador do Estado de São Paulo disse que achava o presidente «desequilibrado», o que associado aos rumores da sua eventual propensão alcoólica e a «boca» de Ronaldo no decurso do Mundial, dá para perceber o nível a que o «debate» chegou. Obviamente que as próximas eleições presidenciais, a disputar em Setembro, não são estranhas a isto. Lembo apoiará Geraldo Alckmin, seu antecessor no Palácio dos Bandeirantes, enquanto Lula corre em pista própria. Em causa está o Palácio do Planalto e o imenso poder que o seu ocupante terá à disposição.
No meio disto, nem a Federação nem o Estado de São Paulo conseguem garantir aos seus cidadãos aquele que é o primeiro direito fundamental de cidadania exigível ao poder político: a segurança de pessoas e bens. No Brasil, como um pouco por todo o mundo, o Estado contemporâneo continua a falhar naquilo que é mais importante.

saudades da pátria (iii)



Cinco dias ausente da pátria para, no regresso, ouvir Marcelo Rebelo de Sousa afirmar que José Sócrates tem «onze meses para pôr de pé o que tem que pôr de pé». Mandaram o homem um mês inteiro para o meio dos comentadores desportivos e, agora, queixem-se.

saudades da pátria (ii)

Cinco dias distante da pátria e a leitura, fora de horas, de um único número do Expresso foram, contudo, suficientes para atingir finalmente a causa profunda do atraso português: a indiferença, quiçá a inveja, que a pátria ostenta para com o Professor António Borges e o seu séquito de génios, tudo «gente do melhor», que abnegadamente ele pôs à disposição de Marques Mendes e do país. Estranhamente e ao invés do que seria razoável, nem um só nome de tamanhos talentos nos é dado a conhecer. É que, tal como o outrora célebre Conselheiro Gama Torres, a farta inteligência do Professor Borges debate-se com outra tanta dose de humildade. Ele não gosta, não tolera, nem admite exibicionismos. Por isso, guarda para si a riqueza dos seus pensamentos sobre o ressurgimento nacional e esconde desinteressadamente a equipa de talentos que, com ele, um dia hão-de deitar mãos a tamanha empreitada. Só por excesso de modéstia se pode admitir que não os tenha revelado, a uns e a outros, há mais tempo e em local apropriado. Por exemplo, nos últimos dois congressos do PSD.

saudades da pátria (i)

Cinco dias distante da pátria e um único «post» editado foram suficientes para perceber que o Brasil é um país terceiro-mundista e subdesenvolvido, e Portugal um farol de civilização. Curiosamente, alguns dos meus interlocutores, pessoas com quem falei no Rio de Janeiro e em São Paulo, duas parvónias de província que não vale a pena conhecer, não são da mesma opinião. Eles acham que, apesar de tudo, o Brasil é um país desenvolvido, com focos de excelência e outros muito acima da média, e no qual trabalham arduamente milhões de pessoas interessadas em avançar e em progredir. Eles pensam que, apesar do Lula, o Brasil continua a crescer economicamente a um ritmo elevado e que consegue viver já sem inflação. Eles julgam que os grandes factores de atraso do seu país são devidos ao excesso de intervencionismo do governo: o proibicionismo em relação à droga, que condena às favelas e à exploração milhões de seres humanos incapazes de conhecerem outro modo de vida, e que é causa primeira e maior da criminalidade e da insegurança que os aterroriza; a corrupção da classe política, mais interessada em encher os bolsos do que em permitir o desenvolvimento do país; e uma burocracia asfixiante, que impede o Brasil de se transformar numa potência mundial. Eles têm, ainda, uma última opinião: julgam que tudo isto não foi adquirido, mas que terá sido herdado e potenciado à sua escala. Adivinhem lá, agora, quem foi o «de cujus»?

a moleza da vida

Visitar o Brasil em trabalho e vê-lo com os olhos de um europeu ocidental habituado às mordomias do "Estado social", é um experiência fascinante e muito pedagógica.
Hoje de manhã, num programa televisivo de uma tv carioca, dedicado à pequena iniciativa privada, um empresário que começara do nada e que, com muito trabalho, conseguiu um bom nível de vida, descrevia a sua experiência afirmando que "a vida só é dura para quem for mole".
Esta é uma lição a que nós europeus deveríamos prestar mais atenção. Na verdade, o Estado social desincentivou o esforço individual e fez-nos acreditar que se as coisas corressem mal, com facilidade alguém cuidaria de nós. Daí às reformas aos cinquenta anos de idade, aos rendimentos mínimos garantidos, aos serviços públicos gratuítos, aos longos períodos de férias e às intermináveis "pontes", aos intermináveis subsídios, etc., foi um pequeno mas ruinoso passo. O "modelo social europeu" fez-nos acreditar que com menos trabalho e pouco esforço podíamos garantir um elevado nível de vida. Ora isso, como está agora à vista de todos, é impossível.
De facto, Estado social amoleceu-nos e agora estamos todos a pagar a factura.

«benefícios»

Discute-se por aí o eventual fim dos chamados «benefícios fiscais», que o Estado generosamente tem vindo a conceder aos particulares em matéria de saúde e de educação. A opinião pública divide-se contra e a favor em torno desta alteração, quando, em bom rigor, não há nada para discutir. É que o problema consiste somente nisto: o Estado social português, à semelhança de quase todos os Estados europeus, assumiu para si o dever constitucional de garantir, gratuita ou quase gratuitamente (o que significa praticamente de borla) a educação e a saúde a todos os seus concidadãos. Para a prossecução dessas finalidades sociais cobra-nos, a todos, pesados tributos que, na boa lógica keynesiana, deviam permitir uma mais justa redistribuição de rendimentos. Se, por sua incapacidade, não consegue garantir uma vaga numa escola pública a um interessado, ou uma operação a um doente a tempo dele não ir desta para melhor, as pessoas têm de recorrer à prestação desses mesmos serviços na oferta privada e, naturalmente, pagá-los. Por conseguinte, os ditos «benefícios», com montantes aliás muito reduzidos, mais não são do que o reconhecimento do Estado de que não deve obrigar os cidadãos a pagarem duas vezes o mesmo serviço. E, também, da sua natural incompetência para o desempenho dessas, e de outras, funções sociais.

para que serve o futebol?

Para muitas coisas, certamente, e quase todas boas: para nos entreter, divertir, alegrar, entristecer, fazer sorrir e chorar, para libertar as tensões da vida, para ritualizar a agressividade e torná-la suportável, para nos fazer passar o tempo, para nos juntar com os amigos a comemorar as vitórias e a partilhar as derrotas, para termos, enfim, algumas vezes, aquela pontinha de orgulho na nossa terra que é tão raro acontecer, seja ela o Porto, Lisboa, Braga, Coimbra ou Portugal.
Porque Scolari e a Selecção que, com todos os defeitos e caprichos, organizou e dirigiu, chegaram mais longe do que há muito havia memória, porque souberam cria-nos a ilusão e levá-la quase até ao fim, e porque o fizeram sempre com uma bonomia e uma profissionalismo que não envergonharam ninguém, devemos dar este tempo que hoje findou por muito bem gasto e agradecer-lhes. Bem hajam, pois então, e até à próxima!

06 julho 2006

crime e castigo

Quer se defenda o direito das mulheres à interrupção livre da gravidez, quer se propugne o contrário, há que convir que esta particular notícia causa estranheza e espanto.
Na verdade, num país onde, como ninguém ignora, se fazem abortos todos os anos aos milhares, em que a comunicação social publicita livremente as clínicas fronteiriças espanholas de «tratamento voluntário da gravidez», em que algumas figuras públicas assumiram, diga-se, aliás, corajosamente, que já cometeram esse tipo legal de crime sem que nada lhes tenha sucedido, e em que as famosas políticas de prevenção de gravidezes indesejadas e de apoio a quem assume a maternidade sem condições materiais para o fazer são o que todos sabemos, ver condenados a penas de prisão, mesmo que a maior parte suspensas, praticamente sem outros casos iguais precedentes, um médico, a sua assistente e três mulheres é verdadeiramente ignóbil.
Portugal é hoje, provavelmente foi sempre, um país de gente mansa, que não gosta de ver tocado o remanso do quotidiano. Para que os poderes públicos e privados e a "cidadania" fiquem de bem com as suas consciências, basta pegar em meia dúzia de casos e dar-lhes o estatuto e o tratamento de exemplos. Entretanto, a realidade é uma coisa que nos incomoda e para a qual preferimos não olhar, e que manifestamente, neste e em muitos outros casos, não bate certo com as normas jurídicas que a «ordenam».
Há alguns anos atrás, quando se fez o referendo sobre a descriminalização do aborto, ouviram-se discursos moralistas e salvíficos. Parecia que inúmeras personalidades e algumas instituições possuíam o remédio mágico para impedir as consequências naturais e óbvias da liberdade sexual, que marca a nossa época. Infelizmente, e não obstante o mais do que louvável esforço de muitas pessoas reunidas em instituições, que se dispõem a ajudar as poucas mães solteiras que podem receber e os seus filhos, tudo permaneceu exactamente como era. Esta sentença quebrou, da maneira mais absurda, a monotonia, mas também não alterará coisa nenhuma. Dir-se-á, mais uma vez, que se aplicou a lei e que somos um Estado de direito. Triste consolo.
Confesso, aqui, que em 1998 votei sentimentalmente contra a despenalização do aborto. Provavelmente, no próximo referendo, votarei racionalmente a favor.

tap

Há pouco menos de duas semanas, reservei telefonicamente uma viagem de férias com a família para o estrangeiro. Como, nesse momento, a TAP não me podia garantir a viagem para um dos dias em que pretendia realizá-la, fiquei em lista de espera e a aguardar que me telefonassem. Para todos os efeitos, fosse em que dia fosse, foi-me dito que a viagem teria de ser paga até ao dia 14 de Julho.
Passadas quase duas semanas e sem qualquer contacto, resolvi telefonar para a companhia, a fim de saber em que ponto se encontrava a reserva. Um solícito funcionário informou-me que acabara de ser confirmada e que hoje ainda me teriam contactado, não tivesse eu tomado a iniciativa, ao que parece desnecessária, de o ter feito. Posto isto, acrescentou que eu teria de pagar a viagem até ao dia de amanhã, 5 de Julho e não até ao dia 14, conforme me tinha sido proposto e ficara acordado. O motivo invocado era à evidência muito simples: os aviões da TAP, os preciosos aviões da TAP, estão, por esses dias, cheios. Vai daí, ou paga já ou há mais quem queira.
Perante a minha estupefacção, o melhor que obtive foi um comentário de que no dia 14 ou no dia 5 sempre teria de pagar a passeata, pelo que ele, o competente funcionário, na sua modéstia, não conseguia esforçadamente compreender o transtorno que a alteração eventualmente me pudesse causar. Por fim, quando lhe falei em livro de reclamações, o homem disse placidamente que sabia que a companhia tinha uma «secção de reclamações», mas livro, livro, não podia garantir. Inquirido sobre quem me poderia esclarecer acerca de tão impertinente questão, o zeloso funcionário mandou-me dirigir a um balcão da companhia. O mesmo é dizer, salvo melhor opinião, à merda, que é o adjectivo que me parece mais apropriado para um serviço desta «qualidade».

acerca do liberalismo e relações internacionais

O Bruno Cardoso Reis envolveu-se (sem se querer envolver...) numa polémica sobre o que poderá eventualmente ser uma (ou várias) visão liberal das Relações Internacionais. Com essa intenção parametrizou as posições dominantes nessa disciplina científica nas Escolas Clássica (ou realista), Neo-Clássica (ou neo-realista), Liberal e Neo-Liberal (tratando-se, aqui, do «liberalismo» norte-americano e não propriamente o liberalismo clássico), e nalguns autores com maior expressão, entre eles os inevitáveis Morgenthau, Keohane, Nye, Waltz e Wendt. Termina com algumas conclusões interessantes, a saber: que o Estado é um resultado inevitável da actividade humana; que a cooperação internacional é um pressuposto da liberdade de comércio; que o federalismo é um fundamento do liberalismo, e, por fim, que o realismo político não pode prescindir do Estado absolutista e do mercantilismo económico. Embora reconheça que algumas destas conclusões denunciam um esforço significativo de aproximação ao liberalismo por parte de uma certa esquerda inteligente, de que o Bruno Cardoso Reis é, sem dúvida, um dos melhores intérpretes, outras são motivo de desilusão. Vejamos porquê.

Principiando pelo que parece pacífico, eu diria que efectivamente o liberalismo deve pugnar pelo federalismo como forma de organização política do Estado contemporâneo, admitindo que, pelo menos por enquanto, não parece possível substituir o modelo estadual por outro que seja mais conciliável com a ideia de liberdade. Se por federalismo entendermos o que Proudhon entendia, isto é, a máxima fragmentação do poder político repartindo-o por níveis de decisão mais próximos das comunidades sociologicamente reais, em necessária consonância com o princípio da subsidiariedade, aí estaremos de acordo. Muitos liberais foram assumidamente federalistas, não sendo nunca de esquecer que Lord Acton considerou-o o processo mais adequado para conter e civilizar a soberania estatal, enquanto Hayek defendeu-o como o melhor caminho para assegurar a paz na Europa Ocidental do pós-1945. Porém, se pelo federalismo quisermos a instituição de um super-Estado, com poderes centrais transferidos das partes que o compõem para um novo Estado federal, nesse caso parece que o federalismo não será um modelo liberal de distribuição do poder. No plano internacional, pode haver federalismo sem que exista um Estado federal, sendo que a União Europeia é disso (pelo menos por enquanto e espera-se que por muito tempo) um bom exemplo. Mas, para isso, torna-se necessário admitir a partilha, ou a divisibilidade, da soberania, ideia que repugna às Escolas Realista e Neo-Realista das Relações Internacionais, que continuam a ver no Estado soberano o paradigma dominante.

A ideia de «cooperação» é, ela mesma, um pressuposto do liberalismo, seja entre os indivíduos, seja entre as suas formas de organização privadas e públicas. Quando os liberais falam em «mercado-livre» e na «mão invisível» é precisamente na ideia de cooperação livre entre os indivíduos que estão a pensar. No campo das Relações Internacionais, considerando-as redutoramente apenas como aquelas que se estabelecem entre os Estados, sempre se poderá reconhecer que o estatismo e o nacionalismo foram e são responsáveis pelos conflitos entre os povos. Por isso mesmo, não nos devemos satisfazer com a ideia de cooperação internacional apenas como as relações entre os Estados. Há outros agentes que contam, que contam cada vez mais no mundo em que vivemos, entre eles, desde logo, os próprios indivíduos, que num contexto de globalização e de comércio livre tenderão com mais facilidade a preferir a paz à guerra, e a impor a primeira sobre a segunda aos seus governos. Os liberais clássicos, entre eles inevitavelmente Smith e Ricardo, sempre viram no comércio livre o modo mais eficaz de aproximar os indivíduos, os povos e as nações. Kant, que o Bruno muito oportunamente refere, e o seu individualismo cosmopolita, também. Essa foi, de resto, a via assumidamente liberal seguida por Monnet para encetar a construção comunitária e terminar com séculos de hostilidade entre os Estados europeus ocidentais.

Quanto à inevitabilidade do Estado e à exigência do absolutismo e do mercantilismo para os defensores do realismo político, é que já não podemos concordar. Embora admita o princípio da existência de uma organização política que seja contratualmente criada (o Estado ou outra coisa qualquer) para salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos - propriedade, liberdade e (alguma) segurança -, ideia que encontramos em muitos liberais clássicos, desde logo em Locke, a refutação da inevitabilidade útil do expansionismo estatal, no exercício das funções de soberania política e económica (utilizando a dicotomia do Bruno do «absolutismo» e do «mercantilismo»), é que me parece ser o ponto mínimo de convergência liberal. Essa visão «state-centric» é perigosa e mereceu até a crítica de alguns neo-realistas (como Hoffman em relação a Morganthau), por a considerarem estática e perigosa. Neste último caso, por poder transformar-se num fundamento teórico com consequências práticas, que leve os Estados a enjeitarem qualquer tipo de cooperação. Cenário que esteve, aliás, muito em foco durante a guerra-fria. De resto, se por realismo político entendermos uma leitura neo-maquiavélica da realidade, teremos de concluir pela perversidade natural do poder, logo, pela necessidade da sua domesticação, como bem sugeria Bertrand Russel. Nessa medida, nada melhor do que o esvaziamento do poder dos Estados através de modelos de organização interna e externa que para isso contribuam, como o federalismo, da liberalização mundial do comércio e da livre circulação das pessoas e dos factores económicos, da massificação do turismo (talvez a verdadeira e única grande revolução do século passado), da transnacionalização dos grupos económicos e políticos, etc. Numa perspectiva "liberalmente realista", se a expressão me for autorizada, o que é sensato é pugnar pela diminuição e pelo encolhimento da soberania nas suas duas facetas tradicionais: a interna e a externa, esta última domínio por excelência das relações internacionais. O que não significa que se venha a cair na ingenuidade perigosa de acreditar que o mundo em que vivemos seja suficientemente tranquilo num contexto de liberalização global. Como em qualquer sociedade, também na sociedade internacional as regras de cooperação podem ser postas em causa, inclusivamente por meios de violência excessiva e de consequências imprevisíveis. Ainda dentro da mesma perspectiva liberal, será normal que os interessados - no nosso caso, os Estados que pretendam manter um padrão pacífico de existência - contratualizem com terceiros algumas garantias da sua segurança. No mundo ocidental desde, pelo menos, o fim da II Guerra Mundial, esse papel tem sido solicitado e, consequentemente, cabido aos EUA, que o exercem modicamente em troca de benefícios económicos e comerciais. De algum modo, pela exportação e comercialização do «american way of life» e a sua generalização quase à escala planetária. Que se saiba, permanece como uma das poucas leis universias das Relações Internacionais o facto de, até à data, não se ter registado nenhuma guerra entre dois países com restaurantes Mcdonald's. Por enquanto, o essencial - a paz - tem sido efectivamente salvaguardado e o preço pago não está inflacionado: a URSS foi desmantelada e não se concretizaram os receios de utilização por potências menores do seu vasto arsenal nuclear; a Europa Ocidental continua em paz; as ameaças do terrorismo global encontram-se, apesar de tudo, contidas. É certo que existem zonas consideráveis do planeta que mantêm conflitos regionais, principalmente em África e no Médio Oriente. Mas, nestes casos, é a soberania estatal que fala mais alto, exercida à margem de qualquer mediação internacional que intencionalmente esses Estados enjeitam. Não podem, por isso, queixar-se por ficarem entregues a si mesmos e à volúpia dos seus interesses.

hobbes e o liberalismo



Existe uma propensão relativamente recente entre alguns liberais para desculpabilizarem Thomas Hobbes (1588-1679), retirando-lhe parte significativa da carga pejorativa de ter sido um dos contratualistas, talvez mesmo o primeiro, defensores do Estado absolutista. Em Portugal, André Azevedo Alves faz no seu livro Ordem, Estado e Liberdade uma excelente abordagem dessas opiniões, tendo como referência a análise tolerante de Michael Oakeshott, segundo a qual Hobbes é frequentemente mal lido, já que o Estado que propugna não é inimigo do indivíduo e dos seus direitos, mas «a condição mínima de qualquer associação estabelecida entre indivíduos». Como pressuposto desta hipótese está a convicção de que o Estado hobbesiano se encontra ao serviço dos indivíduos e não, como em Maquiavel, dos interesses egoístas do príncipe. Daqui a considerá-lo um autor útil ao liberalismo (ainda que não exactamente um liberal), vai um pequeno passo.
Não creio, contudo, que esta perspectiva resista a uma análise detalhada do pensamento do filósofo inglês, que resulta primordialmente das suas duas obras políticas mais importantes, a saber, The Elements of Law Natural and Politic e o Leviathan. Se, na verdade, o Estado é, em Hobbes, um instrumento ao serviço de uma finalidade, e se a sua instituição resulta de uma intenção volitiva dos membros da comunidade, ou seja, não é um dado da natureza humana, mas um produto da vontade racional dos homens, nada legitima que se retire a conclusão que esse aparelho do poder se encontra ao serviço da liberdade, dos indivíduos e da defesa dos seus direitos fundamentais, nomeadamente da propriedade.

Situemo-nos, primordialmente, na perspectiva contratualista de Hobbes. Ela é exposta claramente no capítulo XVII do Leviathan, onde é dito que o Estado resulta de um pacto estabelecido entre cada homem e o soberano (um homem singular ou uma assembleia popular ou aristocrática), pelo qual o primeiro transfere de forma ilimitada o direito de se governar a si próprio. Se é certo que a instituição de Estado soberano é fruto do consentimento dos governados, no que Hobbes se poderia, de facto, aproximar dos contratualistas liberais, o que não deixa lugar a dúvidas é o seu categórico imperativo social. Para o filósofo inglês, o Estado é a única maneira de assegurar a sobrevivência das sociedades humanas, naturalmente conflituosas e destrutivas, em estado de natureza de guerra permanente. Não deixa de ser curioso constatar que Hobbes admite que esta conflitualidade natural é resultado da igualdade entre os homens, nomeadamente das suas capacidades físicas e intelectuais, que ele considera não diferirem substancialmente. Porém, deste ponto de partida que o poderia conduzir à defesa de direitos fundamentais individuais e a prerrogativas de liberdade inalienáveis dos súbditos perante o soberano, resulta precisamente o inverso: a afirmação do contrato social como pactum subjectionis e não como pactum liberationis. Pior ainda: sendo este um pacto colectivo, não pode um indivíduo abandoná-lo unilateralmente, sujeitando-se as minorias a toda e qualquer deliberação da maioria de transferir a soberania para um soberano concreto (Capítulo XVIII). Esta fundamentação da democracia representativa é, salvo melhor opinião, fundamento igualmente válido para o totalitarismo democrático não respeitador da vontade e dos direitos das minorias. Um dos males de que padecem as democracias contemporâneas.
Deste último aspecto retira Hobbes o seu conceito de propriedade: «pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das quais todo o homem pode saber quais os bens de que pode gozar, e quais as acções que pode praticar, sem ser incomodado por qualquer dos seus concidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade» (Capítulo XVIII). Ao invés do contratualismo liberal, onde o Estado se justifica pela defesa da propriedade, em Hobbes ele cumpre também essa missão, embora seja impensável conceber esse direito, ou qualquer outro, fora dele. Não existe, tão pouco, no seu elenco de direitos fundamentais, ou de «leis naturais (Capítulo XIV), a ideia da propriedade como direito individual inalienável e absoluto perante as prerrogativas de soberania. Mais grave ainda: nem a liberdade (que é definida como «o poder de cada um fazer o que quer») é um direito absoluto. Ele é mesmo um direito relativo, perante a necessidade de instituir o Estado e de evitar «o direito de cada homem a todas as coisas», próprio do estado de natureza, origem da impossibilidade de definir direitos individuais e gerador de insegurança e de estado de guerra de «todos contra todos».
Resta acrescentar que Thomas Hobbes é, muito evidentemente, um soberanista, no sentido de que pressupõe, à semelhança de Rousseau, de quem seria, neste ponto em concreto, um precursor, a indivisibilidade do poder político estatal (Capítulo XVIII). Se para Rousseau a soberania era «vollonté généralle», Hobbes afirmou que «cada súbdito é autor de todos os actos praticados pelo soberano». Por isso, não só a soberania seria infalível, como teria que ser ilimitada (Capítulo XXI). Não é, por conseguinte, errado afirmar-se que Thomas Hobbes é o primeiro iluminista teoricamente consistente.
Por fim, diga-se em abono da verdade e do próprio, que o Estado hobbesiano é um Estado finalista, isto é, encontra-se ao serviço de finalidades que o transcendem. Este aspecto é talvez o único que aproxima Hobbes de qualquer ideia de liberdade. Para ele, o estado de natureza era incompatível com a segurança particular e sem esta os homens não poderiam aspirar a ter direitos e a realizá-los. A ideia é naturalmente discutível, como o foi efectivamente pouco tempo depois por John Locke. O fim primordial e derradeiro do Estado absolutista hobbesiano era a realização individual e o bem comum. Mas estes são sempre os fins últimos invocados por todas as tiranias. E não deverão servir, em conclusão, para justificar todos e quaisquer meios à disposição da soberania.

Diríamos, assim, que Thomas Hobbes é, por excelência, o filósofo do absolutismo. Se Jean Bodin «inventou» a soberania do Estado, Hobbes fundamentou-a, ampliou-a ao ponto de a tornar ilimitada e entregou-a nas mãos livres do príncipe. Mais tarde, Jean-Jacques Rousseau haveria de a fazer definitivamente popular.
Nesta medida, o único ensinamento que o liberalismo poderá retirar da filosofia política de Hobbes é a de que o poder é naturalmente expansivo e tende para a ausência de limites, se estes não lhe forem impostos pelos seus destinatários. Mas, ainda assim, sempre prefiro e considero, neste aspecto em concreto, muito mais útil o pensamento realista de Maquivel, para quem o poder soberano era, ou podia ser, absoluto, se bem que o seu fundamento se devesse procurar simplesmente na vontade, nos interesses e na vaidade pessoal dos seus titulares, para quem o bem comum não se distinguia do seu próprio objectivo de conquistar e manter o poder.

timor

«Tenho vergonha pelo que o Estado está a fazer ao povo e eu não tenho coragem para enfrentar o povo», disse hoje Xanana Gusmão, anunciando a sua intenção de se demitir da Presidência da República de Timor, por se sentir incapaz de resolver a grave crise política do país. Do outro lado, Mário Alkatiri recusa a abandonar o cargo de Primeiro-Ministro, apesar do pedido que nesse sentido lhe foi feito por Xanana, nos termos da Constituição. No bom estilo soviético, Alkatiri ocupou o poder e recusa-se a largá-lo, fundamentando a sua autoridade no comité central do partido. Também ao bom estilo soviético, pairam no ar envenenado de Timor rumores sobre «ameaças imperialistas», interesses financeiros ao serviço dos quais estará Xanana, etc. O filme é conhecido, embora seja já pouco comum. Afastado do mundo nos últimos trinta anos, Timor é hoje uma espécie de santuário ecológico político, que conserva uma fauna saída da guerra-fria e do pior comunismo soviético. A independência conquistada graças à resistência de Xanana e de meia-dúzia de guerrilheiros, grande parte deles caídos em combate, irá acabar inevitavelmente numa guerra civil fratricida, caso a comunidade internacional não intervenha duramente. Para este resultado, quase apetece dizer que mais valia ter lá deixado a Indonésia.

certificado de virgindade

Recentemente encontrei um velho amigo meu acabado de regressar de Marrocos, país onde viveu durante os últimos meses. Em conversa, contou-me que existe ainda nesse país, considerado como um dos mais tolerantes e «liberais» do Islão, um «certificado de virgindade» emitido por autoridades públicas a jovens mulheres com mais de treze anos. Este documento é obrigatório para as adolescentes que frequentem escolas públicas, e a verificação da falta desse requisito de «pureza» implica a expulsão da pecadora do sistema de ensino. A possibilidade de entrada futura numa Universidade fica, assim, absolutamente excluída.
Admirável, de facto, a cultura e a tolerância do Islão. Pena é que quem, por cá, lhe gaba os méritos, não tenha também de os acatar.

internacionalismo «liberal»

Esclarecendo o que entende dever ser uma posição liberal nalgumas questões de política internacional, CN informou-nos que: não aprecia Churchill, a quem imputa um «gosto por conflitos e anti-germanofilia», a ascensão ao poder do comunismo russo, do fascismo alemão e de Estaline na URSS (diz, a propósito destes "esforços" de Churchill, que «foi obra»); que Wilson e Roosevelt (F. D.) foram os responsáveis pelo surgimento de Hitler e que nada lhes é devido pelo fim da II Guerra Mundial e pela libertação da Europa Ocidental; que a aristocracia prussiana teria sido suficiente para despojar este último do governo da Alemanha.
Não querendo fazer apreciações sobre o valor histórico destas convicções, sempre diria, na linha do que CN escreveu num outro «post», que, de facto, deste «liberalismo» e desta «direita» não partilho. Julgo que nem eu nem a esmagadora maioria dos liberais, que fundamentadamente assim se consideram há muito tempo. Ao quer parece, enganados.
Outra questão abordada, que julgo bem mais pertinente do que as anteriores, consiste na relação entre o estatismo e o belicismo da comunidade internacional. Aí estamos inteiramente de acordo. A exaltação dos nacionalismos estatistas dos séculos XIX e XX (onde a aristocracia prussiana não teve papel de pequeno relevo...) foi a causa directa da conflitualidade reinante na Europa a partir, pelo menos, de 1868. Por mim e sobre este assunto, sempre me comoveram os esforços feitos por homens de boa vontade (nem todos propriamente liberais) no seguimento da II Guerra Mundial, para estabelecerem, ao fim de tanto tempo, uma ordem regional pacífica na Europa. Refiro-me, entre outros, a Jean Monnet, figura curiosíssima e que escapa a todas as tentativas primárias de classificação política, que evitando o construtivismo estadual-federalista de outros protagonistas de então (entre eles, Altiero Spinelli), soube encontrar uma solução ordinalista para a aproximação dos Estados europeus, de forma a assegurarem, como têm vindo a fazê-lo há quase sessenta anos, a paz. Curiosamente, o que Monnet propôs e conseguiu que se acabasse por fazer (com todas as vicissitudes naturais de qualquer ?obra? humana) foi exactamente o que Hayek tinha descrito e considerado desejável, em 1943, sobre a eventual eclosão de um «federalismo funcional» (não estadual) na Europa Ocidental. Aqui, certamente que devemos estar de acordo.