30 março 2006

ingenuidades

Ao invés do que escreve Martim Avilez de Figueiredo, na edição de ontem (28.III.2006) do Diário Económico, não existe qualquer «ingenuidade» em privilegiar as «virtudes do mercado» às «virtudes» do Estado. Do ponto de vista do liberalismo clássico (o norte-americano é, como sabemos, o socialismo democrático europeu, ou social-democracia) o Estado é sempre de desconfiar. E o motivo é simples: a racionalidade dos decisores públicos não é a do «interesse público», mas sim a que corresponde à interpretação, necessariamente subjectiva e politicamente comprometida, do que o «interesse público» possa ser. Em 1975, por exemplo, essa interpretação levou às nacionalizações e à destruição da economia nacional, decisão de que ainda hoje estamos a padecer.O ponto está, portanto, para o liberalismo, em dimensionar com exactidão para que serve o Estado. E este não poderá ser mais do que um mandatário dos cidadãos que representa, aos quais tem de prestar contas. Só assim são compreensíveis a ideia do «contrato social» e os fundamentos do sistema democrático. Porém, é sempre preferível que sejam os próprios interessados - obviamente, os indivíduos e as suas formas de organização social privada - a contratualizarem as suas relações nos mais amplos domínios sociais possiveis, a ser o Estado - o governo e a administração pública - a fazerem-no.O critério é simples: se um cidadão puder compor os seus interesses sem necessidade de um intermediário, o Estado não deve intervir. Se carecer de colaboração, deverá ser-lhe dada oportunidade de escolher o parceiro que lhe interessa e oferece melhores condições e garantias (veja-se, por exemplo, o valor da protecção social, e as funções e garantias que o Estado português «oferece» coercivamente aos cidadãos, em contraponto com o que fazem e podiam fazer as empresas privadas em liberdade concorrencial não limitada). De resto, existe uma formulação recente deste princípio, que é a subsidiariedade, ao qual os textos legais da União Europeia recorrem com frequência, embora não permitam a sua aplicação tanto quanto seria de desejar.Por último, não consigo vislumbrar qualquer «interesse colectivo» que se possa sobrepor à liberdade individual. A não ser, claro está, que do exercício desta última resulte um prejuízo ilegítimo para a liberdade ou propriedade individual de outrem. Mas é para dirimir conflitos de direitos que os tribunais existem. E os liberais nunca se opuseram (bem pelo contrário) à existência do poder judicial. Desde que seja, obviamente, um poder separado dos demais poderes de soberania. Os liberais sabem bem que existem instituições humanas que são geradas pela necessidade e pela utilidade do exercício das suas funções. Ou seja, pela procura de mercado.

29 março 2006

o mal-amado

Marcello Caetano chegou ao vértice do poder em 1968, no final de um imenso período de poder solitário e autocrático de António de Oliveira Salazar.
Durante quase dois anos governou sob a sombra tutelar do malogrado Presidente do Conselho de Ministros, que, irrecuperavelmente diminuído e condenado a uma morte próxima e inevitável, mantinha-se na ilusão de ainda governar o país e mantinha essa mesma ilusão a quem queria e julgava continuar a legitimar-se no poder pela sua autoridade.
Ao fim de menos seis anos de governo e menos de quatro sem Salazar, Marcello caiu. Não deixou, com excepção de alguns poucos amigos, boas recordações políticas a ninguém. À esquerda acusam-no de ser um continuador simulado do salazarismo, à direita imputam-lhe a perda da herança recebida. A ala liberal abandona-o em 71, desiludida com a falta de audácia e de uma reforma constitucional profunda. Os seus «amigos», admiradores e discípulos, que eram às centenas, viram-lhe as costas. No 25 de Abril, da extrema-esquerda à extrema-direita, Marcello era o principal responsável pela ditadura e pela revolução. Pela guerra colonial e pela descolonização. Pela DGS e pela falta de autoridade.
De um momento para o outro, a História deixou de lhe prestar atenção. Verdadeiramente, até hoje, raramente o observou com rigor e imparcialidade. Existem, na verdade, o Marcello Caetano jurista, de quem se fala com parcimónia e algum respeito, o jovem Marcello da segunda geração do Integralismo Lusitano que sucedeu à morte de Sardinha, o Marcello Caetano eterno colaborador e concorrente de Salazar. Mas, o homem que presidiu ao Conselho de Ministros entre a queda de Salazar e o 25 de Abril parece nunca ter existido.
E, contudo, essa época e a sua personagem foram, talvez, os mais fascinantes da nossa vida contemporânea.
O século XX português viveu de similitudes e paralelismos com o mundo de então. Afonso Costa e a República reproduziram o espírito jacobino e anti-clerical próprio das democracias parlamentares republicanas do tempo, Sidónio foi um estereótipo das reacções militaristas e revolucionárias a esses regimes, Salazar só surpreendeu pelo tempo que se manteve no poder, enquanto que a democracia revolucionariamente imposta limitou-se a chegar um pouco mais tarde do que sucedera no resto da Europa.
Marcello, pelo contrário, não tem referência que se lhe equivalha, nem é fácil encontrar-lhe um émulo que com ele rivalize. Foi um homem com uma dimensão trágica desde praticamente o começo da sua vida adulta, o que lhe transparecia no rosto, na pose, no olhar. Inteligente, tinha a noção de que a herança que recebera não era sua nem podia ser de ninguém. Um poder pessoal absoluto, mantido durante décadas, é por definição intransmissível e insustentável. Culto, não ignorava que os ventos da história não podiam manter o país e a sociedade que nele vivia sem profundas modificações. Sensato, cedo compreendeu que já não mandava, ou melhor, que nunca mandara verdadeiramente. Ambicioso, não foi capaz de resistir à chama do poder onde haveria de se consumir. A época em que governou, como todos os grandes momentos de grandes transformações, de encruzilhada e de impotência dos homens para com os factos da história que julgam, mas não podem, dominar, foi trágica, vibrante, agitada, em suma, dramática. E o que torna a História intensa não são tanto os grandes acontecimentos, ou as convulsões arrebatadoras, mas a percepção de fatalidade que alguns dos seus protagonistas têm. Uma das mais impressionantes marcas da inteligência, e Marcello tinha-a indiscutivelmente, é a clara noção das impossibilidades e a obrigação de persistir.
Antes, durante e depois de Marcello Caetano, todos tinham, à esquerda e à direita, soluções para Portugal e para o Ultramar que o Professor de Direito não conseguiu descobrir ou, se as descobriu, não conseguiu concretizar. Ninguém as aplicou com êxito nem antes de ele governar, nem durante, nem depois dele abandonar o poder. Salazar perdera a Índia em Dezembro de 61 e, com ela, o Cardeal Cerejeira julgava condenada a «alma portuguesa». Mas foi a Marcello Caetano e aos breves anos que governou, que se imputou o fim do Império. Quem estava antes e quem veio depois, como, também, quem não esteve ou esteve mal durante o seu consulado, não tem culpas no cartório, nem é responsável pela tragédia que se abateu sobre os povos africanos de quem Portugal se dizia responsável.

Marcello Caetano tem sido o tampão que separa Portugal e os que o governaram no século passado, das suas responsabilidades. É o nosso «lavar de consciências», que de certa forma permitiu que o País e a sociedade rapidamente se recompusessem malgré tout.
É, talvez, chegada a hora de se começar a olhar para Marcello com outros olhos e a investigar desapaixonadamente o seu tempo e o seu modo.

Vd., também, Os Filhos do Viúvo.

22 março 2006

para que serve o cds?

Há uma história sobre o CDS que poucos conhecem e que talvez nos ajude a compreender a vida passada e recente do partido e aquilo que ele hoje representa: é o episódio da sua fundação, que Diogo Freitas do Amaral relata com particular vivacidade no primeiro volume das suas memórias, que se chama «O Antigo Regime e a Revolução». Os factos resumem-se no que se segue.
No dia 4 de Maio de 1974, poucos dias após a revolução, Freitas do Amaral e Alberto Xavier receberam um telefonema do Palácio de Belém, para os convocar para uma reunião cuja agenda desconheciam. A ignorância sobre o teor da reunião era tal, que Freitas recorda que «o Alberto Xavier receava que, tendo sido Secretário de Estado no Governo deposto pela Revolução, o quisessem prender».
Naturalmente receoso, Freitas do Amaral telefonou a Augusto Athayde, que ainda era parente de Costa Gomes, para indagar das intenções a seu respeito e a respeito do seu colega e amigo. Acalmados os piores receios pela conhecida sensatez de Atayde, conta Freitas que «lá nos dirigimos para o Palácio de Belém, um pouco antes das 22 horas. A nossa curiosidade não podia ser maior».
Uma vez chegados, deram imediata entrada numa reunião com o directório político-militar do MFA e os representantes dos partidos políticos entretanto já criados ou legalizados pela revolução. Nomeadamente Álvaro Cunhal pelo PCP, Magalhães Mota e Pinto Balsemão pelo PPD, Sottomayor Cardia pelo PS e Pereira de Moura pelo MDP/CDE.
A reunião foi aberta por alguém do MFA, cuja identidade Freitas não consegue precisar, mas que se dirigiu aos presentes como «os representantes dos partidos políticos ou em formação». Espantados, Freitas e Xavier retorquiram que devia haver algum equívoco e o primeiro foi especialmente incisivo ao dizer aos presentes que «tenho a declarar-vos muito francamente que eu não sou representante de nenhum partido político existente ou em formação». Melo Antunes retorquiu-lhe: «Não senhor, não há erro nenhum da nossa parte. Nós convocámo-los muito propositadamente. É que os senhores, durante os últimos três anos, apresentaram e defenderam um pensamento económico liberal, ou neo-liberal, com visíveis preocupações de justiça social, na página económica do "Diário de Notícias", e nós pensamos que os senhores representam melhor do que ninguém um Partido Liberal como os que existem noutros países europeus e que fará muita falta, se não existir, no leque partidário português».
A reunião findou com a análise da situação ultramarina e com a posição do PCP expressa por Álvaro Cunhal: «para nós, comunistas, todas essas soluções e métodos (referindo-se às propostas dos spinolistas e do PS no sentido de uma descolonização negociada e gradual) são profundamente irrealistas. (...) O que a Carta das Nações Unidas impõe a Portugal é a descolonização; e esta - nomeadamente em Angola, Moçambique e na Guiné - só pode ser feita através da negociação com os movimentos de libertação que têm lutado contra o colonialismo português (e mencionou, explicitamente, o MPLA, a FRELIMO e o PAIGC), que deverá ser seguido, no mais curto prazo possível, da concessão por Portugal da independência plena e sem condições aos territórios coloniais submetidos ao imperialismo português. Esta é a tarefa prioritária do regime democrático novo, e deve ser levada a cabo sem perda de tempo». Freitas, embora em silêncio, concordou. Como ele anotou nas suas memórias, «fiquei convencido de que a estratégia de Cunhal e do PCP iria triunfar sobre qualquer outra, pelo menos neste ponto, e que o destino do Ultramar português era um caso arrumado».

Este episódio, aqui longamente relatado, interessa porque explica que, no fim de contas, o CDS nasceu de uma acumulação de equívocos e de erros, desde logo, na sua fundação: receosos da prisão, os seus fundadores e primeiros dirigentes dirigem-se a uma reunião onde, afinal, são arvorados a líderes partidários e a personalidades do novo regime pelo directório militar da revolução. Chefiando um partido político eleitoralmente de direita, Freitas do Amaral nunca se libertou dos complexos de esquerda provenientes da sua estreita colaboração com o antigo regime e particularmente com Marcello Caetano. Para Freitas, desde o princípio que o CDS não estava, como dizia, «nem à esquerda nem à direita, mas rigorosamente ao centro». Mais tarde, principalmente após a morte de Adelino Amaro da Costa, estes complexos de esquerda, ou melhor, em não ser de direita, agravaram-se-lhe e estenderam-se a quase todo o pessoal político que ele "criou" nos primórdios do CDS e que se foi mantendo no activo: Luís Beiroco, Rui Pena, Jorge Goes, entre outros, aderiram ao PS social-cristão de António Guterres, e o próprio Freitas é ministro do actual governo, com o qual Basílio Horta também colabora.
Ideologicamente, o CDS nunca foi nem carne nem peixe: nem de esquerda nem de direita, nem liberal nem social-democrata, nem coisa nenhuma com a qual o país tivesse tido um ganho claro.
Na sua relação com o poder, o CDS tem tido uma vida precária e nem sempre muito clara: viabilizou, em 1978, o 2º governo constitucional liderado por Mário Soares e pelo PS, em troca de alguns ministérios e de visibilidade política, quando Francisco Sá Carneiro militava na oposição ao socialismo. De 1980 a 1983, esteve no governo, primeiro liderado por Sá Carneiro e depois por Pinto Balsemão, donde saiu para não mais voltar até 2002, para nele se manter durante três anos, até ter saído nas condições que se conhecem. No poder autárquico, o CDS tem vindo, quase desde a sua fundação, a diminuir de expressão, até à actual quase inexistência autónoma do PSD. Isto representa, ao fim de trinta e dois anos que leva a III República, que o CDS esteve menos de sete anos no governo do país e que não tem praticamente existência nos governos das comunidades locais.
Por último, reconheça-se que o CDS permitiu a revelação de alguns talentos políticos e mediáticos e acolheu alguns outros que já tinham vida própria no seu seio: Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Lucas Pires, Manuel Monteiro, Paulo Portas, António Lobo Xavier e Adriano Moreira, como figuras de primeira linha, e uma ou duas dúzias de figuras de segundo plano. É pouco em trinta e dois anos? É.
Em contrapartida, o CDS, sobretudo nos últimos anos, não tem sido parco em espectáculos lastimáveis e que denigrem a política, os políticos, a direita, e representa mal (ou não representa por transferência de voto para o PSD ou para a abstenção) um espaço partidário, sociologicamente identificado com uma classe média que não vive à conta do Estado e que não se revê nele. Desde o célebre episódio da caneta (que preencheu debates inesgotáveis sobre quem teria feito a partida ao Dr. Portas), até aos mais recentes acontecimentos do envio do retrato do «fundador» para o Largo do Rato e a exigência de um «partido sexy», o Largo do Caldas tem-nos brindado com alguns dos mais hilariantes momentos da política portuguesa contemporânea. Infelizmente, à sua conta, o PSD e o PS têm obtido confortáveis maiorias absolutas e Portugal não dispõe de um partido que verdadeiramente represente a classe média que quer distancia do Estado.

Neste estado de coisas, em que os partido e o regime estão como estão, o CDS lá vai sobrevivendo. Se a bitola de exigência subir um pouco mais, e o governo de Sócrates parece que assim determinará, o CDS, este e aquele que temos conhecido, ou se refunda ou deixará de ter razão de existir. As instituições - todas as instituições - mais tarde ou mais cedo extinguem-se e o CDS não será certamente excepção a esta regra. Os que por lá ainda vão tendo algumas responsabilidades e os seus poucos militantes activos talvez devam perguntar-se se ainda se justifica manter um partido que continua sem uma ideologia clara, sem um programa que o diferencie do «grande centrão», sem nada de especificamente distintivo em relação ao PSD, a não ser uma imensa capacidade de arranjar pequenas histórias que não interessam a ninguém. E devem estar cientes que, desta vez, é pouco crível que o seu partido consiga sobreviver a outros vinte anos de jejum.

18 março 2006

ptn

A minha conhecida incapacidade cognitiva impediu-me de compreender, até ontem, em que consiste o famoso «Plano Tecnológico Nacional».
Acresce que tenho, também, uma certa desconfiança rural sobre o mundo tecnológico. Não direi, como alguns fundamentalistas religiosos, que por detrás da ciência e da tecnologia se esconde o mafarrico, mas penso sinceramente que para espíritos limitados como o meu, cada inovação é uma complicação: só serve para atrapalhar a minha primária existência e reforçar os enormes e visíveis complexos de inferioridade intelectual que me caracterizam.
Ontem, precisamente, por estrito dever de ofício, assisti a uma conferência sobre o assunto que me fez perceber finalmente o que pretende o nosso governo e em que consiste o «ambicioso Plano».
Posso dizer que o PTN (as siglas em maiúsculas são apropriadas para este efeito) tem um passado, um destino e uma ética: principiou no célebre Conselho Europeu de Lisboa de 2000, com a aposta no reforço da «Europa social», e regressou em 2005 pela mão do Programa Nacional de Acção para o Crescimento e o Emprego 2005-2008, apresentado à Comissão Europeia pelo governo português; tem por objectivo criar um «Portugal (de) Novo», que assentará na trilogia mística do CTI (Conhecimento - Tecnologia - Inovação); e legitima-se no valor moral e político do crescimento económico e do emprego.
Lidas as linhas gerais do PTN, facilmente se compreende que ele resulta da convicção de que cabe ao governo e aos poderes públicos a criação de condições sociais, económicas e culturais para o desenvolvimento do país. Apesar de pretender implementá-lo em colaboração com a «sociedade civil» e as suas estruturas, a verdade é que a esmagadora maioria das medidas são, como aqui se pode constatar, de pura intervenção governamental. Em síntese, o governo quer «qualificar os portugueses para a sociedade do conhecimento», quer «vencer o atraso científico e tecnológico», e quer «imprimir um novo impulso à inovação», em vez de permitir que os indivíduos, as empresas e o mercado o façam e lá cheguem pelos seus próprios meios. Para isto, o governo e o gabinete do plano criarão bolsas, postos de trabalho, repartições públicas, bibliotecas digitais, conteúdos culturais (?), turmas e cursos de inglês, redes de cinema digital e de telemática de informação, vales (?) de ciência e tecnologia, institutos, fundações, etc., etc, etc.
Sacudida a poeira, em última análise o PTN assenta numa mesma filosofia que tem como antecedentes próximos o célebre «copo de leite» distribuido nas escolas primárias pelo Engº Roberto Carneiro (que tiraria gerações de portugueses do obscurantismo e os lançaria nas «luzes» da civilização e do progresso) e a não menos famosa «paixão pela educação» do Engº Guterres. Em comum estes três arrojados planos partilham dois aspectos: não servem para nada, a não ser para gastar recursos que saem do PIB, e foram concebidos por engenheiros.

13 março 2006

a arte do estado

I. No dia em que o Público (link directo indisponível) noticia que a actual crise económica é a mais grave, acentuada e prolongada dos últimos vinte e cinco anos em Portugal, o Governo anuncia que vai investir 450 milhões de euros para criar 15 mil postos de trabalho e 45.700 vagas em creches, lares de idosos, centros de actividades ocupacionais e serviços de apoio domiciliário para pessoas com deficiências.Na notícia do jornal Público realça-se que no ano de 2004 houve um ligeiríssimo crescimento da nossa economia provocado pelo efeito artificial e passageiro do Euro-2004. O mesmo acontecimento que, como nos prometeram os sucessivos governos do PS e do PSD/CDS-PP, iria criar uma oportunidade única de desenvolvimento da qual beneficiaríamos por muitos e longos anos.A notícia dos novos postos de trabalho criados pelo Governo demonstra que o poder político ainda não percebeu que numa economia de mercado, quem cria emprego são os particulares e as suas empresas. Tudo o mais é fictício e redunda sempre em gastos superiores ao investimento real e aos benefícios obtidos. Se o Estado dificultar a vida às empresas e aos cidadãos, nomeadamente, obrigando-os a responder pelo desequilíbrio das suas próprias contas, então, o desemprego aumentará e a recessão económica é garantida.Veremos o que sobre estas orientações políticas têm a dizer o novo Presidente da República, o seu assessor político Doutor João Carlos Espada e, já agora, o Dr. Paulo Portas no seu próximo «Estado da Arte».

II. Afinal estamos salvos: o magnífico programa dos 15 mil postos de trabalho hoje anunciado será «financiado pelas verbas provenientes dos jogos sociais» e não por dinheiros públicos. De resto, tal como todos os grandes investimentos dos governos nos últimos anos, pagos com dinheiros comunitários e por reduzidas verbas públicas, rigorosamente aplicadas segundo os orçamentos aprovados. Sem desvios e todos com elevadas taxas de rentabilidade: o Centro Cultural de Belém, a Expo 98, o Euro 2004 e a Casa da Música. A OTA e o TGV também não escaparão a esta draconiana racionalidade económica que tem feito de Portugal um país desenvolvido e próspero.
Quanto ao futuro do programa anunciado hoje, ele dependerá exclusivamente do afinco com que continuarmos a jogar no Euromilhões, do valor dos jackpots acumulados e da distribuição nacional dos prémios. Se a «raspadinha» e o totoloto voltarem a animar, talvez o programa aumente o númro de postos de trabalho. Quanto ao totobola, não vale a pena contar com ele.

helena matos

No Blasfémias, a partir de hoje. Um reforço de excelência para a blogosfera nacional.

12 março 2006

a milagrosa corrente de s. judas milagreiro

Parabéns! Você acabou de receber uma carta que lhe vai alterar a vida. Basta seguir as instruções e tudo o que sempre ambicionou - poder, influência, prestígio, dinheiro, mulheres (ou homens), felicidade e saúde - estarão ao seu alcance. Mas, se ao contrário do que aqui está prescrito, você quebrar a corrente, arrisca-se a pesadas e dolorosas consequências.
A Milagrosa Corrente de S. Judas Milagreiro existe há muito tempo e deu já várias voltas ao mundo. Começou na Alemanha, em 1930, quando um vulgar cabo de guerra a descobriu e iniciou. Em pouco tempo conquistou privilégios e mordomias nunca antes sonhadas. Mas, ao fim de alguns anos, esqueceu a origem da sua ventura e quebrou a corrente. Caiu-lhe em cima a desgraça e desapareceu da face da terra.
Para que você possa beneficiar desta corrente milagrosa basta enviar 200 cópias aos seus melhores amigos. Se se enganar não tem importância. Se quiser mandar aos inimigos, também pode. O que interessa é que a corrente continue a dar voltas ao mundo e não seja quebrada. Veja agora alguns exemplos reais do que sucedeu a algumas pessoas que fizeram seguir ou interromperam a corrente.

Em 2004, um antigo militante maoísta recebeu a Milagrosa Corrente de S. Judas Milagreiro e deu-lhe seguimento. Estava farto do que fazia, não tinha horizontes e sentia-se abandonado pelos amigos. Ao fim de duas semanas em que enviou as 200 cópias, recebeu um inesperado convite para um lugar de liderança mundial que prontamente aceitou. Hoje, sente-se feliz e realizado, ganha bem e convive com os grandes deste mundo.
Em contrapartida, um octogenário que, outrora, dera andamento à Milagrosa Corrente de S. Judas Milagreiro, quebrou a corrente e caiu em desgraça. Talvez não o tenha feito por mal, mas pela avançada idade que lhe afectou a memória. Não interessa: a Corrente opera automaticamente e quem a quebrar leva! Perdeu eleições, foi traído por amigos íntimos e acabou a descer sozinho as escadas de um Palácio que no passado fora seu.
Experiência diferente teve um importante professor de economia, que entrou na Corrente há vinte anos atrás e, por lapso momentâneo, esqueceu-se de a continuar ao fim de dez anos: perdeu tudo o que conquistara até então e viveu afastado do mundo durante os dez anos seguintes. Mas não deu o tempo por mal empregue: durante todo esse período, desdobrou-se a escrever cartas aos amigos e inimigos e, agora, a fortuna voltou a sorrir-lhe. Por muito tempo.
Um dos inimigos que recebeu a carta foi um jovem turco, cujo prolongado sucesso público aparentemente contrastava com os méritos pessoais. Erro! O felizardo estava na Corrente Milagrosa havia muitos anos e, por isso, a sorte batia-lhe diariamente à porta. Tresloucado por saber que o seu velho inimigo também entrara na Corrente, resolveu quebrá-la para o tentar prejudicar. Desgraça: em quatro meses foi despedido do emprego que tanto lhe custara conquistar e ficou nas ruas da amargura, donde não se antevê que saia tão cedo.
O último beneficiário da Corrente Milagrosa de S. Judas Milagreiro é um jovem engenheiro por quem poucos davam muito, mas que se desmultiplicou a escrever cartas e a enviá-las por esse mundo fora. Está, hoje, bem na vida, e tenciona continuar a Corrente.

10 março 2006

é grave e não se faz

O que a Constança Cunha e Sá e o Vasco Pulido Valente fizeram é grave e não se faz. Criaram o melhor blog político que existiu até hoje na blogosfera nacional, mantiveram-no a um ritmo diário frenético, geraram dependência compulsiva nos leitores e, sem aviso prévio, acabam com ele ao fim de dois meses.
É motivo mais do que suficiente para uma zanga séria e corte de relações. Mas, se ainda se arrependerem (e um santo peca sete vezes ao dia, o que conta é o arrependimento), terão certamente o nosso perdão.

o arquétipo político português

Quando terminar o seu segundo mandato presidencial, em 2015, Aníbal Cavaco Silva concluirá um ciclo de vinte e um anos de poder, durante os quais ocupou os mais altos cargos de soberania que existem nas democracias: Ministro das Finanças (1980), Primeiro-Ministro (1985-1995) e Presidente da República (2006-2016).
António de Oliveira Salazar foi Presidente do Conselho de Ministros entre 1928 e 1968. Em 1926, logo após a revolução de Maio, foi também Ministro das Finanças, embora somente por escassos treze dias, por não lhe terem concedido os poderes de controlo orçamental que a situação do país exigia.
Feitas as contas, isto representa, ao fim de oitenta e oito anos consecutivos da nossa história contemporânea, que Portugal e os portugueses estarão sob a influência política dominante de dois homens durante sessenta anos. Os outros vinte e oito foram repartidos por momentos de transição (Marcello Caetano, o 25 de Abril e o PREC), por Mário Soares, cuja marca histórica que ficará será mais a de um resistente (ao regime de Salazar e de Caetano e ao PREC) do que a de um governante, pelo mito fugaz de Francisco Sá Carneiro, e por um sem número de experiências fracassadas de governação (os governos de iniciativa presidencial de Eanes, Pinto Balsemão, António Guterres, Durão Barroso e Santana Lopes) que não deixarão memória.
Apesar da semelhança de percursos e de formação, Salazar e Cavaco identificam-se sobretudo pelo valor mítico de referência que exerceram e exercem sobre o imaginário nacional: homens rigorosos, austeros, tecnicamente competentes e que dominam as finanças e a economia. A sua durabilidade no poder funda-se, de facto, num arquétipo político nacional, ao qual Pessoa reagia negativamente lembrando que Jesus não «sabia nada de Finanças».
Em suma: quem, à esquerda ou à direita, tiver a pretensão de conquistar e exercer duradouramente o poder em Portugal, não poderá afastar-se muito disto. José Sócrates parece que já o percebeu. A direita ainda não, nem dá vestígios de que o venha a entender nos próximos anos.

09 março 2006

a que direita pertence paulo portas?

Um interessante «post» de Pedro Marques Lopes, publicado n' O Acidental, sobre a direita partidária portuguesa e o provável ressurgimento de Paulo Portas na liderança do CDS, termina com a afirmação de que «não pode ser Portas a fazer renascer a Direita porque a Direita dele já morreu».
Embora com muitas reservas, eu poderia até concordar com o sentido da conclusão, se soubesse que direita imputa o autor a Paulo Portas. Será a direita liberal dos tempos do velho Semanário, da apologia de Michael Novak e do liberalismo conservador anglo-saxónico, ou a direita democrata-cristã e keynesiana do Congresso de Braga? Será a direita anti-sistémica dos tempos do Independente e da épica conferência de imprensa contra o aparelhismo do CDS (que não tinha emenda), ou será a direita da «Jota» e do caciquismo partidário? Será a direita da «justiça social», do discurso dos pobrezinhos, dos pensionistas e reformados, ou será também a direita da classe média explorada pelo Estado? Será a direita que quer desenvolver a economia nacional sustentada na iniciativa privada, na livre-empresa e no mercado aberto, ou será a direita do estatismo e dos ataques à classe média? Será a direita europeia, desprovida de fronteiras e barreiras comerciais, ou será a direita das nações, a direita patrioteira de de Gaulle e do hino nacional ao pequeno-almoço? Será a direita da descentralização, das privatizações, da desburocratização, ou será a direita do tachismo, do despesismo, das empresas públicas e dos lugares públicos para os amigos e para as clientelas partidárias?
Diga-se, em abono da verdade, que Paulo Portas é, por enquanto, na direita portuguesa, a única personagem com carisma, inteligência e dimensão mediática para a projectar no futuro próximo. Que quer voltar, não restam dúvidas. E afirmou, ainda há pouco na SIC-Notícias, que pretende contribuir para a definição de uma «cultura política de direita» que se coadune com a sensibilidade da sociedade que quer servir como político. Convém, então, que desta vez não se volte a enganar e que diga, em tempo útil, ao que vem, com quem vem e o que efectivamente quer.

08 março 2006

o triunfo da terceira via

Ludwig von Mises publicou no fim da terceira década do século passado, mais concisamente em 1929, um estudo que denominou por «Kritik des Interventionismus» («Crítica do Intervencionismo») no qual defendia a tese de que nos primórdios desse século se começara a desenvolver um forma híbrida de governação, situada entre os dois parâmetros tradicionais, o liberalismo e o socialismo, ao qual deu o nome de «intervencionismo».
Para Mises, o que distinguia esta nova actuação dos governos ocidentais de então e o sistema socialista seria que enquanto este último suprimia a propriedade privada, aquela desejaria mantê-la. Só que, e distintamente do paradigma liberal, o intervencionismo não aceitava nem o princípio incondicional da propriedade privada nem a plena liberdade contratual: pelo contrário, entendia competir ao Estado, por via das políticas governativas e da administração pública, gerir o comportamento dos agentes privados no mercado, condicionando-os no sentido da maximização da sua utilidade e oportunidade.###
A questão suscitar-se-ia, nas suas palavras, do modo seguinte: «existirão apenas duas formas possíveis de organização da sociedade baseada na divisão do trabalho, a propriedade colectiva e a propriedade privada dos meios de produção, ou poderá existir, segundo a tese intervencionista, um terceiro sistema, baseado na propriedade privada e ao mesmo tempo regulado por intervenções estatais»? Concluindo, um pouco mais adiante: «Não há outra opção: ou se renuncia a intervir no livre jogo do mercado, ou se transfere toda a direcção da produção e da distribuição à autoridade governativa. Ou capitalismo ou socialismo. Não há terceira via.» (nossa tradução).

Passados mais de setenta anos sobre a análise e os vaticínios de von Mises, o que dizer da evolução do mundo democrático ocidental e das suas formas de governar as sociedades e os homens que as compõem?
Sem dúvida que o desenvolvimento das actividades e das funções governativas, a sua ampliação e crescimento, levam a crer que, no fim de contas, o intervencionismo se desenvolveu e triunfou enquanto terceira via entre o capitalismo e o socialismo. Para além do mais, ele predomina nos países democráticos ocidentais que proclamam igualmente o primado da iniciativa privada, da livre empresa, da liberdade contratual, em suma, do mercado e da propriedade privada. Aparentemente, Mises estava errado: entre o socialismo e o capitalismo existia um espaço político a ocupar.
Também as formas de intervenção política mudaram substancialmente desde a época em que Mises escreveu este texto e os dias de hoje. Por um lado, naquela altura, os governos orientavam-se mais para a ingerência directa na economia, essencialmente através dos controlos da produção e de políticas de preços condicionados. Hoje, na verdade, o Estado «liberalizou» os preços e não limita a produção, exceptuando alguns sectores económicos (agricultura e pescas, por exemplo) dos Estados integrados na União Europeia. Mas, na generalidade, os agentes económicos são livres de praticar os preços que entenderem e produzir o que bem lhes convém.

Sucede, contudo, que a intervenção estadual e governativa é, actualmente, muito mais ampla e feroz do que no passado, embora possa aparentar o contrário. Desde logo, pela irracionalidade de uma prática de cobrança de elevadas receitas tributárias sobre a produção, justificada durante décadas pela redistribuição de rendimentos e, agora, assumidamente para pagar a despesa pública, isto é, os gastos do próprio Estado. Mas, também, pelo absurdo do excesso da regulamentação: do ambiente à saúde, do comércio à indústria, da educação à habitação, passando pelos galheteiros de azeite e vinagre, até ao design dos maços de cigarros, não existem limites à ingerência do Estado na individualidade humana. Quando, há dias atrás, Vasco Pulido Valente se queixava amargamente da asfixia estatizante dos nossos dias em contraponto à «liberdade» do salazarismo, não estava propriamente a enaltecer os instintos «democráticos» do Doutor António Oliveira Salazar que, de resto, como o próprio confessava, os não tinha. Estava, isso sim, a descrever um tempo em que o intervencionismo estatal não tinha chegado ainda tão longe como hoje efectivamente chegou. Quando se diz que o Estado democrático em que vivemos é geralmente totalitário, isso não encerra qualquer paradoxo ou contradição: não se afirma que ele exerça o poder de forma violenta e ilegítima (no sentido de falta de representatividade sufragada); mas que o faz em todas as dimensões da vida humana, na totalidade da vida social.
Acrescente-se, também, que não deixa de ser falso dizer-se que o Estado não fixa os preços dos produtos, bens e serviços vendidos no mercado pelas empresas privadas. Não o faz, certamente, no seu limite máximo. Mas fá-lo, pelo menos, no valor mínimo abaixo do qual não poderá ser vendido, em virtude das imposições tributárias que têm de ser contabilizadas no preço final. Vejam-se os preços de alguns bens essenciais às nossas estruturas societárias, como os combustíveis, e avalie-se o peso do Estado no preço a que o produto chega ao consumidor.
Tenha-se, por fim, em consideração que num país de forte peso do Estado, como o é Portugal, mas que nem por isso se distingue excessivamente da maior parte das democracias europeias ocidentais, mais de metade do PIB fica cativo no Estado. Isto quer dizer, por outras palavras, que mais de metade da produção privada nacional não é, afinal, privada, mas sim pública.

Sem que nos tenhamos apercebido, em nome da justiça social e de valores de elevado altruísmo comunitário, os nossos Estados têm-se vindo a apropriar do que lhes não pertence. Os governos não produzem nem criam riqueza. Placidamente, arrogam-se no direito de retirar aos cidadãos o pleno direito de organizar e de dispor sobre o ensino, o comércio, o trabalho, o emprego, a saúde, a segurança, o ambiente, a urbanização, e para tudo isto cobram uma renda sem prestarem devidamente os serviços que coercivamente lhes impõem.
Antigamente, não há tanto tempo atrás quanto se possa imaginar, as revoluções e as grandes convulsões políticas davam-se por causa destes excessos e das tentativas de abusos do poder político sobre os cidadãos e a sua legítima propriedade. Hoje, graças ao sistema democrático que permite a alternância pacífica, destituem-se governos e, em sua substituição, elegem-se outros que repetem, ou agravam, o que fizeram os anteriores. Os resultados do intervencionismo estadual são geralmente insatisfatórios. Se o não fossem, as populações estariam satisfeitas com os seus governos, o que não é manifestamente o que acontece no mundo europeu ocidental e, desde logo, na história democrática portuguesa. O grande dilema do nosso século é, portanto, o de saber como desmontar o Estado socialista que o intervencionismo do século vinte criou.
Afinal, Mises tinha razão: o intervencionismo quase extinguiu a propriedade privada nas sociedades onde se tem vindo a espraiar. Nas nossas sociedades. Verdadeiramente, não foi a terceira via que triunfou: vivemos em regimes estruturalmente socialistas onde os limites à propriedade privada são cada vez maiores e, se calhar, nem nos apercebemos disso.

06 março 2006

regresso ao «colectivo»

Regresso hoje ao Blasfémias, um blog que ajudei a fundar já lá vão mais de dois anos e que se encontra actualmente numa inteligente fase de restruturação.
O Blasfémias é um caso raro de sucesso, de inteligência e de talento na blogosfera política portuguesa. Esse mérito é reforçado se tivermos em conta que nem o blogue, nem nenhum dos seus co-autores tiveram, durante muito tempo, qualquer visibilidade nos media tradicionais. O seu sucesso, bem expresso no público reconhecimento dos muitos milhares de leitores diários, é, assim, consequência absoluta do excelente trabalho realizado, do nível geral do blogue e da elevada qualidade individual de cada um dos seus membros.
Quanto ao Portugal Contemporâneo, blog que tenho vindo a manter desde finais de Novembro do ano passado, continuará em actividade, já que se trata de um projecto completamente pessoal, com marca própria e exclusiva, que nem se sobreporá ao que farei no Blasfémias, menos ainda lhe retirará espaço. O PC servirá, em primeira instância, de arquivo dos textos que venha a publicar no Blasfémias, mas também para editar algumas coisas que, por uma razão ou por outra, não me pareçam oportunas neste blogue. Com o tempo as coisas acabarão por se equilibrar com naturalidade, sem prejuízo de ninguém e, espero, com vantagem para todos.
Uma última palavra para os meus camaradas blasfemos, a todos os que já cá estavam e à recém entrada, e muito bem vinda, Helena Matos: não há dúvida que o regresso a casa é sempre agradável. Fica, assim, demonstrado que um liberal, por mais que pregue as virtudes do individualismo, acaba também por sentir a falta do «colectivo»...

parabéns!

Parabéns ao Bruno Gonçalves que completa hoje um ano do seu excelente Bodegas.

04 março 2006

totalitarismo

«O Estado também aflige. Por favor, não tomem isto como propaganda política. Imaginem o Estado durante Salazar e Caetano. Existia a PIDE e a censura: e mil e um tiranetes por aqui e por ali. Não vale a pena repetir o óbvio. Em compensação, o Estado não queria mandar na vida de ninguém. Não proibia que se fumasse. Deixava o trânsito largamente entregue a si próprio. Não andava tão obcecado com a saúde e a segurança. Não regulava, não fiscalizava, não espremia até ao último tostão. Um indivíduo, pelo menos da classe média, passava anos sem encontrar o Estado: em Portugal, em Inglaterra, em Itália, na Europa. Acreditam que nunca voltei a sentir o espaço e a liberdade desse tempo?»

Vasvo Pulido Valente, Não fui feito para isto, Público, 4 de Março de 2006.


«O concelho de Lamego tem menos e 30 mil habitantes e cerca de 80% trabalham na administração pública ou em instituições que vivem de subsídios do Estado. O hospital e a Câmara são os maiores empregadores, a dependência do Estado é quase total.»

Graça Rosendo, Nas mãos do Estado, Expresso, 4 de Março de 2006

02 março 2006

fotoquiz democracia

Acha-se um democrata dos quatro costados? Um freedom fighter da velha cepa? Um guerrilheiro da tolerância e um peregrino da paz? Então, responda às perguntas deste teste e ficará a saber toda a verdade.

1. Identifique as personalidades da fotografia

a) O «Trio Odemira» em actuação no «Natal dos Hospitais»;
b) Yuri Andropov e duas agentes do sinistro KGB;
c) Os três pastorinhos;
d)O Presidente Thomaz e a Srª Dª Gestrudes, com uma amiga desconhecida.

2. Quem é este senhor?

a) O primo siciliano do Frank Sinatra;
b) Não sei, não me comprometa;
c) Um santo;
d) O Doutor António de Oliveira Salazar, Primeiro-Ministro absolutista de Portugal e ditador de rosto humano.

3. A gravura evoca um importante acontecimento da História de Portugal. Identifique-o

a) O primeiro Porto-Benfica;
b) Os exércitos nazis do Bush a atacar a mouraria;
c) Os lusitanos a dar porrada nos pretos;
d) O começo das obras do TGV.

4. Nesta fotografia pode ver-se

a) Os bombeiros da Madragoa a apagar um incêncio no Largo do Caldas;
b) Um grupo de democratas manifestando a sua justa ira contra excessos anticlericais;
c) Vítimas indefesas do sionismo;
d) A Embaixada da Dinamarca em Damasco, depois de um incêncio provocado por um cigarro mal apagado do Embaixador.

5. E este cavalheiro, o que está a fazer?

a) A dar um curso de linguagem gestual;
b) É o Professor Marcello a passar-me um raspanete na Faculdade!!!;
c) O traidor Marcello!;
d) O Prof. Marcello no seu célebre programa infantil «É a hora da sesta, meninos».

6. O que se passa aqui?

a) Um grupo de estudantes de Coimbra com os copos, no cortejo da Queima das Fitas´;
b) O fim do fássismo (eu estava lá atrás, à esquerda, com os olhinhos e a carapinha bem à vista);
c) O fim do Império;
d) Militares a imporem a ordem pública em 25 de Abril de 1974.

Resultados: Se respondeu maioritariamente b) é um democrata. A sério. Parabéns. Passe pelo Ministério para lhe dar um abraço.
Se respondeu mais a) não percebe nada de política. Só pensa em cinema e no audiovisual. É um tipo sem interesse nenhum.
Mais c): é um fássista. Morte ao fássismo e a quem o apoiar!
Mais d): você é um rigoroso historiador, embora não tenha quase vocação política.

finalmente, um bom argumento

Para impedir a OPA da SONAE à PT: Belmiro e o filho recusam-se a pagar indemnizações aos gestores da PT calculadas para além de um mandatos (três anos). O despeito da burguesia nortenha pela aristocracia da capital é de uma intolerável insolência. O tempora, o mores!

01 março 2006

blasfémias

Dois anos da melhor opinião política liberal da blogosfera portuguesa. Parabéns.

conquistas do estado social

Um terço dos hospitais públicos com bloco de partos não tem «condições de segurança para o nascimento».

12.100, odisseia em betelguese

Ano 12.096, dia 35 do mês 2.
Base Espacial da Federação Galáctica em Betelguese, Órion.
Diário do Primeiro Governador


Hoje recebemos uma Mensagem do Grande Líder da República Federal Galáctica. O seu conteúdo está classificado no nível 1 da escala de urgência e de secretismo. O valor máximo. Sua Excelência suspeita que existem unidades clonadas para o serviço da República em excesso. Ignora, até, o número preciso de unidades activas. Teme que o aperfeiçoamento tecnológico que as levou a comportarem-se como a nossa espécie conduza à escassez de recursos. Ninguém pode saber e é preciso agir com rapidez. Vou começar neste momento a tomar as medidas necessárias.

Dia 10 do mês 3
Nova Mensagem do Grande Líder, desta vez com ordens concretas: redução abrupta da produção de clones; só é autorizado o fabrico de um novo, por cada quatro que se tornem inactivos. Classificação da mensagem: 1, ou seja, TOP SECRET e URGENTE. Vou já começar a tomar providências.

Dia 40 do mês 3
Comecei hoje mesmo a executar as ordens do Grande Líder. Convoquei para a próxima semana o Conselho de Governadores de Betelguese. Ao todo somos 450, um por cada dia do ano. É alguma gente, mas todos somos necessários (e poucos) para manter a ordem e a paz neste recanto longínquo da República.

Dia 21 do mês 4
Não se realizou ainda a reunião do Conselho de Governadores. Houve mudanças na Federação. Há um novo Grande Líder. O anterior desapareceu num charco durante uma caçada desportiva de cyborgs. Malditos ricaços! Não sabem o que fazer à massa! Adivinham-se novas políticas e outras orientações.

Dia 47 do mês 7
Ordens do novo Grande Líder: «Não há reprodução de clones até novas instruções. Sérias dúvidas quanto à necessidade e utilidade da clonagem para a espécie. Recursos cada vez mais escassos e raros. Cumpra-se, a bem da Federação!» Vou já tomar providências para parar a clonagem. Convocarei na próxima semana o Grande Conselho.

Dia 30 do mês 10
O Grande Conselho reuniu. Afinal parece que as coisas não são tão graves como nos têm dito. Há até quem afirme que a Federação continua a produzir clones em quantidade apreciável. Parece que a voracidade desta nova geração de clones é muito superior à habitual. Sobretudo os mais jovens, instruídos nas escolas juvenis da República. Por cá também temos feito alguns. Menos do que no passado. E mais discretos, também, mas de grande qualidade, dedicação e mérito. Bem falta nos fazem!


Ano 12.098, Dia 44 do mês 3
Rumores da federação: afinal parece que está tudo na mesma. O Grande Líder, preocupado com a situação, nomeou um Comissário para promover um estudo pormenorizado do problema do excesso de clones. O Comissário anunciou que começaria brevemente o seu trabalho e que apresentaria resultados em cem dias e outras tantas noites. Mas exige condições. Para ele, obviamente. Por isso, com autorização superior, nomeou de imediato 250 adjuntos, assessores e colaboradores diversos. Parece gente a mais, mas, de facto, a tarefa também não é pequena.


Ano 12.099, dia 14 do mês 5
O Grande Líder foi-se embora! Disse que deixava bem entregue o governo da Federação e que nos não preocupássemos porque para onde ele ia nos seria ainda mais útil. Rumores de revolução à vista. Grande produção de clones nos últimos meses, sem que conste ter aumentado o número de inactivos. Assim as coisas começam a fazer sentido: sem pessoal competente não há ordem nem progresso. Por mim, já tomei providências e nomeei mais 200 Governadores Centrais. Sim, porque agora também há os Regionais. E bem precisos são!

Ano 12.100, dia 2 do mês 11
Novo Grande Líder nomeado. O anterior não aguentou muito tempo, embora o tenha utilizado com grande sentido patriótico. Produziu alguns milhares de clones e espalhou-os dedicadamente pela República. Clones que evidenciaram grande voracidade e vocação para a causa pública. Muita juventude e vivacidade. E que úteis eles foram!

Ano 12.100, dia 7 do mês 12
O Grande Líder diz que só se produzirá um novo clone por cada dois que se tornem inactivos. Hummm… onde é que eu já ouvi conversa parecida? Mandou para aí umas ordens que ninguém cumpriu. Consta, à boca pequena, que se prepara para produzir 150 mil unidades em fábricas clandestinas para incentivar a falta de recursos. A coisa não bate muito certo com o discurso oficial, mas eles lá sabem. Por mim, para que não digam nada, tomei providências imediatas: convoquei uma reunião do Grande Conselho na próxima semana, para debater o assunto e nomear mais uns Governadores Regionais com capacidade para analisarem as novas problemáticas tecnológicas. É que, sem estudo e competência, não se consegue fazer nada de jeito. E que úteis eles vão ser!...